Energias alternativas para celulose
Indústrias investem em pesquisa para chegar a produzir biocombustíveis a partir dos resíduos de madeira
A atividade do setor de celulose e papel deve estar cada vez mais ligada à produção de energia nos próximos anos. Dotadas de uma forte base florestal, as fabricantes têm enorme potencial para chegar a combustíveis alternativos a partir dos resíduos da madeira. As oportunidades vão além da produção de etanol celulósico, tecnologia ainda incipiente e posta em evidência com o manifesto interesse do governo dos Estados Unidos em utilizar o combustível. Na avaliação de pesquisadores, a aposta dos produtores de celulose nesse mercado ainda é algo distante, especialmente em função da desvantagem em relação ao custo de produção do álcool a partir da cana-de-açúcar.
A sueco-finlandesa Stora Enso deu o primeiro passo nesse sentido ao firmar, no último dia 16, parceria para desenvolver uma nova geração de biocombustíveis com a fabricante de petróleo Neste Oil. As duas empresas estão investindo 14 milhões de euros uma planta piloto na unidade da Stora Enso em Varkaus, na Finlândia. Com início de operação previsto para 2008, ela realizará a gaseificação de resíduos de madeira. O gás substituirá o combustível fóssil para transporte. Na sociedade dividida meio a meio entre as sócias, a Stora Enso fornecerá a biomassa, enquanto a Neste Oil será responsável por refinar e divulgar o biocombustível produzido.
A idéia é depois da fase de testes montar uma unidade para a produção do produto em escala industrial. Em comunicado, as duas empresas dizem enxergar o mercado de biocombustíveis europeu como uma promissora e sustentável fonte de negócios futuros. "Essa é uma rota alternativa para a celulose. Como compramos o gás, será uma troca interessante. Com a tecnologia disponível hoje, a produção de gás a partir de celulose é mais rentável que a de etanol", avalia Otávio Pontes, vice-presidente da Stora Enso para a América Latina.
O executivo ressalva, entretanto, que com o grande volume de recursos investidos na pesquisa do etanol e butanol (quatro moléculas de carbono) de celulose por países como os Estados Unidos e Suécia, o mercado não está descartado. "Estamos estudando todas as alternativas. O que vejo em um futuro próximo são rotas para chegar a combustíveis que não necessariamente serão os que hoje são apontados como mais viáveis (a exemplo do etanol)", diz.
Auto-suficiência. Pontes lembra que a maioria das fábricas de celulose já é auto-suficiente em energia, o que não impediria uma maior produção para a venda em rede. Isso pode acontecer nas plantas da empresa no Brasil, como a unidade de celulose Veracel, parceria com a brasileira Aracruz Celulose.
"Antes a produção de biocombustíveis não era uma preocupação, mas hoje se torna uma grande oportunidade. Nos próximos dois a três anos a filosofia será de maximizar a produção de energia das fábricas de celulose, o que se refletirá no desenho das novas plantas", prevê. Além dos ganhos com a venda de energia, as empresas devem se beneficiar com a geração de créditos de carbono pela redução da emissão de gases poluentes.
No Brasil, a maior parte das empresas do setor nega estar de olho nesse mercado. Consultadas pelo Jornal do Commercio, Suzano Papel e Celulose, Bahia Pulp, Votorantim Celulose e Papel e Aracruz Celulose disseram não ter qualquer tipo de pesquisa na área. De acordo com um analista do setor, entretanto, consultados em recente reunião, executivos da Aracruz, maior fabricante mundial de celulose branqueada de eucalipto, teriam afirmado que a fabricação de etanol a partir de celulose está sendo estudada, embora ainda de forma remota.
Para Rogério Cerqueira Leite, coordenador do Projeto Etanol da Unicamp, a possibilidade de o eucalipto competir com a cana ainda está de fato distante, mas não pode ser descartada. "Não vejo isso em menos de dez anos, até que a tecnologia de hidrólise esteja bem desenvolvida", diz. O professor afirma que o Brasil vai bem no que tange ao progresso na produção de álcool tradicional, mas na hidrólise de celulose tem que enfrentar países como os Estados Unidos, que só este ano destinam US$ 400 milhões a pesquisas.
Indústrias investem em biotecnologia
A febre em busca de energias alternativas e limpas pode se converter em uma solução para boa parte das plantas de celulose do Hemisfério Norte. O alto custo de produção em comparação aos países do Hemisfério Sul e asiáticos tem levado ao fechamento de capacidades em países da Europa, América do Norte e Escandinávia. A expectativa é de que a oferta de celulose seja reduzida em 1 milhão de toneladas/ano nos próximos cinco anos em função da desativação de fábricas.
"Muitas fábricas de papel e celulose começam a desenvolver trabalhos na área de biotecnologia para aproveitar a estrutura e área florestal já existente", diz uma fonte de mercado.
O diretor Internacional da Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP), Celso Foelkel, diz que cresce rápido no Hemisfério Norte o conceito de se ter a madeira e os resíduos florestais como fontes geradoras de inúmeros produtos químicos, entre os quais combustíveis como álcool ou biodiesel. Ele explica que ganha força o conceito da biorrefinaria, onde a madeira ou a floresta forneceriam, por processo químico, inúmeros produtos, além de papel e celulose. Essa produção ocorreria de forma integrada em uma mesma unidade e pode realmente ser a saída para fábricas obsoletas.
"É possível processar a madeira e retirar açúcares dela antes de transformá-la em celulose. Isso significa que essas unidades podem fazer outro produto competitivo e que ajude a segurar as margens de uma celulose menos competitiva. Há um grande esforço de pesquisas nesse sentido e isso pode pôr um freio no fechamento de fábricas", aponta. Caso isso se confirme, pode alterar o cenário mundial do setor.
Custos. A grande questão a ser resolvida hoje é dos custos desse tipo de projeto. Segundo o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp), hoje o custo de produção do etanol a partir de celulose (um polímero dos açúcares, com seis carbonos) é de US$ 2,25 por galão, contra US$ 1 por galão no álcool feito da cana-de-açúcar. Estima-se que em dez anos o custo da produção via hidrólise (quebrando as celulose) caia para US$ 1,2 por galão.
"Mas nesse mesmo período o álcool da cana também vai evoluir e ter seu custo de produção reduzido. Apesar disso, mesmo que tenha uma margem menor, o etanol de celulose será competitivo em relação à gasolina", observa. Cruz ressalta que o avanço das pesquisas em torno do etanol de celulose pode favorecer a indústria brasileira, já que apenas um terço dela entra no processo de produção da fibra. O restante pode virar energia no futuro.
Hoje a Fapesp desenvolve ao lado do Centro Tecnológico Canavieiro (CTN) e da Dedini Indústrias de Base o principal projeto-piloto na área. Trata-se de uma usina de demonstração com capacidade para produzir 1,5 milhão de litros de álcool pelo processo de hidrólise ácida (com ácido sulfúrico diluído), processo diverso da hidrólise enzimática (realizada por microorganismos).
A Petrobras será uma das pioneiras na produção de álcool de celulose. A estatal colocará em operação a partir de maio sua planta-piloto de etanol produzido a partir lignocelulose - sistema de quebra de enzimas de celulose do bagaço da cana. A idéia é começar a produção em escala industrial em 2008.
MARIANA DURÃO