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Combustíveis: nova geração é mais sustentável


Valor Econômico - 31 out 2023 - 10:44

Estimulados pela urgência da transição energética, o setor de combustíveis e institutos de pesquisa estão obtendo bons resultados em projetos para viabilizar a chegada ao mercado de novos produtos sustentáveis. Petrobras, Shell, Acelen, Gás Verde, Embrapa Agroenergia e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) são alguns destaques dessas

A Petrobras, por meio de seu Programa de BioRefino, investirá cerca de US$ 600 milhões nos próximos cinco anos para desenvolver uma nova geração de combustíveis sustentáveis. Seu diesel R é o primeiro produto lançado: os testes foram feitos em 2022 e a produção regular começou neste ano.

É fabricado na Repar (PR) por coprocessamento de diesel mineral com óleo vegetal, com proporção de até 10% de conteúdo renovável. A Petrobras prevê aumentar a capacidade de produção de cinco milhões de litros por dia para 12,3 milhões de litros diários até o fim deste ano. Outros projetos de coprocessamento de diesel R estão previstos para as refinarias de Cubatão, Paulínia, em São Paulo, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, até o fim do ano. E outras estão em avaliação.

Em Cubatão, os planos da Petrobras incluem uma unidade dedicada à fabricação de combustível de aviação sustentável (chamado de BioQav em português e com sigla SAF, em inglês) e Diesel R100, com matéria-prima 100% renovável. Unidades dedicadas ao BioQav e Diesel R100 na refinaria de Pernambuco e em Itaboraí (RJ), no Polo Gaslub, antigo Comperj, estão também na pauta da empresa. Para navios, a empresa também vem testando bunker (óleo combustível para grandes embarcações) com conteúdo renovável: primeiro com 10% em volume de biodiesel e depois com 24%.

No fim de setembro, Petrobras e a mineradora Vale assinaram um memorando de entendimentos para o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis como metanol verde, biobunker, amônia verde e diesel renovável, entre outras iniciativas de descarbonização. A parceria, com prazo de dois anos, inclui potenciais acordos comerciais para fornecimento de produtos de baixo carbono da Petrobras para as operações da Vale.

Outra que está abrindo o cofre em busca de alternativas sustentáveis é a Shell. A petroleira anglo-holandesa faz investimentos de R$ 100 milhões em um projeto para usar agave como fonte de biomassa e produzir etanol e biogás no sertão nordestino. “Nossa intenção é utilizar 100% do potencial do agave para obter etanol de primeira e segunda gerações, visando a implantação de uma nova cadeia de negócios”, diz o diretor de tecnologia e pesquisa e desenvolvimento da Shell Brasil, Olivier Wambersie.

A empresa, que tem como parceiros o Senai Cimatec e a Universidade de Campinas (Unicamp) nessa empreitada, vai criar soluções biológicas para melhorar a produtividade, adaptabilidade e resistência do agave, além de tecnologias de mecanização para o plantio e a colheita da planta testadas em campo experimental.

A Shell, diz ele, também desenvolverá as rotas de processamento do agave em combustíveis e que serão validadas em escala de laboratório e piloto na Bahia. Segundo Wambersie, esperam-se entregas técnico-científicas a partir de 2025. Ele ressalta que o projeto está na fase de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e é de longa duração.

Por isso, ainda é preciso validar a tecnologia, avaliar os custos e otimizar os processos, antes de entrar na fase comercial. Uma característica interessante do agave, aponta ele, é a presença de menos lignina – molécula que dá rigidez, impermeabilidade e resistência – nas fibras e bagaço da planta, quando comparado ao bagaço e à palha da cana-de-açúcar.

“Isso nos permite acreditar que teremos mais facilidade para remover os açúcares que são necessários para produção do etanol”, observa. A Shell investe cerca de R$ 600 milhões em projetos de P&D, sendo 30% destinados a iniciativas para a transição energética.

Outra produtora de derivados de petróleo, a Acelen (empresa do fundo Mubadala), dona da Refinaria de Mataripe e seus ativos logísticos na Bahia, vai investir R$ 12 bilhões nos próximos dez anos para fabricar combustíveis renováveis, especialmente diesel e querosene de aviação sustentável. O início da produção está previsto para o primeiro trimestre de 2026 e a estimativa é fazer um bilhão de litros por ano.

