Dendê / Palma

As dificuldades da palma no Brasil


Agroanalysis - 19 ago 2014 - 10:12
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A receita mundial calculando-se somente o valor da commodity óleo de palma bruto, em 2014, ultrapassará os US$ 60 bilhões. Esse valor facilmente extrapola os US$ 150 bilhões quando se soma o agregado de valor da transformação como ingredientes no processamento de alimentos, biocombustíveis, bioenergia e oleoquímica, bem como o consumo direto como óleo de mesa. Além de ser o óleo vegetal que mais cresce em consumo nos Estados Unidos, é encontrado em pelo menos cinco a cada dez itens vendidos em qualquer supermercado europeu.

Desde 2005, entre os óleos, o de palma é o mais produzido e consumido no mundo, arrastado pelo consumo da China e da Índia e por sua incrível versatilidade, produtividade e qualidades técnicas. Diariamente, é consumido por cerca de 2,5 bilhões de pessoas, sendo que mais de 5 milhões de famílias tiram seu sustento exclusivamente desta cultura, em quarenta e quatro países que a produzem, nas Américas Central e do Sul, África, Ásia e Oceania. Trata-se de uma cultura agrícola de países pobres e emergentes. O seu potencial é enorme no Brasil.

As grandes ONGs internacionais, como WWF, RAN e Greenpeace, acusam que o crescimento da palma deu-se à custa de forte desmatamento e degradação da biodiversidade. Isso ocorre, principalmente, na Indonésia e Malásia, que, juntas, respondem por 85% da produção mundial. Consta também que parte desses plantios, além de substituir florestas primárias sem maiores avaliações socioambientais, em alguns países, também foi feita em terrenos de turfa, que, quando drenados, transformam-se em enormes emissores de gás do efeito estufa, devido à degradação da profunda camada orgânica desse rico solo.

Foi baseando-se nessas premissas, as boas e as ruins, que, em seu último ano de governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma no Brasil. Disse ele, na inauguração do programa, na cidade de Tomé-Açu, no estado do Pará: “Precisamos gerar emprego e renda neste Estado (...) Vamos produzir dendê para colocar no feijão e na moqueca; e também para despoluir o mundo, com óleo limpo para colocar no tanque dos carros que produzimos”.

Para escrever as normas do programa, todos os cuidados foram tomados para não se repetir aqui os problemas relacionados ao desmatamento e conflitos sociais dos asiáticos. Assim, esse é, sem dúvida, a princípio, pelo menos no papel, o melhor programa para o desenvolvimento da cultura da palma no mundo.

Os produtores locais estão diante de muitas vulnerabilidades. No Porto de Santos, neste momento, há estocadas mais de 50 mil toneladas de óleo de palma e derivados. Isso representa 11% da produção nacional projetada para 2014. As exportações dos produtos acontecem com pagamentos de altos custos dos portos nacionais. O custo logístico de trazer o produto do Pará para o Sudeste é três vezes maior do que importar o mesmo produto da Ásia. Mesmo assim, a produção de óleo de palma no Brasil tem crescido a uma taxa de 9% ao ano.

Com mais de 8.000 quilômetros de costa oceânica, a navegação de cabotagem é fundamental para o transporte do óleo de palma, mas, hoje, é inexistente. Graças ao esforço de algumas empresas, conseguimos agregar prêmios de sustentabilidade e melhorar as margens dos negócios em mercados que querem produtos sustentáveis, como a Europa e os Estados Unidos. No Brasil, não podemos cair na armadilha de exigir além do limite de nossos produtores, enquanto abrimos as portas para o óleo de palma e derivados importados, que trazem consigo o desmatamento, a degradação da biodiversidade, conflitos sociais, trabalho infantil e outros malfeitos.

Precisamos trabalhar muito para melhorar o ritmo e o regramento geral para atrair mais investimentos sustentáveis ao setor, com geração de mais empregos de qualidade, impostos e renda para o País. Isso ocorrerá à medida que os governos, a sociedade civil organizada e o setor privado trabalharem em sinergia, coadjuvantes do desenvolvimento. A busca desse equilíbrio no Pará, por que não dizer no Brasil, constitui um bom tópico para os nossos presidenciáveis.

