Agricultores dos EUA querem incentivo a biocombustíveis em meio a tarifaço
Desapontados com as imposições tarifárias do governo de Donald Trump, agricultores americanos estão pressionando a Casa Branca por uma resolução que agregue valor à produção de biocombustíveis para compensar eventuais perdas causadas pelo 'tarifaço'. Incentivos ao segmento de combustíveis de origem agrícola ajudaria evitar o acúmulo de estoques de soja e milho nas fazendas.
Segundo a Argus, consultoria de energia e commodities com origem no Reino Unido, há expectativa de que o governo dos EUA defina na próxima semana as novas metas de mistura de biocombustíveis de origem agrícola aos combustíveis fósseis.
Dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) mostram que um aumento no percentual da mistura pode abrir espaço para o escoamento da safra 2025/26 em um momento em que as vendas de grãos para a China estão interrompidas.
A chamada “mistura 45” refere-se à nova estrutura de incentivos fiscais estabelecida pelo Inflation Reduction Act (IRA, em inglês), que instituiu em janeiro deste ano um crédito variável para produtores e misturadores de biodiesel e diesel renovável nos EUA. Esse modelo substitui o antigo crédito fixo de USD 1,00 por galão, aplicando agora um valor que varia conforme a intensidade de carbono do biocombustível utilizado.
A base desse cálculo é o sistema GREET (Greenhouse gases, Regulated Emissions, and Energy use in Transportation), da Universidade de Argonne, que avalia o impacto ambiental de cada matéria-prima utilizada na produção dos biocombustíveis. Com isso, biocombustíveis mais limpos e eficientes recebem incentivos maiores, enquanto produtos com maior pegada de carbono obtêm créditos menores.
Segundo o relatório do Itaú BBA, a mudança no modelo de subsídio tem o objetivo de alinhar os incentivos fiscais à descarbonização real da matriz energética dos transportes nos EUA, favorecendo o uso de matérias-primas como óleo de cozinha usado, gordura animal e outras fontes de baixo carbono.
No entanto, essa nova lógica também tem gerado incertezas entre produtores e tradings, especialmente nos casos em que a rastreabilidade ou a pontuação de carbono ainda não estão totalmente consolidadas. E as dúvidas entre agricultores crescem em meio ao quadro incerto do comércio internacional, depois das idas e vindas das tarifas impostas por Trump.
No dia 29 de maio, contudo, a Corte de Comércio Internacional dos Estados Unidos anulou as tarifas emergenciais impostas pelo ex-presidente Donald Trump sobre uma série de produtos estrangeiros, incluindo insumos usados na produção de biocombustíveis. Porém, o governo norte-americano já recorreu e conseguiu o 'desbloqueio' temporário da decisão da corte setorial.
Segundo a Argus, a medida poderia aumentar a atratividade de matérias-primas importadas como óleo de cozinha usado da China e sebo bovino do Brasil, que tiveram sua competitividade reduzida nos últimos meses devido às tarifas adicionais. A limitação de opções para matérias-primas estrangeiras também pressionou os preços de alternativas domésticas, como o óleo de soja dos EUA — cujos contratos futuros caíram 2% nas primeiras horas do pregão de quinta-feira (29/5).
"A produção de diesel de base biológica nos EUA tem sofrido forte retração em 2025, impactada pelas sucessivas mudanças nas políticas de incentivos fiscais ao setor", reforçou o boletim da Argus.
Entraves políticos
Atualmente, a nova diretriz sobre o crédito fiscal para combustíveis limpos impede que refinarias solicitem subsídio para combustíveis rodoviários derivados de óleo de cozinha importado. As regras também determinam que o índice de carbono do biodiesel feito com canola canadense é alto demais para receber incentivos, o que freou as importações dessa matéria-prima.
"Os tributos — alguns com alíquota de até 145% — vinham impactando a cadeia de biodiesel e combustível sustentável de aviação (SAF) nos EUA, elevando os custos e reduzindo as importações", afirmou a Argus. No primeiro trimestre deste ano, as compras americanas de óleo de cozinha chinês recuaram 27% em relação a 2024, segundo a consultoria.
Outras barreiras permanecem e travam o avanço nas misturas, desagradando ainda mais os produtores. Uma delas é a regra atual do crédito fiscal para combustíveis limpos, que impede subsídios a produtos derivados de matérias-primas estrangeiras, como óleo usado importado ou canola canadense.
Um projeto de lei, que está em tramitação no Senado, prevê restringir incentivos apenas a biocombustíveis com insumos norte-americanos. Caso aprovada, só entraria em vigor em 2026, mas é uma proposta que sinaliza que os refinadores americanos devem buscar insumos mais próximos de casa para sustentar a produção de diesel renovável, acrescentou a consultoria.
,Para a Argus, mesmo que o governo recorra e a decisão judicial não se mantenha, o cenário já sinaliza um "movimento político crescente para proteger o mercado agrícola interno dos EUA, em especial os produtores de soja".
Mercado crescente
Até o início de 2025, produtores de diesel renovável e combustível de aviação sustentável (SAF) nas costas leste e oeste dos EUA vinham ampliando sua capacidade e apostando em insumos estrangeiros.
Matérias-primas residuais, como óleo de cozinha usado e sebo bovino, são consideradas de baixo carbono e, por isso, geram maiores subsídios governamentais — mesmo quando importadas.
Em 2024, os EUA importaram um volume recorde de 5,4 bilhões de libras de óleo de cozinha usado, sendo mais da metade proveniente da China. No entanto, as tarifas de Trump reduziram drasticamente os incentivos à importação desses insumos, lembrou a Argus.
Isadora Camargo – Globo Rural