Centrão pressiona governo a baixar combustíveis e antevê derrota de Bolsonaro
O núcleo do Centrão já dá como certa a derrota do presidente Jair Bolsonaro nas eleições, caso o governo não consiga imediatamente baixar o preço dos combustíveis. Principal fiador do governo, o grupo de partidos fisiológicos abandonou o discurso otimista de que Bolsonaro passaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até este mês e agora diz que, se ele não resolver a alta do preço nas bombas, não tem como “começar a jogar” porque o “liberalismo vira uma coisa cruel e sanguinária”.
O plano de recuperação de Bolsonaro foi batizado por dirigentes do Centrão como “It's now or never” (é agora ou nunca).
A pressa se justifica porque o governo, segundo líderes do grupo, precisa mudar a percepção do eleitor urgentemente. Para tanto, o caminho é fazê-lo sentir: 1) alívio no preço dos combustíveis; 2) sensação de que pode voltar a quitar suas dívidas; 3) consumo de volta e 4) que Bolsonaro é responsável por esta melhora.
Como o tempo é curto para o que precisa ser feito, o grupo já trata com ironia o resultado da eleição. Integrantes do Centrão dizem que terão de ser governo de qualquer jeito, “até mesmo com Lula”.
Medidas
Bolsonaro enfrenta resistências da equipe econômica para adotar medidas que repercutam no preço dos combustíveis. O valor do litro do diesel está, em média, R$ 6,88 e o da gasolina, R$ 7,25, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgados nesta sexta-feira, 3.
Uma das propostas da área política é o bolsa-caminhoneiro e um auxílio para motoristas de táxis e aplicativos, como mostrou o Estadão. O governo também estuda subsidiar o preço do diesel, mas há restrições impostas pelo teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação. Além disso, ele também precisa convencer o Congresso a tomar medidas para burlar a regra fiscal. Nesse momento, Bolsonaro não tem sequer líder no Congresso.
“Se não resolver o problema dos combustíveis, ele só cai. Bolsonaro está descendo a ladeira, como já desceu com os caminhoneiros e tantos outros setores da economia que não cumpriu o que prometeu”, disse o deputado Nereu Crispim (PSD-RS), que foi apoiador de Bolsonaro. “Os caminhoneiros ele não tem mais, já era”.
Segundo o parlamentar, a categoria não quer assistencialismo com vale gás ou vale combustível. “É um show dele para não se responsabilizar com o que se comprometeu na campanha. Está beneficiando somente os investidores na bolsa e os lobistas que importam combustível, comprometido com os ricos, com os bancos, com essa inflação de dois dígitos”.
Crispim diz que a isenção de impostos federais não resolveu o problema da política de preços praticada atualmente e que a criação do teto de 17% do ICMS para combustíveis deve seguir o mesmo caminho – ser “engolida” pelo aumento do dólar e pela variação do preço do petróleo internacional.
O deputado José Nelto (Progressistas-GO) diz que a reeleição de Bolsonaro fica ameaçada tanto pela alta no preço quanto pela possível falta de diesel no mercado interno. “Estamos vivendo um momento muito delicado para o presidente. Se faltar óleo diesel, vai ser uma revolução. Imagine parar o campo, o transporte coletivo, se isso acontecer esquece a reeleição dele”.
O deputado Wellington Roberto (PL-PB), um dos mais experientes parlamentares do Centrão, afirma que a alta dos combustíveis é um problema do país todo, não do governo Bolsonaro. “Se for fazer queda de braço quem perde é o mais pobre. Precisa de esforço conjunto e deixar o problema da eleição para depois”, disse.
O papel de Alckmin
O Centrão não cogita ficar fora de um novo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), virtual vitorioso no cenário traçado por aliados do presidente, embora demonstre discordâncias com o receituário econômico petista, mais estatizante e contrário a privatizações que andaram com apoio do bloco de centro-direita.
Um dos elos do grupo para justificar o ato de reatar com Lula, caso ele vença, tende a ser o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), que foi apoiado pelos caciques do bloco em 2018 e tem posições mais liberais.
Há quem avalie até mesmo que o Centrão poderia apoiar mais Alckmin do que Lula e enxergue nisso risco ao impeachment do petista, caso ele decida, por exemplo, restabelecer a relação de presidencialismo de coalizão que manteve no passado e enfrentar os mecanismos do orçamento secreto, elaborados pelo governo Bolsonaro e pelo Centrão para fazer jorrar recursos bilionários nas mãos dos parlamentares.
Lula já foi aconselhado por petistas que comandaram a Câmara no passado a alterar a correlação de forças – atualmente, os congressistas detêm mais recursos que alguns ministros. O ex-presidente classificou como “podridão” o mecanismo que garantiu estabilidade a Bolsonaro e apoio eleitoral aos aliados do governo.
“O Congresso Nacional não tem que ter orçamento próprio, do relator. Quem tem que cuidar do orçamento é o Poder Executivo deste país. Então está tudo mudado, está tudo corrompido, está tudo diferente. E esse país tem que voltar à normalidade”, disse Lula ontem em Porto Alegre (RS) em encontro com representantes do setor cultural.
Como hoje quem dá as cartas na destinação das emendas são os congressistas, uma ala de senadores ciente da intenção de Lula de retomar o controle sobre fatia bilionária do orçamento começou a criar um modelo híbrido. A estratégia consiste em fazer com que os parlamentares continuem com o protagonismo na decisão, mas enviem dinheiro a um leque de obras definido pelo Executivo, especialmente as já paradas.
Felipe Frazão – O Estado de S.Paulo