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Política

Para Décio Oddone, é “equívoco” controlar preço de combustível


Valor Econômico - 01 nov 2021 - 10:14

Não existe uma “saída milagrosa” para reduzir os preços dos combustíveis. Em momento em que a Petrobras volta aos holofotes da pauta política, diante da inflação dos derivados e de ameaças de uma nova greve dos caminhoneiros, o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e atual presidente da Enauta, Décio Oddone, vê no conceito do controle dos preços um “equívoco”. Ele relativiza propostas como a criação de fundos de estabilização e subsídios como o Vale Gás, e prega o avanço da agenda liberal no setor e ajustes na tributação para que, no futuro, os consumidores colham os frutos da abertura do mercado.

Ao comentar sobre a criação de um programa de auxílio às famílias de baixa renda para a compra do gás de cozinha, a exemplo do Vale Gás aprovado pela Câmara, Oddone lembra que esta não é uma iniciativa nova - no passado, o vale existiu por um tempo até ser integrado, posteriormente, ao Bolsa Família. Para ele, seria mais eficiente, em termos de política pública, reforçar um programa mais amplo de combate à pobreza do que diluir recursos em diferentes iniciativas de “menor poder de fogo”.

Após 30 anos de carreira na Petrobras, Oddone sai em defesa da política de preços da companhia, alinhada ao mercado internacional. Ele destaca que as ideias intervencionistas causam distorções que “cedo ou tarde vêm à tona” e recorda que o histórico de controle de preços, subsídios cruzados e diretos deixou como legado custos fiscais elevados, inibições na oferta e perdas para a petroleira. Segundo o ex-diretor-geral da ANP, está na hora de superar o intervencionismo no debate sobre os preços dos derivados no Brasil - que, lembra, remonta aos anos 1950.

Oddone defende medidas pró-abertura em todos os elos da cadeia do setor, a fim de alimentar a competitividade dos combustíveis. Na avaliação dele, o alinhamento dos preços da Petrobras ao mercado internacional é essencial para garantir o abastecimento; atrair novos agentes e, assim, achatar as margens dos atores; além de reduzir a dependência do Brasil das importações - e, portanto, da precificação baseada no preço de paridade de importação (PPI).

Essas são as conclusões de Oddone, em artigo a ser publicado no livro de título provisório “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil”, organizado por Marcos Mendes e previsto para ferreiro de 2022.

Oddone dirigia a ANP em 2018, quando eclodiu a greve dos caminhoneiros que parou o Brasil e levou o governo Michel Temer a lançar um programa para subsidiar o diesel que custou R$ 6,8 bilhões ao Tesouro em seis meses.

Segundo Oddone, o desalinhamento dos preços dificulta a programação de investimentos e desestimula a indústria de etanol. O ex-diretor da ANP acredita que qualquer redução nos preços ou nas margens do setor só virá com o aumento da concorrência ou da oferta - o que passa, segundo ele, por mudanças em diversas frentes, dentre as quais o fim do monopólio da Petrobras no refino.

A experiência mostra que o monopólio da Petrobras no refino não se traduziu em benefícios para o consumidor durante todo o tempo. Oddone afirma que houve momentos em que a estatal praticou preços abaixo do PPI, assumindo perdas bilionárias para conter a inflação, como entre 2011 e 2014, mas que o contrário também já ocorreu - inclusive na recessão global, de 2008 a 2010.

A estatal se comprometeu com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a vender 8 de 13 refinarias até o fim do ano, mas até o momento, só duas foram negociadas: a Rlam (BA), para o Mubadala, e a Reman (AM), para o Grupo Atem. A alienação da Rnest (PE), Refap (RS) e Repar (PR) fracassou, num 2021 marcado por turbulências em torno da troca de comando da estatal e incertezas sobre o futuro dos preços.

Oddone acredita que a entrada de novos agentes vai forçar a concorrência por participação de mercado. Um setor mais aberto, defende, também atrairá mais importadores, pressionando as margens do setor.

O executivo defende que a autossuficiência nos derivados é um dos caminhos desejados para reduzir estruturalmente os preços. A lógica é que, a partir do momento em que o Brasil deixe de depender das importações, o mercado passe a trabalhar com a paridade de exportação - menor que o PPI, por desconsiderar os custos logísticos para internalização dos produtos.

Oddone, porém, faz uma ressalva. Com a capacidade ociosa do setor, no mundo, é difícil atrair investimentos para novas refinarias, a exceção de unidades de pequeno porte. Novos projetos, segundo ele, só se justificarão se houver convicção sobre a liberdade de preços.

O executivo advoga ainda pela liberalização do mercado de biocombustíveis, com o fim dos leilões para a contratação de biodiesel. As reservas de mercado e as restrições à importação também devem ser eliminadas.

Em 2018 Oddone liderou uma agenda de debates sobre mudanças nas regras do setor. Segundo o executivo, apesar dos progressos, o arcabouço regulatório ainda favorece reservas de mercado. Embora as margens da distribuição e da revenda sejam menos relevantes na composição do preço final, existem medidas que podem melhorar a competitividade dos segmentos - ainda que nenhuma delas, isoladamente, tenha capacidade de baixar os preços.

Ele é a favor de liberar a venda direta de combustíveis do produtor (refinarias ou usinas) para os postos. Um primeiro passo foi dado em setembro, quando o governo autorizou - via medida provisória - a venda de etanol diretamente pelas usinas aos postos, sem intermédio das distribuidoras.

A MP também flexibiliza a tutela regulatória de fidelidade à bandeira - pela qual um posto “bandeirado” só pode adquirir e vender combustível fornecido pelo distribuidor com o qual possui acordo para exibição da marca. A ANP fiscaliza a execução desses contratos. Na visão de Oddone, a tutela reduz a capacidade da agência de executar outras atividades de interesse do consumidor, como verificara qualidade dos combustíveis.

Ele também defende mudanças na tributação, de forma a instituir a monofasia - ou seja, concentrar a cobrança do imposto no produtor e, assim, reduzir a sonegação - e a eliminar as distorções no cálculo do ICMS que amplificam os movimentos de alta dos preços. A questão foi parcialmente tratada este mês pela Câmara, no projeto que muda a forma de cobrança do ICMS sobre os combustíveis, com o objetivo de diminuir a volatilidade dos preços. A monofasia, porém, não foi incluída no texto.

Oddone comenta também sobre a criação de um fundo de estabilização dos preços. Desde 2018, medidas do tipo estão em discussão no governo - tanto de Temer quanto de Bolsonaro. A lógica consiste em utilizar recursos de um tributo para capitalizar o fundo em períodos de baixa nas cotações. Em situações de preços altos, o tributo seria reduzido, segurando os valores ao consumidor. O executivo pondera, contudo, que quando os valores estão baixos é politicamente difícil manter os tributos altos para capitalizar o fundo.

Uma alternativa seria usar parte da arrecadação excedente gerada pela produção de petróleo, nos momentos de valorização da commodity e do câmbio, para financiar subsídios. Ele ressalva, contudo, que subsídios e fundos de estabilização acabam, na prática, beneficiando tanto pobres quanto ricos e estimulando o consumo de produtos mais poluentes. “A questão é se, em tempos de transição energética, de carência de recursos para redução da desigualdade e de busca de aumento da produtividade da economia, esse seria o melhor destino para os ingressos extraordinários”, questiona.

André Ramalho – Valor Econômico