Etanol, diesel renovável e captura de carbono: diretrizes e promessas do Brasil para o clima
O governo federal publicou, junto com os anúncios na estreia da COP26, em Glasgow (Escócia) a revisão de diretrizes para o país atingir a neutralidade de carbono em 2050.
A meta revisada esta semana quer “empatar” as emissões e retiradas de gases do efeito estufa da atmosfera em 30 anos, sendo considerada conservadora por ambientalistas. O governo foca, por exemplo, em interromper o desmatamento, mas apenas o ilegal, com antecipação dessa meta de 2030 para 2028.
Para os mercados de combustíveis e energia, o roteiro para a colaborar com a neutralidade é pouco ambicioso: atingir entre 45% e 50% de participação de renováveis na matriz energética até 2030.
Os próprios estudos de planejamento indicam que seria possível alcançar 50% antes do prazo e chegar a 2030 com 48% de penetração de fontes mais limpas.
No detalhe, a linha de ação é conhecida do mercado, com grande foco em biocombustíveis e no aumento da participação de etanol e biomassa na matriz.
Para o transporte, o documento cita o aumento “da parcela de biodiesel, diesel verde e parcela renovável do diesel de coprocessamento na mistura do diesel, desde que em bases econômicas”.
Ele ainda reflete uma discussão que ocorre neste momento, com as sucessivas reduções da mistura obrigatória de biodiesel no combustível final em função da alta dos preços dos combustíveis.
Outro destaque é um capítulo específico para as ações de “tolerância zero” contra desmatadores, o que gera desconfiança, em razão das práticas, promessas e resultados do durante estes três anos de governo Bolsonaro.
O presidente, em campanha e depois de eleito, comprometeu-se diversas vezes a reduzir punições dos órgãos de fiscalização ambiental. O Ministério Público Federal (MPF) chegou a abrir uma investigação sobre uma suposta viagem de garimpeiros em voo da Força Aérea Brasileira (FAB) para promover a exploração em terras indígenas, além disso, os índices de desmatamento são crescentes, para citar alguns casos.
Neutralidade de carbono
Para energia, a meta é “alcançar uma participação estimada entre 45% e 50% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030 e seguir expandindo”.
Com exceção da presença do programa Combustível do Futuro, não há percursos detalhados de ações e programas ou até mesmo uma diretriz estratégica para expansão da geração de energia elétrica, por exemplo.
Se o país chegar em 2030 com menos de 48%, isso significará uma redução em relação ao que as projeções indicavam como um planejamento possível. O valor também representaria um recuo das fontes renováveis, já que o país atingiu 48,4% em 2020.
Biocombustível no curto prazo
O plano ainda fala em aumentar a participação de “biocombustíveis sustentáveis”, incluindo “uso de biomassa na geração de energia”, sem citar metas específicas.
Em 2020, a biomassa representou 30,2% da matriz energética, com liderança do etanol (17,1% de biomassa da cana). Outros combustíveis são lenha e carvão vegetal (8,9%); biodiesel (1,7%); biogás (0,1%); e outras fontes (0,4%).
Na agenda da política energética está o biorrefino, a partir do diesel verde e do diesel de coprocessamento, produto que a Petrobras pretende colocar no mercado (o antigo HBio). O governo ainda não oficializou como será a inserção, isto é, se haverá e qual será a margem para competição entre o biodiesel e novos biocombustíveis no ciclo diesel.
O documento também cita o etanol de segunda geração, que pode elevar a oferta de etanol com a mesma área plantada de cana-de-açúcar, e a eletrificação, inclusive de frotas pesadas, a partir de biocombustíveis, “considerando as características brasileiras e o consolidado sucesso do programa do etanol no país, priorizando o aproveitamento da infraestrutura de abastecimento existente em todo território”.
Neste caso, o contexto envolve a disputa global por rotas de descarbonização no transporte, um setor de difícil transição. Há ainda o problema dos veículos leves (etanol, eletrificação, célula a combustível etc.) e dos pesados, onde também concorrem gás natural (fóssil menos emissor que o óleo), biocombustíveis (incluindo biogás), a eletrificação e o hidrogênio verde.
Em relação ao Combustível do Futuro, programa interministerial coordenado por Minas e Energia (MME), vão sair propostas para marcos legais e regulatórios para novas soluções – captura e armazenamento de carbono a partir de biomassa (ProBioCCS); e produção de combustíveis sustentáveis para a aviação (ProBioQAV).
O mercado de aviação, aliás, tem compromissos setoriais de substituição de combustíveis fósseis, que incluem a mitigação, por compra de créditos, caso o combustível sustentável não esteja disponível ou seja economicamente viáveis.
Mas o plano brasileiro fala genericamente em “promover ganhos de eficiência no setor energético e elétrico” e “fomentar o aproveitamento energético de resíduos, inclusive resíduos sólidos urbanos”.
Os resíduos começaram a entrar como opção nos leilões de energia e o MME estuda ampliar as possibilidades de contratação de usinas.
Na linha da eficiência, há a revisão em estudo das especificações de combustíveis e biocombustíveis e o que o MME tem chamado de “análise de ciclo de vida do poço à roda”, isto é, considerar toda a cadeia de produção da energia na hora de medir o impacto climático. No fim, é uma defesa dos biocombustíveis, na linha de que não adianta eletrificar a frota na ponta se a geração de energia for suja.
Soluções para o futuro
O Brasil descarta a ideia de reduzir a produção de petróleo. Ao contrário, a estratégia é ser um exportador líquido, com projeções dando conta que o país pode chegar perto de dobrar a produção em pouco mais de uma década, atingindo 5,5 milhões de barris por dia por volta de 2030.
Para isso, o setor e o governo federal apostam em redução da intensidade de carbono por barril produzido, aumento do biorrefino para limpar os produtos comercializados internamente e na contenção do “desperdício” de emissões – conter a fuga de metano e a queima rotineira de gás natural em flare.
As diretrizes do governo federal citam a mitigação de emissões na produção de óleo e gás com aumento da eficiência, incluindo a eletrificação de plataformas. Esta estratégia está em curso, mas esbarrou em uma discussão sobre desregulamentação de normas de proteção ambiental no Conama.
Além disso, foi mencionada a inserção de “fontes renováveis em sistemas produtivos e no portfólio de negócios de E&P e refino (bioenergia, HVO, bioquerosene, eólicas offshore, solar, ondas, hidrogênio etc.).
O documento ainda inclui a promessa de remover carbono da atmosfera, com captura, reuso e armazenamento (CCUS), inclusive associado a bioenergia (BECCS) e uma compensação florestal, que a indústria internacional de óleo chama de nature based solutions (NBS) ou soluções baseadas na natureza.
Gustavo Gaudarde – EPBR