Poucas lavouras têm soja na ‘malha fina’ da Moratória
A área de cultivo de soja que cai na “malha fina” da Moratória da Soja está concentrada na mão de poucas lavouras do grão na Amazônia. De acordo com dados do relatório sobre a safra 2022/23, divulgado no ano passado, nas áreas do bioma em Mato Grosso, apenas 11 dos 645 polígonos não conformes do Estado tinham 29.544 hectares de soja cultivados fora do padrão do acordo, representando 12% de toda a área não conforme de todo o bioma.
Pela Moratória da Soja, as empresas signatárias se comprometem junto a organizações da sociedade civil a não comprar o grão de fazendas com áreas que foram desmatadas após 22 de julho de 2008, tanto de áreas desmatadas ilegalmente como de áreas desmatadas de acordo com a legislação.
Quando uma fazenda tem parte de sua área não conforme, toda sua produção deixa de ser comprada pelas empresas signatárias, o que tem sido um ponto de crítica dos produtores ao acordo. Porém, outras propriedades do mesmo produtor podem continuar fornecendo para as empresas.
A área que essas propriedades de Mato Grosso tinham na safra 2022/23 com soja plantada em área desmatada após 2008, de 190.992 hectares, representa 0,35% de toda a área ocupada por estabelecimentos agropecuários no Estado, de acordo com dados do Centro Agropecuário de 2017.
A Aprosoja-MT afirma que o acordo estaria afetando cerca de 4 mil propriedades rurais no Estado. Esse número representa 3,5% de todas as fazendas no Estado, de acordo com dados do Centro.
Na safra 2022/23, o Estado detinha 76,4% da área de soja fora de conformidade. Não à toa, o Estado é o que mais se opõe à Moratória, e seus deputados aprovaram uma lei que retira benefícios das empresas signatárias de acordos ambientais mais restritivos que a legislação. A constitucionalidade da lei estadual agora está sendo julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) (ver ao lado).
No Estado, há registro de não conformidade em 103 dos 124 municípios submetidos à regra da Moratória, por estarem dentro do bioma amazônico. Porém, dos 191 mil hectares plantados em Mato Grosso com soja em áreas desmatadas após 2008, praticamente metade dessa área está concentrada apenas em cinco municípios: Feliz Natal, União do Sul, Nova Maringá, Cláudia e Santa Carmen.
Além da concentração geográfica, observadores do acordo ressaltam que muitas áreas bloqueadas podem ter tido desmatamento ilegal, mas as organizações envolvidas na Moratória nunca analisaram a legalidade dos desmatamentos avaliados.
Um levantamento recente do Instituto Centro de Vida (ICV) mostra que 90,8% de todo o desmatamento realizado na Amazônia entre agosto de 2023 e julho de 2024 foi feito sem licenciamento ambiental — mesmo que uma fazenda possa realizar um corte de vegetação previsto pelo Código Florestal, é preciso de licença para que a ação seja considerada legal.
O relatório da Moratória da Soja sobre as áreas não conformes da última safra (2023/24) ainda não foi concluído e só deve ser divulgado em julho.
O acordo prevê que o produtor que cai na “malha fina” em uma safra pode voltar a fornecer soja para as empresas signatárias desde que se comprometa a não plantar mais soja na área desmatada após 2008 e a não avançar no desmatamento de sua propriedade, explica Cristiane Mazzetti, do Greenpeace, que coordena o Grupo de Trabalho da Moratória. “Tem muito produtor rural que se esforça para se adequar à Moratória da Soja”, diz. Para ela, as ações que tentam derrubar o acordo são “orquestradas por uma minoria com poder político”.
O Valor apurou que, desde o início do acordo, 60 propriedades na Amazônia firmaram termos de adequação à Moratória e conseguiram voltar a fornecer soja às empresas signatárias do acordo, enquanto outras cinco propriedades iniciaram negociações, mas não chegaram a assinar o termo.
Já a inclusão de produtores na “malha fina” da Moratória teve um salto da safra 2017/18 em diante. Daquela temporada até o ciclo 2022/23, a área de cultivo de soja não conforme em Mato Grosso mais do que dobrou, com um acréscimo de 106 mil hectares de cultivo de soja fora da data de corte. Nos outros Estados abrangidos pela Moratória, a não conformidade também cresceu na mesma proporção, mas a área de cultivo fora da data de corte é bem menor.
Como o plantio em não conformidade com o acordo faz com que toda a propriedade seja incluída em uma “lista suja”, naquela safra 10% da produção de soja da Amazônia ficou bloqueada para os signatários, segundo o relatório de auditoria da safra 2022/23.
Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) disse que “mesmo com o aumento expressivo da área ocupada com soja no bioma (de 1,41 milhão para 7,43 milhões de hectares desde a safra 2006/07), apenas 250 mil hectares foram identificados com desmatamento após 2008, um índice residual frente ao universo total”. Segundo a associação, a Moratória “contribui para que a soja não seja vetor de desmatamento no bioma Amazônia, sem comprometer o crescimento da produção agrícola”.
Em 2023, novas empresas aderiram à Moratória, como tradings de menor porte e distribuidoras de insumos nacionais e regionais que trabalham com operações de barter e que, por isso, acabam recebendo grãos dos produtores com os quais têm relação comercial. Esse movimento, segundo fontes, ajudou a restringir as opções de venda dos produtores que vinham caindo na “malha fina” da Moratória.
Camila Souza Ramos – Globo Rural