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O peso do diesel no déficit da conta petróleo


Única - 16 jan 2009 - 08:13 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:08

A auto-suficiência do Brasil na produção de petróleo, anunciada em abril de 2006 pelo governo federal, não foi suficiente para evitar um déficit de U$13,4 bilhões na conta petróleo do País em 2008. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, de janeiro a dezembro, as importações brasileiras de petróleo e derivados consumiram US$ 31,46 bilhões ante os US$ 20,06 registrados no ano anterior. Em entrevista, o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, explica que a redução do consumo de diesel teria impacto significativo nestes resultados, diminuindo o déficit atual do País. Leia a seguir:

UNICA - Se o Brasil é auto-suficiente em petróleo, por que motivo amarga um déficit crescente apesar das descobertas do pré-sal?
Adriano Pires - O ano de 2008 foi atípico. Os preços de petróleo bateram recordes, superando o primeiro e segundo choques do petróleo e a média do barril de petróleo ficou em US$100.

Agregue-se a isso o fato do País registrar a maior taxa de crescimento dos dois mandatos do presidente Lula e a falta de energia que ocorreu no início do ano. Importamos caro, exportamos barato e importando mais diesel, inclusive para ligar as térmicas em função da falta de energia. Dos U$13,4 bilhões do déficit, US$3 bilhões se referem a petróleo e o restante a derivados, basicamente diesel. Com relação à auto-suficiência: em termos de dólares (moeda), nunca alcançamos a auto-suficiência. Em termos de volumes atingimos a auto-suficiência em 2006, mas nos dois anos seguintes a situação mudou pois produzimos abaixo das metas projetadas pela Petrobrás.

UNICA - E como o déficit se comportará em 2009 na sua avaliação?
Pires - Este ano, o déficit brasileiro será menor em decorrência das taxas de crescimento menores e do menor consumo de diesel. O fato de não teremos de ligar as térmicas fará muita diferença. Para se ter uma idéia, em 2006 importamos 5% de diesel, enquanto no ano passado – com a necessidade de colocar as térmicas em operação para suprir a falta de energia - tivemos de importar 15%, três vezes mais.

UNICA - Na sua avaliação, quais seriam os impactos de uma substituição maior da gasolina por combustíveis renováveis como o etanol?
Pires - Sob o ponto de vista do Meio Ambiente, os benefícios da substituição da gasolina por combustíveis mais limpos seriam significativos por conta da redução da emissão dos gases de efeito estufa na atmosfera. Do ponto de vista econômico, a substituição da gasolina por etanol ajudaria a baixar o déficit, ao liberar um excedente de gasolina que poderia ser vendido no mercado internacional.

UNICA - Qual seria a melhor alternativa para reduzir o déficit da conta petróleo?
Pires - A substituição de parte do diesel consumido no País por combustíveis renováveis é uma saída. Um consumo menor de diesel diminuiria as importações desse combustível e também de petróleo leve, que permite uma produção maior de diesel do que o petróleo pesado (aquele que produzimos no Brasil e exportamos). Para isso, teríamos de ter políticas públicas para a substituição gradual dos veículos a diesel por veículos flex, como as frotas de ônibus municipais, por exemplo.

UNICA - Por que motivo o diesel ganhou um peso tão grande na matriz energética brasileira?
Pires - Grandes mudanças ocorreram neste setor nas últimas décadas. Nos anos 60, a gasolina era o combustível dominante e o Brasil exportava o excedente de diesel. A produção de gasolina ocupava 30% da estrutura de refino das unidades da Petrobras e a de diesel apenas 23%, e o Brasil importava 80% do petróleo. No início da década de 70, o governo transferiu o aumento do petróleo no mercado internacional somente para os preços da gasolina, subsidiando o diesel e o GLP. Essa política incentivou as vendas de veículos médios a diesel levando a um fenômeno que ficou conhecido como a “dieselização” da frota nacional. A Petrobrás investiu firme na mudança da estrutura de refino, o País passou a importar grandes volumes de diesel e a qualidade do ar nos grandes centros urbanos piorou.

UNICA - Se o diesel prejudica o balanço de petróleo brasileiro e piora a qualidade do ar, como reduzir o seu consumo no Brasil?
Pires - O principal desafio é reverter o processo de “dieselização” da frota de veículos através da introdução no mercado de veículos médios que utilizem motores flex em substituição aos motores a diesel. Isso permitiria a absorção do crescimento da produção de etanol e uma parcela de gasolina que hoje é exportada. Com isso, a indústria sucroenergética teria sua expansão garantida com base no mercado interno, sem depender do relaxamento do protecionismo econômico dos Estados Unidos e da Europa.

UNICA - Em termos práticos, o que poderia ser feito para assegurar esta mudança de cenário?
Pires - O caminho mais curto e eficiente é incluir políticas voltadas para este fim em um Plano Nacional de Combustíveis Automotivos do governo, no qual seriam criadas diretrizes para que a médio e longo prazo o País conquiste uma matriz de combustíveis que permita segurança de oferta, melhoria das condições ambientais nos centros urbanos e efeitos positivos na balança comercial de petróleo e derivados.

UNICA - No contexto atual, qual é o principal desafio  do governo com relação ao etanol?
Pires - O desafio do governo é tomar  medidas para evitar que a volatilidade do preço do petróleo afete o setor sucroenergético, criando um clima de incerteza e  desestimulando os investimentos no setor. O governo precisa criar um ambiente favorável para que os biocombustíveis  tenham uma participação maior na matriz energética e os preços destes produtos refletam isso. Criar uma política tributária e fiscal que dê mais garantias aos empresários do setor. Ao setor, por sua vez, cabe mostrar ao governo a importância do etanol entrar também na substituição do diesel.
 
Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) e Professor da UFRJ.