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Emissões

Crítica: Metas de Dilma vão muito pouco além do que já está em curso


Folha de S.Paulo - 28 set 2015 - 16:50

A "contribuição pretendida nacionalmente determinada" (INDC, em inglês) anunciada pela presidente Dilma Rousseff (PT) pode ser encarada sob dois ângulos. Um é um pouco mais positivo que o outro, mas não permite afirmar que haja uma meta ambiciosa no combate contra o aquecimento global.

Do ponto de vista das INDCs apresentados até aqui por outros países, a brasileira pode ser considerado animadora. Trata-se do primeiro país em desenvolvimento a assumir um objetivo de redução absoluta de emissões de gases do efeito estufa (GEE): menos 43%, em 2030, sobre os níveis de 2005.

É um avanço. Em 2009, para a Conferência de Copenhague, o governo brasileiro falava apenas em desvio para baixo com relação a uma trajetória de crescimento. Ao falar em corte, agora, traz algum alento para a Conferência de Paris, em dezembro.

De um outro ponto de vista, contudo, não há muito a comemorar. O Planalto não apresentou indício concreto de que fará esforço adicional significativo para ajudar o mundo a não ultrapassar a fronteira arriscada dos 2ºC de aquecimento da atmosfera desde a era pré-industrial.

Dilma Rousseff fala em compromisso para o futuro, mas na prática continua a vangloriar-se pelas conquistas do passado. O xis da questão está no ano tomado como referência, 2005.

Naquele momento, o desmatamento na Amazônia ainda estava nas alturas (19.014 km2). Em 2004 havia sido apurada a segunda maior taxa anual de todos os tempos, 27.772 km2. Nos últimos anos, baixou para a casa dos 5.000 km2 anuais.

As emissões oficiais brasileiras em 2005 foram de 2,043 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (GtCO2eq). Cortar 43% disso, como anunciou Dilma, significa que dentro de 15 anos o país estaria emitindo 1,165 GtCO2eq. Parece um esforço enorme, mas a rigor não é.

Como não se cansa de repetir a presidente, de lá para cá o desmatamento caiu de forma acentuada, coisa de 80%. Caíram também, por consequência, as emissões de GEE. Segundo o próprio governo, em 2012 estimava-se que estivessem em 1,203 GtCO2eq.

Portanto, com relação a três anos atrás, o Brasil se propõe a cortar apenas 38 milhões de toneladas. Ou seja, seguir no mesmo patamar, sem redução que signifique alguma coisa palpável para a mudança do clima.

Também não há por que se entusiasmar com as metas setoriais apresentadas em Nova York. Dilma disse que o país terá 45% de participação de fontes renováveis na energia consumida pelo país (eletricidade e combustíveis). Hoje já estamos em 42,5%.

No que respeita à matriz de eletricidade, falou que, em 2030, 23% da geração provirão de fontes limpas como biomassa, eólica e solar (excluídas portanto as hidrelétricas).

Ora, seu próprio Plano Decenal de Energia (PDE 2024) prevê que a capacidade instalada dessas outras renováveis subirá para 21% em 2018 e para 27% em 2024. Mesmo que não gerem energia o tempo todo, sendo fontes intermitentes, não parece difícil chegar aos 23% (hidrelétricas também produzem pouco em períodos secos).

Pior: o mesmo PDE 2024 projeta que a participação das usinas termelétricas — leia-se: combustíveis fósseis — sairão de 12,4% da matriz elétrica para 14,4%.

Restaurar 120 mil km2 de florestas derrubadas e recuperar 150 mil km2 de pastos degradados são boas notícias, mas nada que cause espanto. É o mínimo que o país poderia fazer, ainda que não tão parco de ambição quanto zerar só o desmatamento ilegal nos próximos 15 anos.

Um quarto do território nacional é ocupado por pastagens, a maior parte delas degradada. Estudo de Britaldo Soares-Filho, da UFMG, projeta que um aumento de 50% na baixa produtividade da pecuária permitiria liberar 460 mil km2 para a agricultura de grãos, eliminando a necessidade de desflorestar para produzir.

O Observatório ABC (Agricultura de Baixo Carbono, um centro sediado na FGV) calcula que a recuperação de 520 mil km2 de pastos doentes possibilitaria evitar a emissão 0,67 GtCO2eq e ainda armazenar no capim bem manejado mais 1,1 GtCO2eq retirados do ar.

Partindo desse total de 1,77 GtCO2eq e aplicando uma regra de três aos 150 mil km2 de Dilma, ainda haveria uma economia da ordem de 0,5 GtCO2eq. Mas como o governo projeta para 2030 emissões estacionadas no nível de 2012, parece que a meta do governo é, no fundo, usar essa poupança para gastar com emissões ampliadas de combustíveis fósseis (leia-se: pré-sal).

Marcelo Leite – Folha de S. Paulo