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Luiz Pereira Ramos

Etanólise


Luiz Pereira Ramos - 19 jan 2009 - 16:29 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:08

Ao longo desta última década, muitos profissionais e pesquisadores do setor têm sido questionados sobre a viabilidade do uso de etanol para a produção de biodiesel. De fato, o uso da metanólise é praticamente consensual em todo setor industrial brasileiro, mas uma mudança radical nesta realidade seria de grande importância estratégica para o país. No entanto, o uso de etanol ainda apresenta alguns gargalos tecnológicos que, com a evolução da pesquisa, já começam a ser classificados como meros tabus. Um destes “tabus” é a dificuldade observada na separação de fases e, por conseguinte, na purificação do produto. De fato, o etanol age como co-solvente em misturas éster/glicerina e, comparativamente ao metanol, requer operações unitárias de maior complexidade para promover a separação de fases em processos convencionais de alcoólise.

Por outro lado, a recuperação do etanol é mais complicada devido à formação de misturas azeotrópicas com a água, o que resulta em alto investimento de capital para sua desidratação e subseqüente reciclagem. Além disto, a reatividade do etanol é inferior à do metanol e as reações requerem condições um pouco mais drásticas, como o uso de um maior excesso de álcool em relação à massa de óleo e a exigência de que o processo seja realizado na ausência quase que absoluta de água, tanto nos reagentes quanto nas etapas de purificação do produto.

Historicamente, nosso grupo de pesquisa tem se dedicado à etanólise de diversos tipos de materiais graxos, visando o estabelecimento dos parâmetros processuais para otimizar o rendimento da reação. Nestes trabalhos, foi demonstrado que a evaporação do etanol, antes de qualquer tipo de separação de fases (convencionalmente induzida por neutralização do catalisador alcalino e/ou pela adição de água), permite a recuperação do etanol excedente em condições de reciclagem por pelo menos uma nova etapa de reação. Há, inclusive, quem advogue a idéia de que o etanol reciclado poderia ser utilizado diretamente em aplicações de rotina, como o abastecimento de automóveis com tecnologia flex fuel, desde que eventualmente ajustado em algumas de suas propriedades. Sob o aspecto econômico, a quantidade de metanol exigida na reação é 40-45% inferior à de etanol anidro e o metanol sempre foi mais barato, apesar da produção nacional não ser suficiente para atender à demanda de mercado, gerando uma evidente evasão de divisas pela importação direta do produto em grandes quantidades; porém, o metanol é tradicionalmente derivado de fontes não renováveis, é muito tóxico, apresenta maior risco de incêndios e produz chama invisível, fatos que o tornam proibitivo para uso em pequenas escalas de produção. Por outro lado, o etanol é sabidamente de origem renovável, com produção nacional baseada em uma agro-indústria consolidada e muito bem distribuída, cujas propriedades são bem mais compatíveis com a produção de biodiesel em pequena ou média escala, desde que haja solução tecnológica para os problemas inerentes à sua utilização. Além disto, a opção pelos ésteres etílicos resulta em biodiesel de melhores propriedades, amplia suas eventuais aplicações de mercado e oferece uma série de benefícios sócio-ambientais que podem atuar como elementos indutores em um mercado cada vez mais ávido por soluções ambientalmente corretas em toda a cadeia de produção.

Outro aspecto relevante nesta discussão está relacionado ao fato de que os ésteres etílicos são reconhecidamente mais densos que os ésteres metílicos correspondentes e isto oferece uma desvantagem comercial, já que o mercado não parece estar preparado para considerar este fator em negociações comerciais de grande porte. Pelas razões expostas acima e pelo fato da etanólise ainda não ter sido investigada com a profundidade necessária, parece-nos que o Governo Federal deveria considerar, dentre as suas políticas de incentivo ao setor, alguma alternativa para privilegiar os produtores que optem (com qualidade!) pelo etanol em seus processos industriais. Desta forma, estaríamos, dentre tantas possibilidades, garantindo as vantagens macroeconômicas desta opção tecnológica e favorecendo a retomada do enfoque sobre as pequenas unidades de produção que, com tecnologia adequada, poderão voltar a ser o objetivo fundamental do programa nacional de produção e uso de biodiesel.

Luiz Pereira Ramos, UFPR. Saiba mais sobre o autor.
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