Emissões

Com bioenergia Brasil pode reduzir 39% da meta de emissões


Valor Econômico - 03 ago 2023 - 10:30

Relatório recente da consultoria Oliver Wyman, o qual o Prática ESG teve acesso com exclusividade, mostra que incentivar a produção de biocombustível pode ser uma das principais vias para acelerar a descarbonização do Brasil.

A estimativa é que o aumento da produção de etanol, biodiesel, diesel renovável, combustível de aviação sustentável (SAF) e gás natural comprimido pode reduzir entre 27,4 milhões e 71,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2 eq) até 2030, de acordo com a publicação. Como base de comparação, esse volume é maior do que o emitido por um país como Portugal, que, em 2021, lançou cerca de 61,4 MtCO2 eq na atmosfera. Se chegar até o máximo esperado (71,3 MtCO2 eq), sozinho, o setor vai contribuir para mitigar 39% da meta total que o Brasil se comprometeu a reduzir (a chamada NDC ou Contribuição Nacionalmente Determinada), de 183 MtCO2 eq até 2030. Isso significa, na prática, substituir até 30 bilhões de litros de diesel.

Chegar a esse patamar, porém, exige uma série de ações, que passam por aumentar a produção e o consumo de biocombustíveis. Isso, aponta o relatório, dependerá da própria indústria de transporte e dos legisladores ‘comprarem a ideia’. “Não existe uma bala de prata para fechar o ‘gap’ de emissões. É necessária uma combinação de esforços de vários setores e alguns relevantes já são amplamente conhecidos e desenvolvidos no Brasil, como o de etanol, biodiesel renovável e SAF”, comenta Rodrigo Borges, gerente de Energia e Recursos Naturais da Oliver Wyman.

A intenção da consultoria com o relatório, segundo o executivo, é justamente chamar a atenção de consumidores, empresários e governos para uma área que pode, com incentivos corretos, ampliar seu impacto. Na pizza de setores que mais emitem no Brasil, o de transporte - incluindo rodoviário, aéreo e marítimo -, não é o principal, mas não deixa de ser um relevante: é responsável por 15% das emissões nacionais. Por outro lado, as soluções para ele são mais conhecidas e já utilizadas e, portanto, mais escaláveis.

Para Rodolfo Taveira, diretor da mesma área na consultoria, o país precisa valorizar as soluções de baixa emissão que já têm e não apenas ‘comprar’ a solução de outros países, como o carro elétrico. “Temos condições diferentes e opções só nossas que podem ser mais interessantes, como os carros híbridos a etanol e eletricidade”, diz.

Ele cita estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) que elenca alguns obstáculos para eletrificação da frota de veículos brasileira, tais como a escassa infraestrutura de abastecimento em um país em que uma parte da população ainda não tem nem acesso à energia elétrica em suas casas. Além disso, a EPE cita o alto preço dos próprios automóveis e suas baterias, que demandam materiais estratégicos. Na conclusão, aponta os biocombustíveis como uma alternativa nacional, especialmente para veículos leves, uma vez que a tecnologia e infraestrutura de abastecimento já são mais disseminadas.

“Estamos em um momento frutífero para falar sobre as opções de combustíveis. Há uma expectativa maior para criar regulamentações que incentivem a agenda ambiental”, comenta Ivo Godoi, sócio da prática de Energia e Recursos Naturais da Oliver Wyman. Ele acredita que isso pode criar um contexto que também leve o governo a incentivar fontes de energia alternativas e combustíveis renováveis.

O Brasil é hoje o segundo maior produtor global de biocombustíveis, com 23% de participação, graças a sua desenvolvida indústria de etanol extraído da cana-de-açúcar. Nos cálculos da Oliver, se o consumo de etanol for incentivado e a proporção de carros flex com etanol subir dos atuais 33% para 66% até 2030, o Brasil ampliará em 29% o consumo do biocombustível até 2030 e reduzirá sua pegada de carbono em 11,6 MtCO2 eq.

Em um cenário ainda mais otimista, em que 100% dos motores flex consumam etanol até 2030, e as vendas de veículos flex cheguem a 80%, o país pode diminuir em 24,9 MtCO2eq suas emissões. Neste contexto, a produção de etanol responderia por 62% de do abastecimento de veículos leves no país.

Para Rodolfo Taveira, a política de mistura obrigatória de biodiesel ao óleo de origem fóssil contribui não apenas para reduzir as emissões de GEE, mas também para diminuir a dependência da importação do recurso, impactando na balança comercial do país. Hoje, cerca de 25% do diesel consumido no Brasil é importado. “Os benefícios não são só ambientais”, diz. “O biodiesel tem papel relevante em mover essa agenda adiante através da regulação.”

No documento, os autores do relatório calculam que, se o Brasil atingir níveis de mistura semelhantes aos da Indonésia, por exemplo, onde espera-se chegar até 35% de biodiesel até o final de 2023, isso levaria a uma redução das importações para apenas 5% e implicaria em uma diminuição de 29 MtCO2 eq.

Desde abril, o teor de biodiesel subiu de 10% para 12% na mistura com o diesel fóssil e a proposta aprovada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) propõe elevar a 15%, de forma progressiva, até 2026.

Naiara Bertão – Valor Econômico