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Simoni Margareti Plentz Meneghetti

Os biocombustíveis nos EUA observados de perto


Simoni Plentz Meneghetti e Liv Soares Severino - 08 nov 2007 - 18:21 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Com objetivo de estreitar o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos na área de biocombustíveis, cinco brasileiros foram convidados a participar durante três semanas de um programa de visitas a diversas instituições ligadas a biocombustíveis nos EUA. Fazem parte do grupo, além de nós dois, o Prof. Dr. Cláudio Mota da UFRJ, o Sr. Thalis Murrieta, assessor do Senado na área de biocombustíveis e o Sr. Antonio de Pádua Rodrigues, diretor da UNICA (Associação dos Produtores de Cana-de-açúcar do Estado de São Paulo). Esta viagem faz parte do International Visitor Leadership Program que é organizado e patrocinado pelo Departamento de Estado Norte-Americano, órgão equivalente ao Itamarati no Brasil.

A primeira semana da viagem foi dedicada a visitas em Washington DC, capital do país, onde participamos de reuniões em diversos Ministérios, órgãos governamentais, instituições civis e ONG’s, tais como Departamento de Energia (DOE), Ministério de Agricultura (USDA), Ministério das Relações Exteriores (DOS), Sociedade Americana de Química (ACS), Agência de Proteção Ambiental (EPA) National Biodiesel Board, Renewable Fuels Association, WorldWatch Institute e diversas outras ligadas ao tema.

Esta oportunidade tem sido importante porque somos recebidos por técnicos e assessores envolvidos diretamente com o planejamento e execução dos programas de biocombustiveis e com isso podemos observar detalhes que nem sempre é possível quando se obtêm informações apenas pela imprensa ou em palestras. Temos também a oportunidade de apresentar o que está ocorrendo no Brasil e responder às dúvidas que surgem.

O programa de biodiesel dos EUA iniciou-se a cerca de 6 anos, mas somente foi oficializado pelo governo norte-americano em 2005. Diferente do Brasil, o biodiesel nos Estados Unidos surgiu mais da necessidade dos produtores de escoar o excesso de óleo de soja, que de uma iniciativa do Governo, embora posteriormente a ajuda tenha chegado. Em 2007, estima-se que os EUA produzirão 1,3 bilhões de litros de biodiesel, quase tudo a partir de óleo de soja (90%) e o restante de gordura animal. Atualmente, consome-se 17% da produção interna de óleo de soja para produzir essa quantidade de biodiesel e projeta-se que o consumo crescerá até o limite máximo de 23% da produção de soja. Há 165 usinas instaladas com capacidade de produção de 12 bilhões de litros.

Nenhuma agência reguladora exige um rígido controle de qualidade (eles não tem que apresentar análises do produto), mas por outro lado, caso uma indústria forneça um produto fora das especificações, existe maior risco de ser processada e pagar indenizações aos consumidores, o que seria diferente no Brasil. A associação dos produtores (National Biodiesel Board) realiza um programa próprio de controle de qualidade para evitar problemas com a especificação do produto. Já houve alguns casos isolados de distribuição de biodiesel fora das especificações que provocaram a suspensão temporária do programa, mas foram contornados. Embora existam indústrias de biodiesel pertencentes a cooperativas (médio porte) a tendência é que as novas usinas sejam cada vez maiores, as quais possuem maior eficiência com o ganho de escala.

Embora a especificação para biodiesel na União Européia seja extremamente rígida, na qual o biodiesel feito de óleo de soja não se enquadra, os produtores americanos estão exportando 1/3 de sua produção para lá. A solução encontrada foi a de especificar o biodiesel norte-americano em mistura com o biodiesel europeu.

Olhando para o futuro do biodiesel comparativamente entre Brasil e Estados Unidos, pode-se concluir que o programa americano cresceu muito rapidamente porque eles podiam fazer investimentos e dispunham de matéria prima barata e abundante. No entanto, já estão chegando no limite de disponibilidade de matéria prima e não possuem alternativas (outras oleaginosas) para crescer além disso. O programa brasileiro também está enfrentando dificuldades nessa fase inicial, principalmente pela atual dependência quase exclusiva da soja, mas ao menos temos alternativas de culturas oleaginosas que deverão aumentar a participação em alguns anos, além de clima, tecnologia e área agricultável para expandir a produção. A tendência é que o programa americano cresça mais um pouco, mas se estabilize, enquanto o programa brasileiro permaneça crescendo por mais tempo e se torne muito maior. Como há grande capacidade de produção ociosa existe a possibilidade dos Estados Unidos, no futuro importar matéria prima, para fabricar biodiesel.

Há diversas motivações para o incentivo aos biocombustíveis nos EUA e é difícil apontar qual deles é mais forte. O que parece se destacar mais é a busca por independência energética, pois atualmente o país é muito dependente do petróleo importando de regiões instáveis como o Oriente Médio, Venezuela, Rússia e Nigéria. A pressão dos lobbies dos plantadores de milho e soja também é muito forte e não há sinais de que essa política agrária seja alterada no futuro próximo. As motivações ambientais também são consideráveis (efeito estufa, qualidade do ar, etc.), mas embora todos sejam favoráveis a políticas que reduzam os danos ao ambiente, ninguém quer pagar a conta da mudança e por isso as coisas só ocorrem quando há viabilidade econômica ou às custas de subsídios.

A pergunta mais freqüente que os americanos fazem é se o crescimento da produção de cana-de-açúcar e de soja provocará danos à Floresta Amazônica. Esta idéia está tão arraigada na mente dos americanos que é difícil explicar que essa preocupação não faz sentido. Não que o problema do desflorestamento na Amazônia esteja resolvido, mas acusar os biocombustíveis pelo problema não está correto.  É urgente explicar melhor ao mundo como é feita a produção de biocombustiveis no Brasil e qual o planejamento para sua expansão. Só assim estaremos livres de interpretações distorcidas de nossa realidade.

Simoni Plentz Meneghetti - UFAL
Liv Soares Severino - EMBRAPA

Tags: Eua