Congresso de biodiesel
De 27 a 29 de Novembro passado foi realizado, em Brasília, o II Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel. Esta rede se compõe de, aproximadamente, 200 cientistas, de diferentes especialidades, que se dedicam a solucionar problemas nos seguintes aspectos da cadeia do biodiesel:
1. Agricultura e matérias primas para produção de biodiesel. Trata, fundamentalmente, de aspectos de zoneamento pedoclimático, variedades e cultivares de oleaginosas; técnicas de cultivo e de controle de pragas; e economia rural e modelagem de sistemas;
2. Armazenamento de biodiesel. Estuda-se os critérios e formas de armazenamento de biodiesel e de suas misturas; o desenvolvimento de aditivos para garantir as especificações técnicas do biodiesel;
3. Caracterização e controle de qualidade. Trata da caracterização da matéria prima (óleo vegetal ou gordura animal), do biodiesel e de suas misturas com óleo diesel; desenvolvimento de metodologias de análise e controle de qualidade;
4. Co-produtos. Busca-se maximizar o aproveitamento de co-produtos (glicerina, farelo, tortas, resíduos), objetivando a agregação de valor na cadeia;
5. Produção. Objetiva-se o desenvolvimento e a otimização de tecnologia de produção de biodiesel;
6. Biodiesel e desenvolvimento sustentável. Análise da viabilidade econômica; biodegrabilidade; ciclo de vida e impactos ambientais;
7. Uso do biodiesel. Destina-se a testar o biodiesel em motores veiculares e estacionários e verificar seu impacto sobre os mesmos, sobre os sistemas de injeção e seus componentes.
Obviamente, é impossível relatar tudo o que ocorreu no Congresso, neste espaço. Mas gostaria de ressaltar o que mais me chamou a atenção em cada um dos grandes programas da rede, conforme a divisão temática acima.
Agricultura
Na área de agricultura, o que ressalta é a busca por novas oleaginosas, em especial de alta densidade energética. A espécie que mais tem recebido a atenção dos cientistas é o pinhão manso, que foi objeto de inúmeros estudos, desde a caracterização de bancos de germoplasma até o estudo de pragas e enfermidades que atacam a planta. A lógica central destes estudos é avaliar o potencial do pinhão manso como planta cultivada, destinada a produzir biodiesel. E, caso esta opção se configure, desenvolver um sistema de produção que permita produzir pinhão manso com o mínimo de riscos e o máximo de rentabilidade.
Armazenamento
O desafio maior desta área é garantir que, ao final de um período de armazenamento do biodiesel ou suas misturas, o produto atenda as especificações técnicas da ANP. Um dos desafios principais desta fase é a estabilidade oxidativa, ou seja, a oxidação dos ésteres que compõem o biodiesel, em especial os ácidos linoléico e linolênico, que contém duplas ligações na molécula, o que os tornam particularmente suscetíveis à oxidação. Uma opção lógica para contornar este problema é o uso de aditivos anti-oxidantes, tema que foi apresentado no congresso. Outra preocupação séria é com o ponto de fluidez e ponto de névoa de biodiesel, em especial obtido de óleo de dendê, que pode gerar problemas se utilizado em temperaturas abaixo de 20oC.
Caracterização e controle de qualidade
Uma das preocupações mais importantes que percebi no Congresso, no tocante a este tema, é a busca de métodos simples e expeditos para análise da qualidade do biodiesel e do atendimento às especificações técnicas. Igualmente, percebe-se o interesse dos cientistas em caracterizar devidamente as matérias primas para produção do biodiesel, pois as propriedades do óleo (ou gordura) original influenciam as características posteriores do biodiesel. Não menos importante foram as apresentações de análises químicas de diversas amostras de biodiesel, permitindo clarificar as condições de produção e a qualidade do biodiesel produzido no Brasil.
Co-produtos
O aproveitamento de co-produtos é de fundamental importância para assegurar a rentabilidade da indústria de biodiesel, através da agregação de valor às tortas, farelos e resíduos. Um dos aspectos mais importantes é o desenvolvimento de novos usos e aplicações para a glicerina. Esta substância é muito valorizada na indústria de química fina, especialmente a farmacêutica. Entretanto, o tamanho de seu mercado é relativamente pequeno para os volumes de glicerina que serão produzidos nos próximos anos. E, neste particular, o congresso apresenta avanços muito otimistas, permitindo antever que, nos próximos cinco anos, novos produtos derivados de glicerina chegarão ao mercado, oriundos das pesquisas da rede, como lubrificantes e recuperadores para a indústria de petróleo, tensoativos, aditivos para gasolina, blendas e materiais de construção. A detoxificação da torta de mana, que venha a permitir o seu uso seguro na alimentação animal, é outro estudo de destaque da rede.
Produção
Diversos aspectos da produção de biodiesel foram apresentados, com destaque para a otimização da produção, através do estudo de novos catalizadores, homogêneos ou heterogêneos, e com o uso de enzimas, como as lípases. A principal rota comercial de produção de biodiesel é a metanólise. Porém, como o Brasil é um grande produtor de etanol, os cientistas desta área vem se esforçando para otimizar o uso de etanol, eliminando as restrições técnicas e procurando reduzir o custo de operação da etanólise.
Biodiesel e desenvolvimento sustentável
Sob esta ótica agrupam-se os estudos de impacto ambiental da produção de biodiesel, os indicadores de sustentabilidade, em especial para a agricultura familiar, a análise de risco de culturas de oleaginosas de acordo com as características edafo-climáticas de diferentes regiões, a análise da viabilidade de produção de oleaginosas em assentamentos de reforma agrária, a prospecção da cadeia de biodiesel em relação ao seu futuro e a sustentabilidade na produção de biodiesel, considerando os princípios da química verde.
Uso do biodiesel
Os cientistas envolvidos com este tópico estão procurando avaliar, minuciosamente, se a presença do biodiesel misturado ao diesel pode trazer algum problema operacional, de eficiência ou de desgaste de peças nos motores. Da mesma forma, estão sendo estudadas as emissões dos motores, para garantir que estas são menos tóxicas e menos prejudiciais que o uso exclusivo do diesel. Um aspecto que me chamou a atenção foi a análise da qualidade do óleo lubrificante, demonstrando que um motor diesel, operando com B10, não altera a qualidade do óleo lubrificante. Nesta mesma categoria, foi apresentado um estudo que demonstra a viabilidade do uso do biodiesel como aditivo melhorador de lubricidade nas misturas álcool e diesel.
Os interessados em obter mais informações sobre os trabalhos científicos apresentados no II Congresso da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel podem escrever diretamente para o organizador do evento, no email abipti@abipti.org.br
Décio Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, colunista do portal BiodieselBR.com, membro do Painel Cientifico Internacional de Energia Renovável e Coordenador de Agricultura da Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel.