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Energia

Energia, uma dúvida mundial


Revista Forbes Brasil - 02 jun 2006 - 06:51 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

Primeiro a Rússia ameaçou a Europa com interrupção do abastecimento de gás. Depois veio o temor de um conflito militar no Irã, o quarto maior produtor de petróleo do mundo. Em poucos meses de um acontecimento a outro, a Bolívia resolveu retomar as reservas de gás natural num ato apoiado pela Venezuela, outro grande fornecedor mundial de petróleo. Os fatos parecem isolados, mas a reação é conjunta:o mundo quer diversificar a matriz energética com o objetivo de reduzir riscos de desabastecimento. Afinal, mais de 60% da produção mundial de petróleo está no conturbado Oriente Médio.

A França está ampliando a energia nuclear, como se já não bastasse o fato de que os reatores sejam responsáveis por 78% da geração elétrica do país. A Alemanha investe em eletricidade solar e eólica e já possui 12% da matriz energética dependente dos ventos e do sol. A União Européia busca saídas para reduzir a dependência de poucos fornecedores. Após o episódio político seguido de corte de abastecimentos pela Rússia, uma alternativa foi importar gás liqüefeito de outros países. A solução coincide com uma das opções que o Brasil cogita para reduzir o risco Bolívia. Até o presidente do país mais consumidor de petróleo do planeta, os EUA, que é avesso a acordos para reduzir a emissão de gases poluentes, sugeriu recentemente procurar fontes alternativas. Os Estados Unidos, que consomem cerca de dez vezes a demanda brasileira, também tendem a instalar novas usinas nucleares.

A demanda chinesa por petróleo cresce 8% ao ano, num ritmo quatro vezes maior que o consumo global. O crescimento acelerado tem levado os chineses a procurar fontes alternativas, bem como novos fornecedores pelo planeta. Negociam com os russos a construção de dutos para transportar petróleo e gás. Também fazem investidas em Angola e em outros países da África. A oferta de petróleo no mundo não acompanha o crescimento chinês. O excedente mundial oscila do zero a um volume máximo de 1, 5 milhão de barris diários - muito pouco se comparado aos 85 milhões de barris consumidos diariamente pelo país.

A opção pela energia nuclear colhe antipatia da humanidade, mas ganha força nos governos de países como Brasil, Estados Unidos, França, Alemanha, China e Índia. Vinte anos depois da tragédia de Chernobil, a maioria dos europeus diz não às usinas nucleares. O Instituto de Pesquisa da Comissão Européia (Eurobarômetro) apurou que apenas 12% da população do continente apóia o uso da energia nuclear. Quase metade (48%) não aceita a implantação de novas usinas.

Por outro lado, as fontes de energia renováveis ganham aval popular, com mais apelo para fonte solar e eólica. Cerca de 41% dos entrevistados preferem a energia do sol, enquanto 31% votaram na eólica. Na hora de colocar a mão no bolso, porém, o cidadão europeu volta atrás: não se sente preparado para arcar com os elevados custos de implantação de novas fontes energéticas. Os custos da eletricidade eólica podem chegar ao dobro do da hidráulica. A energia da biomassa custa quase a metade da energia solar, por sua vez. Mas a energia nuclear a partir de gás não fica muito atrás.

Surpreendido pela truculência da Bolívia - de ocupar as instalações das petroleiras com militares -, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou que é fundamental aumentar a produção de gás e de outras fontes renováveis de energia, como o biodiesel. "Temos possibilidade de aumentar, de acelerar a produção de gás, mas a crise atual da Bolívia mostra a necessidade de o País diversificar suas fontes de energia, de ajustar o crescimento de energia a outras fontes, com destaque ao biodiesel e ao etanol. "Cerca de noventa usinas de cana estão sendo construídas no Brasil.

Na maré do incentivo à energia alternativa, o Brasil começa a incluir o extenso litoral na matriz energética. A primeira usina de ondas da América do Sul está sendo planejada pelo governo do Ceará. A capacidade de geração de 500 KW, suficiente para abastecer 2 mil famílias, é apenas uma gota do oceano: a costa brasileira é capaz de fornecer 15% de toda a eletricidade consumida no País, de acordo com a Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ).

A Coppe elaborou o projeto pioneiro da usina de ondas e o governo do Ceará assumiu a construção, com investimento inicial de R$ 3, 5 milhões. Para cada MW, a energia de ondas consome US$ 1, 2 milhão, menos que a eólica (US$ 1, 4 milhão) e mais que a hidráulica (US$ 1 milhão por MW). A Eletrobrás financiou parte do projeto, com R$ 375 mil.

Localizada no porto de Pecém, a 60 quilômetros de Fortaleza, a usina foi planejada para possuir 20 módulos, dos quais dois serão licitados no próximo mês. A expectativa é ter em operação um décimo da capacidade instalada da usina já em dezembro, com 50 KW. Na medida em que a demanda cresce, investidores interessados podem aumentar a capacidade também, sendo esta flexibilidade uma das vantagens apontadas pela Coppe.

Analistas, políticos, executivos, empresários são unânimes: o Brasil não pode depender de apenas um País para metade de abastecimento de gás natural. O ex-presidente da Eletrobrás, Firmino Sampaio, da GP Investimentos, vai além ao questionar o peso da usina Itaipu Binacional no sistema elétrico. "A Itaipu responde por 20% da energia. E se isso que está acontecendo com a Bolívia acontece com o Paraguai?", indagou Sampaio, ressaltando que nada indica que haverá problemas. "Tenho de parabenizar o Ministério de Minas e Energia por resgatar o Plano Decenal, mas isso não é suficiente; não podemos viver só de planejamento", disse Sampaio.

Na ocasião, o deputado federal do PT, Fernando Ferro, avaliou que o governo foi negligente ao deixar o mercado de gás natural nas mãos dos bolivianos. Em vez disso, o Brasil deveria ter construído uma intensa rede de gasoduto capaz de aproveitar melhor a produção nacional. A reserva de Urucu na Amazônia devolve aos poços quase todos os 9 milhões de m3 produzidos diariamente. O volume é maior que a demanda do estado do Rio de Janeiro.

Sabrina Lorenzi
Ed. 132 – 01/06/2006