PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Política

MME busca aumentar influência política no comando da Petrobras


Valor Econômico - 14 jun 2023 - 09:04

Depois de garantir, no fim de abril, a eleição da maioria do conselho de administração da Petrobras, o Ministério de Minas e Energia (MME), ao qual a estatal é vinculada, faz mais um movimento para ampliar o controle no colegiado da empresa. A nova investida busca assegurar aprovações nos comitês de assessoramento do colegiado com a indicação de nomes ligados ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Grande parte dos indicados para ocupar estes cargos é de Minas Gerais, assim como o ministro. Os candidatos foram aprovados pelas instâncias internas de governança da Petrobras e ainda dependem da validação do próprio conselho da companhia.

O avanço do MME sobre a Petrobras evidencia uma divisão na alta cúpula da companhia. Silveira, um político mineiro com boa relação com Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, consolida a cada dia o domínio sobre o colegiado da companhia, responsável por formular as estratégias de médio e longo prazos da empresa. Já Jean Paul Prates, o CEO, está focado em administrar a empresa da diretoria-executiva para “baixo”.

Embora seja também integrante do conselho de administração, Prates teve alguns atritos com Silveira no começo da gestão e, para fazer valer seus pontos de vista, terá que fazer política e convencer o conselho hoje dominado por Silveira. Se o colegiado confirmar os nomes, os comitês passarão dirigidos por pessoas externas à companhia e não mais por integrantes do próprio conselho.

Em entrevista ao Valor este mês, Prates disse que o colegiado é "soberano", sobre o qual não tem nenhum poder, e negou ter conflitos com Silveira. Nos bastidores, comenta-se que declarações de Silveira nos primeiros meses de governo sobre a política de preços dos combustíveis incomodaram a Petrobras. Na entrevista ao jornal, Prates defendeu modelo visto no passado em que o ministro de Minas e Energia era também “chairman” da Petrobras.

Em nota, o MME afirmou que todos os nomes foram avaliados de maneira independente pelas instâncias de governança da companhia e atendem aos requisitos estabelecidos pela legislação e pelo estatuto. Além disso, afirma o ministério, as indicações e aprovações são de responsabilidade do conselho de administração da companhia. Da mesma forma, diz, as indicações para a presidência dos comitês também são atribuições do conselho. O MME ressaltou ainda que o acionista controlador da Petrobras é a União, que elegeu os conselheiros em assembleia, em abril, com os demais acionistas. “Dessa forma, a eleição dos conselheiros seguiu o disposto na legislação vigente e atende as regras de governança”, disse o ministério. A Petrobras disse que não comentaria.

Em abril, a União, como controladora da Petrobras, elegeu seis dos oito candidatos ao conselho de administração da Petrobras, contrariando pareceres da governança interna. Na ocasião foram eleitos três secretários do MME para a Petrobras. Agora, no fim de maio, o Comitê de Pessoas (Cope) da companhia aprovou nomes de dez indicados para cinco dos seis comitês de assessoramento da empresa. A ata da reunião tornou-se pública na sexta-feira.

Os comitês são órgãos de assessoramento aos conselhos e não têm poder de decisão. Esses grupos são formados para aprofundar questões estratégicas relacionadas às companhias, com auditoria, riscos, pessoas ou compliance. Os guias de boas práticas de governança indicam que em geral um comitê deve ser coordenado por um conselheiro, de preferência independente. É composto ainda por um membro externo e uma pessoa da empresa ligada ao assunto. Seria o caso, por exemplo, de um diretor de RH no comitê de pessoas. O entendimento de especialistas é que os conselheiros podem ser mais generalistas mas nos comitês a especialidade é desejada, para ir mais a fundo. “É um absurdo colocar gente de fora que não é especialista”, afirma um ex-conselheiro.

Todos os executivos indicados a um cargo na estatal precisam passar pelo processo de “background check” de integridade (BCI), que verifica se os nomes atendem às exigências legais e à política de nomeações. O parecer do BCI é entregue ao Comitê de Elegibilidade (Celeg), ligado ao Cope, composto por quatro integrantes: Vitor Saback (presidente), Efrain Cruz e Marcelo Gasparino, todos conselheiros, e Iêda Cagni, membro externo. Fontes disseram que não há problemas legais na escolha de nomes de fora da companhia para presidir os comitês de assessoramento. A prática é repetida em outras estatais, afirmou fonte.

Os nomes aprovados pelo Cope para os comitês de assessoramento ao conselho incluem Eugênio Tiago Chagas Cordeiro e Teixeira, com duas empresas sediadas em Belo Horizonte; Fábio Veras de Souza, conselheiro consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ex-secretário adjunto de desenvolvimento econômico de Minas Gerais; Raoni Iago Pinheiro Santos, chefe da assessoria de comunicação do MME, e Maurício Renato de Souza, atual chefe de gabinete de Silveira no ministério. No caso de Raoni, o MME afirmou que ele tem pós-graduação em gestão pública e é servidor de carreira do Ministério Público Federal, cedido ao MME.

Também integram a lista do Cope Newton de Araújo Lopes, dono de uma empresa de auditoria e contabilidade em Minas Gerais; o juiz e professor de direito mineiro Benjamin Alves Rabello, o consultor do MME Arthur Cerqueira Valerio, também de Minas Gerais, e Renato Galuppo, igualmente de Minas Gerais, ex-dirigente do Cidadania. A lista é completada com os nomes dos ex-conselheiros da Petrobras Jônathas de Castro e Iêda Cagni, que se absteve de votar sobre sua indicação.

Especialistas avaliam de forma crítica o atual modelo de gestão na Petrobras, divido entre o MME e Prates: “O CEO é o elemento chave da governança. Se ele não estiver alinhado, ele não leva os princípios para baixo, então a governança falha”, afirma Wanderlei Passarella, fundador do Centro de Estudos em Liderança e Governança Integrais (Celint). O advogado André Camargo acrescenta: “Um dos dogmas da governança é a separação dos papéis da diretoria e do conselho. Mas o relacionamento dos [dois] órgãos é um sinal positivo [de boa governança].”

É comum que conselhos e comitês acabem funcionando como uma complementação salarial e pessoas sem conhecimento acabam participando. “Muitos comitês têm especialistas do mercado para assessorá-los, com objetivo de tornar o assunto bem avaliado e aprofundado. Se estão populando os comitês com pessoas de fora sem conhecimento é muito ruim”, afirma um ex-conselheiro. O artigo 17 da Lei da Estatais determina a vedação “de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade”. Liminar do então ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trechos da Lei das Estatais.

Fábio Couto e Juliana Schincariol – Valor Econômico