Atraso: entenda por que só 3,7% da frota de ônibus de SP é elétrica
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) vai encerrar o primeiro mandato sem cumprir a meta de 20% dos ônibus municipais movidos a energia limpa em São Paulo. Até agora, menos de 500 coletivos são elétricos, entre trólebus e movidos a bateria. Isso representa 3,7%, menos de um quinto do que seria necessário para honrar a promessa. Demora para iniciar a transição, entraves na definição da forma como isso seria feito e até a briga entre Nunes e Enel são apontados como motivos do atraso.
Pela tabela de referência, um ônibus elétrico pode custar até cinco vezes o valor de um equivalente a diesel, a depender do modelo. Os custos tendem a se diluir ao longo do tempo de operação por gasto menor com manutenção e consumo, mas o investimento inicial é elevado e foi um dos obstáculos apontados pelas empresas inicialmente.
A prefeitura, então, passou a subvencionar a compra dos ônibus, pagando a diferença entre um elétrico e um diesel diretamente às fornecedoras. Se um coletivo diesel custa R$ 500 mil e o equivalente movido a energia elétrica sai por R$ 2,5 milhões, a prefeitura banca a diferença de R$ 2 milhões, por exemplo — o dinheiro vai direto para a fabricante.
Atualmente, já foram gastos quase meio bilhão de reais (R$ 464 milhões) para a aquisição de 219 ônibus, distribuídos entre dez empresas — somam-se a eles os trólebus em operação, para se chegar aos 3,7%. A capital paulista tem cerca de 13 mil coletivos no transporte municipal e, para atingir os 20% da meta (2.600), seriam necessários aproximadamente R$ 5,5 bilhões.
Atrás da meta
Pessoas envolvidas com a mobilidade urbana ouvidas pela reportagem apontam motivos variados para o atraso. Grande parte diz que a prefeitura dormiu no ponto e deixou para correr atrás da meta só no penúltimo ano do atual mandato, com a subvenção. Mesmo assim, pode ter colocado o carro na frente dos bois.
Subvencionar a compra de ônibus sem ter a garantia de uma estrutura mínima para a recarga dos veículos é visto como um equívoco por especialistas, provocando um descompasso. Para usar uma expressão usada por uma das pessoas ouvidas, é como “comprar um avião e deixar no pátio para mostrar para os amigos”.
As garagens não têm, atualmente, condições de abastecer as baterias de todos os ônibus elétricos que já estão à disposição. Até por isso, têm recusado, em alguns casos, receber novos coletivos movidos a energia, mesmo estando esses disponíveis nos pátios dos fabricantes.
A reportagem apurou que um estudo apontava que 90% das garagens da capital paulista poderiam receber até 50 ônibus sem alteração significativa na estrutura de fornecimento de energia e até 150 com pequenas e médias alterações.
Para promover mudanças mais profundas, o valor seria relativamente elevado e parte do dinheiro sairia do cofre das empresas. Há dois anos, o custo da infraestrutura, entre subestações de energia e instalação de carregadores, era estimado em cerca de R$ 2 bilhões.
A infraestrutura interna das garagens pode ser contratada com diversas empresas do mercado, incluindo a Enel X, da concessionária italiana, e fica a cargo das empresas de ônibus.
Crise Nunes x Enel
Já o fornecimento de energia em si cabe à Enel, que precisa adequar pontos de sua rede para abastecer uma frota de ônibus. É aí que a briga entre Nunes e a concessionária, motivada pelo primeiro grande apagão de novembro de 2023, pode ter gerado uma indisposição entre as partes que atingiu até mesmo o transporte público.
A briga, entretanto, é apontada como fator secundário ou até irrelevante por outros, já que teria acontecido já no fim do terceiro ano de mandato, quando o prefeito já deveria contar os problemas de infraestrutura resolvidos, caso houvesse anteriormente vontade política de eletrificar a frota.
Em 2022, quando o relacionamento entre as partes parecia mais harmônico, Nunes chegou a dizer que a Enel poderia garantir o valor da energia por até 15 anos, caso fosse a fornecedora.
A meta atual foi descumprida e, ao que tudo indica, o desafio para os próximos quatro anos será ainda maior. A Lei do Clima (16.802/2018) determina que metade da frota conte com energia limpa até 2028. Ou seja, a capital paulista terá que multiplicar por 14 o número de veículos menos poluentes.
O que dizem prefeitura e Enel
A prefeitura diz que a cidade tem a maior frota de ônibus elétricos do país, com 489 veículos, sendo 288 a bateria. “A atual gestão tem trabalhado para incorporar novos veículos elétricos à frota e, desde 2022, permite somente a compra de veículos sustentáveis para o transporte público, ficando proibida a aquisição de modelos a diesel”, afirma.
A SPTrans diz que a entrega de novos veículos segue a capacidade de produção dos fabricantes e a disponibilidade de energia nas garagens, com o objetivo de cumprir a lei que prevê o fim dos ônibus a diesel até 2038.
A Prefeitura de São Paulo diz que o modelo de subvenção à compra de ônibus elétricos garante economia. “Sem a subvenção, o valor de investimento da prefeitura na aquisição de 2.600 ônibus seria de R$ 33,6 bilhões, ao longo de todo o contrato de concessão. Com esse modelo, o aporte passa a ser de R$ 28,9 bilhões, uma vez que as concessionárias não têm condição de captar, diretamente no mercado financeiro, linhas de financiamento com os juros baixos que são acessíveis à prefeitura”, afirma.
Segundo a administração municipal, o modelo gera economia de R$ 4,7 bilhões. “Todos os valores referem-se ao investimento em toda a execução do contrato e, portanto, não se referem somente à subvenção”, diz.
A gestão Nunes também afirma que o modelo é viável economicamente e que os pagamentos aos fornecedores são feitos apenas após a apresentação da nota fiscal e entrega do veículo.
A SPTrans diz que toda a frota de 288 ônibus movidos a bateria da cidade está disponível para operação. Na última semana de novembro, cerca de 78,5% dos ônibus elétricos movidos a bateria cadastrados estiveram operando simultaneamente.
“Esse número não representa que os outros 21,5% estão indisponíveis, mas deve considerar a dinâmica operacional de cada garagem, como a necessidade de manutenção preventiva, limpeza, programação das linhas noturnas, logística para carregamento das baterias e outras características específicas para cada concessionária”, afirma, em nota.
A Enel diz que, em relação à energização das garagens das operadoras, tem mantido reuniões periódicas com os operadores de ônibus e a SPTrans para que sejam priorizadas as obras de acordo com a necessidade e o andamento do projeto de cada operador de ônibus.
Já a Enel X afirma que fechou contrato para prover infraestrutura elétrica a três operadores/concessionários, que colocaram 50 ônibus elétricos em circulação. “Em paralelo, a Enel X vem discutindo com outros operadores as diversas soluções de carregamento interno nas garagens ou em hubs de abastecimento.”
A empresa também afirma que a instalação da infraestrutura necessária para recarga de ônibus elétricos depende da complexidade de cada projeto. “Diversos fatores influenciam essa infraestrutura, como a quantidade de veículos, a disposição das garagens, a capacidade da rede elétrica existente e a decisão dos diferentes operadores”, diz
William Cardoso – Metrópoles