O setor de biodiesel mudou
Todos que acompanham o mercado de biodiesel já sabem da gigantesca mudança que aconteceu no setor com a inclusão do Fator de Ajuste Logístico (FAL) na sistemática dos leilões. Durante a última semana ouvimos a opinião de diversos produtores sobre esse novo pregão (as respostas de alguns deles podem ser vistas aqui). Como já era esperado, enquanto algumas usinas gostaram da mudança, outras não.
As usinas localizadas em Estados onde a capacidade de produção de biodiesel está elevada em relação a demanda por diesel e próximas da matéria-prima, como Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás, estas tendem a não gostar das mudanças. Já as unidades em Estados com baixa concentração produtiva e perto do consumo, estão adorando as mudanças.
Nesse momento, muitas das empresas desses grupos olham para as alterações sob o ponto de vista do seu negócio, e não com o olhar do setor de biodiesel como um todo. Por mais que os argumentos usados pareçam os mais nobres possíveis, acredito que as opiniões mudariam facilmente se a sistemática passasse a prejudicar ou a ajudar a sua empresa.
Importante notar que algumas empresas, mesmo sendo desfavorecidas com a mudança, se mostram favoráveis a introdução do FAL, pois este é um passo importante para corrigir essa deficiência do modelo de comércio de biodiesel no Brasil.
A mudança trazida no 23º leilão, apesar de ter muitos pontos que precisam de aperfeiçoamento, é muito boa para o setor, em diversos aspectos.
Olhando com distanciamento sobre o tema, é possível perceber que essa mudança aproxima o setor de biodiesel do mundo real. Até então o comércio desse biocombustível acontecia dentro de uma bolha. Era um mundo alternativo onde a logística de entrega do produto pronto não importava. O comprador de biodiesel pagava o mesmo preço pelo produto produzido nos confins de Rondônia ou nos arredores de São Paulo, onde o biodiesel seria consumido. A diferença de milhares de reais por caminhão de biodiesel transportado tinham que ser absorvidos pelo comprador.
A completa ausência de logística nessa fórmula indicava que essa era uma solução temporária. O tempo dela acabou e o leilão agora irá descontar esse frete na hora de comprar o biodiesel da usina. Fábricas que resolverem vender para regiões distantes de sua localização receberão menos pelo biodiesel produzido, assim como quem resolver vender para lugares próximos receberá mais. Essa mudança faz com que Estados que tinham localização ideal para produção de biodiesel, justamente porque as regras desconsideravam a logística, percam importância e outros que eram inviáveis passam a ser interessantes.
O sistema agora está muito mais parecido com o sistema de compra e venda de soja. Hoje uma esmagadora de soja paga menos pela soja que está longe dos portos, exatamente por que vai ter que transportar o produto até o porto. Em razão dessa semelhança, o sistema do leilão deveria ter sido mais bem recebido por aqueles que estão pagando menos pela soja, já que aceitam pagar ou receber menos pela soja comprada ou produzida.
Pontos interessantes
Alguns pontos interessantes sobre essa mudança foram levantados em algumas conversas e até mesmo apresentados para a ANP e MME. Alguns deles sem o menor fundamento, enquanto outros bastante justos.
Um deles diz respeito ao fato da mudança ter sido feita de maneira abrupta, sem consultar as usinas, e que haveria uma obrigatoriedade legal de consulta. A legislação a que essa argumentação se refere (decreto 2455) diz respeito a ANP e quem determinou as mudanças foi o MME. Qualquer argumentação baseada nesse fato perde o sentido, já que a lei fala do que a ANP precisa fazer antes de tomar uma decisão importante e não o MME. Não é preciso ser jurista para entender a questão.
Além disso, a ANP deve ter algumas ressalvas em conversar tecnicamente com as usinas. Ano passado as usinas foram chamadas para conversar tecnicamente sobre a formação do preço do biodiesel. Durante a reunião foi apresentado pelo setor produtivo alguns custos de produção muito mais altos que os praticados no mercado, o que fez com que as discussões não atingissem o nível desejado. Um detalhe, depois dessa reunião o preço do biodiesel vem se mantendo no patamar mais baixo de todos os tempos.
Há um outro argumento apresentado que diz que o FAL está criando incentivos regionais, já que algumas regiões tem FAL menor que outras. Na realidade esse argumento é uma inversão dos valores, pois na prática o FAL retira um incentivo que havia para as usinas mais distantes. As usinas longe de grandes centros de consumo ganhavam o frete de transporte do biodiesel para essas regiões consumidoras. A partir de agora as distribuidoras vão pagar menos pelo biodiesel que está longe do consumo e mais pelo que está perto, como já acontece no familiar mercado de soja.
Ajustes
O FAL está longe da perfeição. A impressão que tenho é que o governo criou um sistema transitório entre o modelo anterior, puramente FOB, para um sistema totalmente CIF. O problema é que mesmo sendo apenas transitório e sem aumentar o nível de complexidade do leilão, o cálculo do FAL poderia ter ajustes. Um deles já foi discutido internamente na ANP, mas não foi introduzido nesse leilão. O cálculo do FAL ao invés de considerar apenas as distâncias das capitais, daria um peso à elas proporcional ao consumo de diesel do Estado. Essa alteração seria tão mais justa que o formato utilizado e de fácil implementação que fica difícil entender os motivos para já não ter sido inserida.
Além disso, existem outras mudanças mais complexas e que fariam esse leilão ser muito mais justo. Ao invés de calcular o FAL de Estado para regiões, seria muito melhor se fosse calculado de cada usina para cada Estado. Mas para isso seria preciso dividir o leilão em 54 lotes, 27 exigindo selo Social e 27 sem a exigência. Entendo até ser possível realizar um pregão assim, mas não sem um modelo transitório.
Saindo da bolha
Apesar de conter defeitos, o sistema do 23º é muito mais justo que dos leilões anteriores. Por isso, querer a volta do sistema antigo é querer que o setor de biodiesel retroceda. As discussões, reuniões, visões e contribuições devem ser preparadas e pensadas de forma a melhorar o que foi estabelecido e avançar no caminho dos leilões totalmente CIF, e não para voltar ao sistema antigo.
A verdade é que o fim dos leilões FOB demorou muito mais tempo para chegar do que devia.
Miguel Angelo Vedana é diretor-executivo da BiodieselBR e faz parte do conselho editorial da revista BiodieselBR.