Zona da Mata pode produzir 230 milhões de litros de bioquerosene em 2031
Espécie de palmeira nativa na região, a macaúba vem ganhando status de protagonista em Juiz de Fora (MG), encabeçando um projeto de médio e longo prazos para utilizar o fruto para produzir combustível verde para a aviação civil, servir de vetor econômico e contribuir para a recuperação, principalmente, de pastagens degradadas e também de reserva legal e áreas de proteção permanente (APP). Lançado oficialmente no ano passado, o projeto da Plataforma de Bioquerosene e Renováveis da Zona da Mata está na fase de engajamento e começa a ganhar contornos mais concretos este ano, com a perspectiva de implantação das primeiras Unidades Técnicas de Demonstração (UTDs) do plantio, uma espécie de modelo do que se pretende fazer em escala, além da primeira biorrefinaria, também em Juiz de Fora, ainda no segundo semestre.
Também está programado, para este ano, o lançamento do edital para adesão de produtores interessados em plantar macaúba, consorciada com outros gêneros alimentícios. Se tudo der certo e o projeto vingar, a expectativa é que, em 2031, a Zona da Mata esteja produzindo cerca de 230 milhões de litros de bioquerosene de aviação, a partir do plantio inicial de 66 mil hectares do fruto.
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária, Rômulo Veiga, não esconde o entusiasmo com o projeto, que, no curto prazo, começa a contar com duas UTDs em Juiz de Fora, uma na Represa João Penido e outra, provavelmente, na área da Remonta, em uma possível parceria com o Exército. A ideia, comenta, é comprovar o mercado e o plantio, com o cultivo inicial de três hectares no total.
A meta é consorciar o plantio da macaúba com cultivos sazonais, como o feijão e a banana, seguindo a diretriz de aproveitamento do terreno também para produção alimentar. Nas unidades técnicas, além de se criar uma metodologia de plantio, a intenção é formar multiplicadores capazes de prestar assistência técnica aos produtores interessados. As UTDs começam na cidade, mas o objetivo é que mais de 40 municípios contem com os núcleos. O projeto contempla a bacia hidrográfica que atende Juiz de Fora, área de competência da prefeitura do município mineiro para reflorestar as áreas das quais o município se beneficia. “Os projetos de agricultura precisam ser muito controlados. Se saem um pouco do padrão, não conseguem gerar a produção necessária”, diz Rômulo.
Também está previsto para o segundo semestre o lançamento de edital de chamamento público para interessados na empreitada. A prefeitura pretende subsidiar o plantio da macaúba. Há, ainda, a meta de captar apoiadores para auxiliar no custeio do alimento consorciado, seja no plantio ou na compra futura. “Inicialmente, nossa verba é só para o reflorestamento, que será feito pelo plantio da macaubeira”. Serão investidos na iniciativa R$ 3 milhões, mais R$ 1,5 milhão por ano, em recursos vinculados ao pagamento de serviços ambientais pela Cesama.
Produtores cadastrados
Nessa primeira etapa, comenta o secretário, serão priorizadas áreas de recarga hídrica e pastagens degradadas. Pelas contas do secretário, há 600 produtores cadastrados em 40 municípios, que estariam interessados na iniciativa. Não é possível afirmar, porém, que a adesão oficial será nesse percentual. Um problema real, avalia, é que a produção regional não garante o mínimo de segurança alimentar para o Município, representando, hoje, menos de 1% da cesta de consumo de hortifrutigranjeiro. Outra meta é cruzar o mapa de consumo das escolas públicas, de forma a produzir alimento consorciado para melhorar o abastecimento de produtos da agricultura familiar nas salas de aula. O percentual de participação da agricultura familiar na merenda é considerado muito baixo. O ideal seria de 30%. “O máximo que chegamos foi 4,5%”, afirma o secretário.
Durante o mapeamento de áreas possíveis, foram identificados 130 mil hectares só na Zona da Mata. No estado, levantamento apontou a existência de seis milhões de hectares de áreas degradadas. Tendo por base os 66 mil hectares que devem ser trabalhados, inicialmente, na Zona da Mata, a expectativa é que, em dez anos, seja possível produzir 230 milhões de litros de combustível. Com alvo de US$ 60 centavos de dólar – R$ 2,29 pela cotação de desta segunda-feira –, Rômulo estima que, na próxima década, é possível movimentar uma economia na ordem de R$ 500 milhões. “Estamos criando um processo de economia circular, com o máximo de eficiência possível de uso de território”.