O foco inicial será o mercado externo. “A nossa tecnologia será ‘drop-in’, que significa que não há necessidade de adaptação alguma de infraestrutura ou limitação de mistura com combustíveis fósseis”, diz Yuri Gama Orse, diretor da cadeia de renováveis da Acelen. Já o abastecimento do mercado brasileiro depende de regulação adequada, diz ele, para que existam demanda e preços competitivos. O tema está em tramitação no Congresso Nacional.

Na primeira fase do projeto da Acelen – que terá total sinergia com a refinaria de Mataripe, aproveitando a infraestrutura de utilidades, tancagem e logística – serão usados óleo de soja e matérias-primas complementares. Na segunda etapa, entra em cena o óleo de macaúba, árvore nativa do Brasil com alto potencial energético não explorada em escala comercial, e óleo de dendê, com previsão de início de plantio em 2025.

Em outra trilha de atuação, a Gás Verde usa resíduos orgânicos de aterros sanitários para produzir biometano. A empresa vai aumentar sua capacidade atual média de produção de 130 mil m3 por dia em Seropédica (RJ) para 580 mil m3 diários até 2026 e vem dando outros passos para crescer. Em maio, comprou a portuguesa ENC Energy e suas oito térmicas a biogás, passando a atuar em mais cinco Estados: São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Maranhão.

Em junho, assinou um memorando de entendimentos com a NTS, transportadora de gás, para viabilizar a injeção de biometano em dutos de transporte do país. “O biometano tem a mesma aplicação e é intercambiável com o gás natural. Logo, pode ser usado tanto para abastecer veículos e frotas pesados como nos processos produtivos industriais”, diz o CEO da Gás Verde, Marcel Jorand.

Em Natal (RN), o Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis montou, em parceria com a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, uma planta-piloto para fabricar combustível sustentável de aviação. O SAF (ou BioQav) será obtido a partir de glicerina, que é um derivado da indústria de biodiesel. Tem alto valor energético, mas é subutilizado no Brasil e tem baixo valor comercial.

O trabalho está na reta final. “A molécula de SAF precisa ser tratada a fim de apresentar as mesmas características físico-químicas da molécula do petróleo”, diz o coordenador de P&D, Antonio Marcos de Medeiros. Após essa etapa, o biocombustível será certificado junto à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No entanto, para que seja comercializado, diz Medeiros, serão necessários investimentos em unidades de produção de maior porte.

A Embrapa Agroenergia é mais uma integrante da cadeia de inovação com um cardápio variado de pesquisas no setor. Entre elas, estão o desenvolvimento de cultivares tropicalizadas de canola, possibilitando a produção de óleo e proteína vegetal utilizados em biocombustíveis diversos. Há ainda investimentos em sistemas de produção integrada para cultivo da macaúba, no Cerrado e regiões semiáridas. A planta é vista como alternativa de insumo de biocombustíveis.

Outros projetos são dedicados ao biogás e biometano, diesel verde e etanol. “Pela diversidade de soluções que estão sendo buscadas em nossos projetos de PD&I, projeta-se para o horizonte de 2023-2030 grande impacto no segmento produtivo”, afirma Bruno Galvêas Laviola, chefe-adjunto de P&D da Embrapa Agroenergia. Isso por conta da disponibilização de novas variedades vegetais e insumos agroindustriais, além de novos processos e metodologias.

Amance Boutin, especialista em combustíveis da Argus, destaca que o Brasil tem alternativas que permitem explorar o enorme potencial dos biocombustíveis. “Em um horizonte mais próximo, veremos o desenvolvimento de veículos híbridos que podem usar gasolina, etanol ou eletricidade.”

De acordo com ele, a criação de um mercado doméstico com regras claras e contínuas tende a estabelecer bases para rentabilizar projetos e atrair investidores. “Outro relevante catalisador dos investimentos é o mercado de carbono, com destaques para o programa RenovaBio”, afirma Boutin.

O programa, diz ele, recompensa os produtores de biocombustíveis de acordo com a intensidade de carbono de seus produtos: quanto menor a intensidade, maior é a geração de créditos de descarbonização (Cbios) pelo produtor. “A garantia de retornos proporcionais à redução de pegada de carbono, em um mercado livre de intervenção política e transparente, seria talvez o maior incentivo para o setor privado.”