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Soja

Soja vive fenômeno de produção


Fábio Rodrigues - 31 jul 2023 - 09:12 - Última atualização em: 01 ago 2023 - 10:47

Com quase todas as plantações já colhidas, o Brasil se prepara para bater um novo recorde na safra de soja 2022/23, com 155,73 milhões de toneladas. O resultado mantém o país na liderança da produção mundial e é 24% superior ao de 2021/22, quando foram obtidas 125,54 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O recorde histórico se deve ao aumento da produtividade e da área plantada. Na média nacional, a cada hectare foram produzidos 3.537 kg da oleaginosa, alta de 16,9% face à safra anterior. A área plantada teve expansão de 6,1%, alcançando 44,03 milhões de hectares. A performance excepcional recupera os resultados da safra passada, prejudicada pela falta de chuvas na região Sul. No período 2020/21, o país havia colhido 139,38 milhões de toneladas.

Vários Estados tiveram produtividade recorde. No Paraná, houve uma supersafra: 22,45 milhões de toneladas em 5,78 milhões de hectares, volume que supera em 80% o obtido na safra 2021/22, com 12,45 milhões de toneladas. “Entre janeiro e maio, foram 3,5 milhões de toneladas exportadas pelo Paraná, alta de 3% frente a 2022, que somou 3,4 milhões de toneladas”, diz Edmar Gervásio, analista do departamento de economia rural (Deral), da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab) do Paraná. O ritmo reduzido neste ano é decorrente, segundo o especialista, do fato de a oleaginosa ter sido plantada e colhida mais tarde e os volumes mais significativos devem acontecer a partir de agosto.

No cenário nacional, Mato Grosso, com 12,08 milhões de hectares de área cultivada, colheu os benefícios das boas condições climáticas e dos investimentos dos produtores. O resultado foi uma produtividade recorde, com 3.773 kg por hectare, acima da média nacional.

Para a próxima safra 2023/24, a expectativa de empresários e analistas dos setores privado e público é de crescimento contínuo. As divulgações de previsões mais abalizadas estão programadas para os próximos meses, mas os dados da Louis Dreyfus Company (LDC), uma das maiores tradings do mercado mundial, com 11 mil colaboradores no país, estimam produção em torno de 163 milhões de toneladas, superando o recorde deste ano.

“No Brasil, há uma consolidação como maior produtor e exportador. Uma origem que tem reduzido sua sazonalidade e poderá fornecer soja por um período mais longo do ciclo de exportações, maximizando, inclusive, a utilização dos ativos logísticos e portuários necessários para suportar o escoamento de uma maior produção. A qualidade do produto brasileiro também vem se destacando na preferência dos principais importadores, juntamente com essa maior regularidade e agilidade no fornecimento”, diz Henrique Snitcovski, diretor-executivo das plataformas de algodão, grãos e oleaginosas Região North Latam/LDC.

As projeções estão em linha com a estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “O Brasil continuará sendo protagonista mundial para a soja. De maneira geral, teremos um balanço mundial de oferta e demanda mais folgado para esse item, com a produção acima do consumo no ciclo 2023/24”, afirma Tiago Pereira, assessor técnico da CNA.

Também são positivas as perspectivas da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). “O processamento da soja em grão deve aumentar de 51 milhões de toneladas em 2022 para 53,2 milhões em 2023”, diz Daniel Furlan Amaral, diretor de economia e assuntos regulatórios da Abiove. Segundo a entidade, a produção de farelo de soja, que em 2022 foi de 39,2 milhões de toneladas, para este ano tem projeção de 40,7 milhões de toneladas. Já a produção de óleo de soja, que foi de 10 milhões de toneladas em 2022, deve chegar a 10,7 milhões de toneladas neste ano.

Segundo Amaral, a demanda por soja para processamento doméstico e exportações tem sido atendida satisfatoriamente. “No primeiro caso, vê-se pelo aumento contínuo da atividade industrial e a produção crescente de farelo e óleo. Estes produtos, por sua vez, também são consumidos e exportados de forma progressiva. Tanto o mercado interno quanto o internacional são abastecidos adequadamente pelo Brasil.” A soja em grão para exportação, diz ele, também tem incremento e, neste caso, o mercado chinês é o maior consumidor. Assim, o Brasil tem expandido a produção de forma suficiente para atender suas necessidades próprias e de terceiros. Isso é feito, em especial, com aumentos de produtividade e impulsionado pelas melhorias na infraestrutura logística dos últimos anos, afirma.