Cinco anos
A primeira safra da macaúba, capaz de produzir óleo para biorrefino ou matéria-prima para as indústrias de alimentação e cosméticos, é de cinco anos.
Em dois anos, no entanto, é possível contar com os créditos de carbono, quando a planta começa a sequestrar os carbonos do ambiente. Por isso, a importância do consorciamento. No caso do feijão, por exemplo, a espera para colheita cai para 90 dias. “Para muitos produtores, a espera é impossível. Eles não têm reserva financeira que permita fazer um investimento e depois obter o retorno”, explica Rômulo apontando que algumas fazendas da região já iniciaram o plantio.
O secretário reconhece, no entanto, que, no passado recente, houve incentivo ao plantio de culturas, como eucalipto e mamona, que não foi bem-sucedido. Dentre os problemas identificados por ele estão falta de estruturação, apenas um comprador em potencial e o fato do plantio não ter sido consorciado com outros alimentos. “Houve mobilização da terra para um objetivo específico e um único comprador”, critica. Uma das vantagens do projeto da macaúba, avalia, são os mercados em potencial. Além do combustível sustentável destinado à aviação civil, a macaúba produz óleo semelhante ao da palma, amplamente usado em cosméticos. “No Brasil, já há um mercado de venda de óleo de macaúba. O problema é [a produção] puramente extrativista”, pontua.
O secretário cita processos de melhoramento genético por seleção, que garantem escala, permitindo garantir fornecimento à cadeia produtiva. “As grandes indústrias alimentícias e de cosméticos não compram hoje porque não há escala”, completa.
Segundo Rômulo, o produtor será livre para vender a produção para quem achar melhor. A contrapartida ao município, pelo incentivo recebido no plantio, diz, é que a macaúba refloresta as áreas degradadas, promovendo a melhora dos indicadores ambientais, além da produção de alimentos. “O que a gente quer, essencialmente, é a recarga hídrica para recuperar o volume dos mananciais e reflorestar com uma planta nativa”, detalha.
Criar a cadeia
Dentre os três tipos de plantio previstos, está a obtenção do óleo que pode ser usado para refino do bioquerosene de aviação. O setor de aviação responde, hoje, por 2% de todas as emissões de carbono anuais. De olho nessa realidade, a Associação Internacional de Aviação Civil (ICAO) lançou o Corsia, plano de descarbonização realizado em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) que congela as emissões de carbono em 2020 e pactua a redução das emissões de carbono pelas empresas aéreas a partir de 2027. É nesse contexto que aparecem as pesquisas de combustíveis alternativos e renováveis. “O projeto da plataforma consegue transformar a matéria orgânica em bioquerosene de aviação e diesel verde”, informa.
Em maio, a iniciativa foi apresentada em seminário realizado pela ICAO no Canadá. O projeto foi elogiado por estar sendo organizado de forma a atender os mais rígidos padrões internacionais, sendo habilitado a pleitear recursos internacionais. Conforme o secretário, a plataforma está alinhada aos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU.
O projeto considera a implantação, ainda este ano, de uma biorrefinaria piloto em Juiz de Fora (a primeira do país), orçada em US$ 500 mil (só o módulo de produção) e financiada por recursos disponibilizados pelo Governo britânico, através do Prosperity Fund, dedicado à produção de bioquerosene e outros combustíveis renováveis. A usina, explica Rômulo, integra a prova de conceito tecnológico e é o primeiro módulo de oito que estão previstos no projeto. A ideia, comenta o secretário, é que microrrefinarias estejam próximas a grandes aeroportos, atendendo a uma determinada região. A área de refino de Juiz de Fora, por exemplo, poderia ser direcionada ao abastecimento do Galeão, exemplifica.
Rômulo explica que, com tecnologia, cultivo da matéria-prima e produção de combustíveis em pequena escala é possível fechar a cadeia e buscar certificações. A partir daí, é possível expandir a plantação e atrair investidores, eliminando riscos que existiram em outros projetos. Segundo a prefeitura, a produção de combustível verde já teria despertado o interesse de uma companhia aérea nacional. “A gente está enxergando riqueza em sustentabilidade, permitindo a recuperação da nossa região rural extremamente degradada, gerando riqueza e estando na vanguarda da produção de energia. Esse é um projeto que vai nos ensinar a ambicionar”, finaliza Rômulo.
Fabíola Costa – Tribuna de Minas