Balanço 
Ao contrário dos outros quarenta e três países produtores, no Brasil, no zoneamento ecológico-econômico (ZEE) destinado à cultura da palma no Pará, é necessário que se guarde 50% da área total como Reserva Legal; no resto do bioma amazônico, esse número sobre para 80%. Isso mais do que dobra o investimento inicial em terras e, também, encarece o custo de manutenção da área. Por outro lado, temos de cumprir exigências comparáveis às principais nações desenvolvidas, como a norma regulamentadora – a NR 31, que trata da segurança e saúde do trabalho.

Em termos de leis, estamos na vanguarda mundial no agronegócio, com proveitos aos trabalhadores e ao meio ambiente. Mas, do ponto de vista da concorrência, ficamos desequilibrados. No mundo atual, não existem mecanismos de benefícios por serviços ambientais ou sociais que realmente funcionem: são apenas experimentos em fase de teste. Como essas leis são praticamente impossíveis de serem seguidas pela agricultura familiar e por pequenos produtores, abre-se espaço para um farto campo de ilegalidade no setor.

Levantamento realizado em 2013 entre empresas certificadas pela RSPO (sigla em inglês para a Roundtable on Sustainable Palm Oil) buscou comparar o custo total anual de um trabalhador de colheita de palma no Brasil ao de alguns países produtores. As diferenças foram grandes. Somos mais caros em 36% do que a Colômbia, 121% a mais do que a Malásia e 418% a mais do que a Indonésia. À exceção desta última, o salário efetivamente pago ao trabalhador não difere muito. O principal ônus está na diferença dos impostos e contribuições obrigatórios sobre o salário, ou seja, o que chamamos “custo Brasil”.

Na infraestrutura e logística, as condições são péssimas e as obras não acompanham a evolução do tamanho e complexidade dos problemas. Apesar das tentativas para trazer empreendedores internacionais, a parca expansão deu-se pela mão de poucas empresas, que estão revendo para baixo seus planejamentos iniciais diante das dificuldades enfrentadas. O contexto local precisa de marco regulatório que garanta segurança jurídica aos investimentos.

Em suma, todos gostam de ter uma produção sustentável na questão social e ambiental. Nesse aspecto, podemos afirmar que estamos fazendo o correto. Nessa direção, para o Brasil, é uma honra ter, em seu território, empresas consideradas por importantes ONGs internacionais como algumas das mais sustentáveis do mundo. Porém, se, nesse aspecto, estamos no caminho certo, precisamos de mais parceria do lado governamental.

Uma das más medidas recebidas pela indústria, nos últimos anos, foi a redução do imposto de importação para o óleo de palmiste, um derivado da palma, de 10% para 2%. Essa medida beneficia algumas empresas instaladas no Brasil, mas impacta fortemente o setor produtivo local. Apesar de utilizarmos também no Brasil, isentos de impostos de importação, os óleos de palma produzidos pela Colômbia e Equador, quando exportamos para estes mesmos países o óleo de palma, sofremos taxação em 5%.

Também perdemos, neste ano de 2014, o benefício fiscal que tínhamos com a Europa. Dessa forma, desde o último 1º de janeiro, o óleo de palma bruto brasileiro é taxado naquele continente em 3,8%, e os produtos refinados, de 9% a 10%. O impacto é forte na nossa competividade com os concorrentes africanos e latino-americanos. Contamos com o Governo para reverter esse quadro; queremos apenas uma concorrência isonômica ou, no mínimo, mais justa. Da forma que está, corremos o risco de sacrificar a indústria local e o retorno dos mais de US$ 1,5 bilhão já investidos, com os empregos e impostos indo para a Malásia, Indonésia, Colômbia e Equador.

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Marcello Brito - Agroanalysis
O autor é engenheiro de alimentos, diretor Comercial & de Sustentabilidade da Agropalma e da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e presidente da Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma (ABRAPALMA)