Com soja mais competitiva que os EUA, Brasil chega a 2019 sem estoque
Embora a soja brasileira siga mais competitiva do que a norte-americana quando o assunto é preço com a guerra comercial entre chineses e americanos em curso, a China deverá voltar a ver sua necessidade de importar a oleaginosa dos EUA nos próximos meses, se não nas próximas semanas. A oferta brasileira está cada vez mais escassa e deveremos iniciar 2019 praticamente sem estoques, como explica o consultor em agronegócios, Ênio Fernandes, da Terra Agronegócios.
"Os prêmios nos EUA estão 50 cents acima de Chicago, enquanto no Brasil passam de 200. Só que não temos mais soja no Brasil, o que tem está indo embora, o farelo está indo embora. Embora não seja a favor da guerra comercial, o momento tem favorecido muito o Brasil e o mercado, no curtíssimo prazo, é bastante interessante", explica Fernandes.
O Brasil nunca chegou a agosto exportando volumes tão elevados de soja e derivados como tem acontecido neste ano. E com isso, o aperto no volume ainda a ser ofertado se estreita cada vez mais.
A análise do consultor da Terra é semelhante à consultoria internacional Oil World. "A China precisa retomar suas compras nos EUA. A escassez do produto na América do Sul fará com que seja necessário a nação asiática tenha de importar cerca de 15 milhões de toneladas de soja americana no período de outubro de 2018 a março de 2019, mesmo com o problema da guerra comercial em andamento", diz o boletim da empresa. O reporte acrescenta ainda que esse movimento já poderia ser iniciado nas próximas semanas.
Mesmo bem abastecida neste momento, a China, ainda segundo a Oil World, deverá enfrentar momentos de estoques bem ajustados nos próximos meses caso não volte parte de sua demanda ao mercado dos Estados Unidos. E diante de preocupações como esta, os preços da soja e do farelo subiram de forma bastante expressiva nesta quarta-feira no mercado chinês, registrando sua maior alta diária em quase 10 anos.
Além disso, as importações chinesas de soja, em julho, apresentaram um recuo em relação ao mês anterior e também trouxeram preocupações sobre o abastecimento, dando mais estímulo às altas no mercado doméstico.
No mês passado, as compras chinesas somaram 8 milhões de toneladas, 8% a menos do que as 8,7 milhões de toneladas de junho. A queda vem com os processadores comprando menos soja após terem garantido, nos meses anteriores, bons estoques para se prepararem para as ondas de tarifações sobre o produto norte-americano.
Em relação ao mesmo período do ano passado, as importações estão 20,6% menores, quando a China comprou o recorde mensal de 10 milhões de toneladas de soja.
"Os compradores chineses adquiriram muita soja brasileira para evitar e mitigar os impactos da guerra comercial China x EUA. Então, a pressão dos estoques domésticos é grande, o que fez com que as importações de julho fossem um pouco menores", disse o analista sênior da First Futures, Tian Hao, à Reuters Internacional.
Nos primeiros sete meses de 2018, as compras chinesas de soja já somam 52,9 milhões de toneladas, 3,7% menores do que no acumulado da temporada anterior.
Para setembro e agosto, as expectativas mostram que as importações da nação asiática poderiam se manter na casa das 8 milhões de toneladas, o que deverá manter os estoques em níveis elevados.
Os estoques chineses de farelo de soja chegaram a um recorde, em julho, de 1,27 milhão de toneladas.
Essa preocupação com o abastecimento gera um aumento dos preços ao mesmo tempo em que causa também margens elevadas de esmagamento para as processadoras. O efeito disso chega à produção de proteína, que também poderia ser reduzida, trazendo preços mais altos no mercado interno, ainda de acordo com a análise da Oil World.
Uma alternativa a isso poderia ser a a maior importação de farelo de soja pela China, o que tradicionalmente não acontece no país. "Podemos ver um direcionamento maior de farelo argentino para a China. Se a China começar a comprar mais farelo da Argentina, pode haver um déficit de grãos no mercado argentino, que consequentemente irá se abastecer nos EUA", dizem os analistas da consultoria.
Mais do que isso, ainda segundo explica Ênio Fernandes, deverá ser registrado um aumento das triangulações. "As multinacionais compram soja dos EUA, mandam para outro país e a China compra nessas localidades", diz. Assim, o que poderá ser observado é essa maior ocorrência de vendas trianguladas ou a China comprando o mínimo direto dos EUA para manter seus estoques elevados.
Em entrevista à Bloomberg, o analista de mercado chefe da Northstar Commodity diz que "deveremos ver mais negócios acontecendo entre China e EUA. Pode ser que nunca cheguem aos niveis que gostaríamos, mas é melhor do que volume nenhum".
As contas são simples. A estimativa do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) é de que a China importe 95 milhões de toneladas na temporada 2018/19. E mesmo que ela absorva as 75 milhões projetadas para serem exportadas pelo Brasil, ainda há um gap de 20 milhões para ser suprido.
"Será praticamente impossível cobrir esse volume sem os chineses importarem dos EUA. A Argentina tem exportações projetadas em apenas 8 milhões, de acordo com o USDA", dizem os especialistas ouvidos pela Bloomberg.
Sinais de que essa melhora no ritmo dos negócios já começa a acontecer vêm dos números das vendas norte-americanas do ano comercial 2018/19. De acordo com dados do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos), as vendas dos EUA acumuladas no novo ano comercial já chegam a mais de 10 milhões de toneladas, contra pouco mais de 6 milhões do mesmo período do ano passado.
"Ou seja, apesar da guerra comercial entre China e EUA, o volume de antecipações de soja que já está negociada é bem maior do que em igual período. Não há sinais de arrefecimento nas vendas externas dos EUA. Esse é um número bem pujante, que fica até acima da média histórica para o período", explica o analista de mercado da Informa Economics FNP, Aedson Pereira, em entrevista ao Notícias Agrícolas.
O especialista explica ainda que dessas 10 milhões de toneladas já comprometidas pelos EUA, apenas 1,3 milhão foi destinado à China. Há, porém, mais da metade do volume total – cerca de 5,5 milhões de toneladas – tem destino não revelado. "Isso mostra que há um movimento de reestruturação na dinâmica do fluxo de exportação, por isso que o mercado está muito atento aos números de vendas antecipadas nos EUA", completa Pereira.