Em termos de preços, a primeira metade do ano foi marcada pela queda das commodities como um todo, recuando dos patamares recordes do pós-pandemia e do início da guerra entre Rússia e Ucrânia, seguindo também o processo de desinflação ao redor do mundo. “O declínio nas cotações indica a perspectiva de demanda global mais fraca. Para os próximos meses, a conjuntura continua desafiadora nos mercados de commodities”, afirma Pereira. Ele lembra que as condições climáticas – transição do La Niña para o El Niño – têm impactos diferentes nas regiões produtoras de commodities e definirão as safras no Hemisfério Norte e a preparação da safra de verão no Hemisfério Sul.

O bushel da soja em Chicago caiu em maio para o menor valor médio mensal desde novembro de 2022, diz ele. A desvalorização veio pela expectativa de safra recorde e devido ao ritmo de plantio nos Estados Unidos para o ciclo 2023/24. Mas o clima lá abriu espaço para uma recuperação em junho, que foi impulsionada pela perspectiva de redução da área plantada no país, ressalta.

De acordo com Pereira, no curto prazo, espera-se volatilidade nos preços devido à incerteza em relação a algumas variáveis macroeconômicas. “No mercado doméstico, os preços da soja estão pressionados. O Paraná registrou queda de 2% entre maio e junho e de 28,3% em um ano, com média de R$ 128,43 a saca de 60 kg no último mês, valor mensal mais baixo desde março de 2020, em termos reais.” A comercialização por parte do produtor (farmer selling) está em 64%, bem abaixo da média histórica, que oscila entre 75% e 80% para essa época do ano. “Ainda faltam 58 milhões de toneladas para entrar no mercado. Para o ciclo 2023/24, apenas 11% da safra foi comercializada”, destaca.

No horizonte do mercado de soja nacional, o novo problema é a legislação antidesmatamento aprovada pela União Europeia (UE), que será implementada em 18 meses. Segundo a lei, as empresas terão que confirmar que a soja (entre outros produtos) não tem relação com áreas de desmatamento ou degradação florestal ocorridos após 31 de dezembro de 2020. “Será necessária uma grande demanda de tempo, de recursos humanos e financeiros para adequação aos procedimentos exigidos pela nova lei da UE, a exemplo da segregação da soja sem desmatamento, rastreabilidade da fazenda ao porto e processos de auditoria. E isso, em algum momento, poderá trazer riscos a um mercado de US$ 11 bilhões em soja, farelo, óleo e milho”, afirma Amaral.

Para a trading, a novidade já está incorporada à estratégia. “A posição que a LDC ocupa nos permite influenciar nossas cadeias de valor em direção a mudanças positivas e sustentáveis, apresentando tanto oportunidades quanto desafios. A LDC se comprometeu a eliminar o desmatamento e a conversão de vegetação nativa de áreas de alto valor de conservação, para fins agrícolas, de suas cadeias de fornecimento até o fim de 2025”, diz Snitcovski.

No curto prazo, a logística interna continuará a ser o maior entrave. Se a área portuária recebeu investimentos do setor privado em novos terminais, aumentando a capacidade de expedição nos portos, o nó continua nas estradas e ferrovias. Segundo Snitcovski, é preciso ter investimento contínuo para a movimentação de mercadorias. “Estradas em melhores condições proporcionam maior eficiência ao frete. Com esses investimentos, outras iniciativas surgirão naturalmente no mercado, como o uso da tecnologia para otimização de cargas, trazendo mais eficiência e redução do custo de logística no país a longo prazo.”

Exemplo do desafio se estende pelos cerca de 200 km das BR 376 e BR 277, que ligam Ponta Grossa ao porto de Paranaguá. Não há previsão para que a rota, principal escoadouro das exportações do Paraná, volte a ter manutenção adequada, porque não foram finalizados os novos contratos de licitação dos pedágios. Assim, motoristas vão continuar enfrentando estradas malconservadas, com buracos e mato, que provocam lentidão, longas filas, maiores custos e inúmeros acidentes. “Isso sem falar no trecho da Serra do Mar, cujo deslizamento de terra, ocorrido em 2022, ainda não foi totalmente recuperado”, diz Gervásio.

Leda Rosa – Valor Econômico