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Décio Luiz Gazzoni

Canabrás


Décio Luiz Gazzoni - 01 set 2008 - 15:48 - Última atualização em: 15 ago 2012 - 16:05

O objetivo deste artigo é polemizar. E o foco da polemica é a possível, eventual, futura criação de uma Pré-salbrás, cogitada por setores do Governo e do seu principal partido de suporte. O Presidente da República tangencia o assunto e nem apóia, nem desapoia, nem muito antes pelo contrário dá qualquer pista sobre sua convicção pessoal. A tal nova empresa estatal deteria as reservas de petróleo descobertas pela Petrobras, na chamada camada pré-sal oceânica, alguma coisa acima de 5.000 metros de profundidade. A crer nas opiniões de especialistas, divulgadas pela mídia, o custo de extração do petróleo a esta profundidade, não seria possível a valores inferiores a US$60-75,00 / barril. Considerando um custo de refino de US$5,00 / barril, teríamos um valor médio de US$70,00 por barril de derivados, FOB na refinaria. Este valor equivale a US$440,00 por metro cúbico de derivados, incluindo combustíveis.

Corta o filme para uma lavoura de cana. Nas condições atuais, é possível produzir 41 barris de etanol (6,5 metros cúbicos) por hectare. O custo de produção do etanol de cana, para esta safra, é estimado em US$185,00 (R$296,00) por metro cúbico. De saída, teríamos um ganho no preço FOB (sem frete e sem impostos) de US$235,00 para cada 1000 litros comercializados, já que o custo do etanol equivale a 42% do custo dos derivados de petróleo.

No entanto, precisamos efetuar a correção pelo poder calorífico diferencial entre o mesmo volume de gasolina e de álcool e de diesel e de álcool, ajustados pelo rendimento térmico dos motores de ciclo Otto ou Diesel. No caso dos motores de ciclo Otto, o cálculo clássico é de substituir 1 litro de gasolina por 1,5 litros de etanol. Para o Diesel, embora seja uma tecnologia ainda em desenvolvimento, a proporção é de 1 litro de diesel por 1,1 litros de etanol, devido à maior eficiência da queima de diesel na presença de etanol vaporizado. O custo da gasolina na refinaria é de, aproximadamente, R$0,90 e do diesel R$0,62. Neste caso, apenas para efeito de equivalência, o litro de etanol como substituto da gasolina custaria R$0,44 e para substituição do diesel R$0,32.

A partir destes números, e do consumo de gasolina (24 bilhões de litros) e de diesel (38 bilhões de litros) estimados para 2008, é possível projetar a produção e os custos de abastecer a frota brasileira com petróleo do pré-sal ou a partir de biocombustíveis, até o esgotamento das reservas do pré-sal. Aí é que pretendo polemizar, para mostrar que nem o setor do agronegócio – no nosso caso de biocombustíveis – conhece a extensão de seu potencial, nem o Governo atenta adequadamente para este fato e a sociedade, desinformada, desconhece as reais oportunidades do país.

A Tabela 1 mostra um comparativo entre a energia total do petróleo utilizado, anualmente, pelo Brasil e de cana-de-açúcar (bioeletricidade e biocombustíveis). Nesta condição, parte da energia da cana substituiria diretamente os combustíveis fósseis (gasolina e diesel) e parte seria dirigida para a eletricidade, o que poderia significar mais transporte público (trem, metrô ou ônibus elétrico). Para o cálculo, considerou-se o consumo atual de petróleo (650 Mbarris); a energia contida em uma tonelada de cana, que equivale a 1,3 barris de petróleo; o crescimento da demanda de petróleo no Brasil, assumida como sendo linear e de 2% ao ano, considerado conservador porém realista; o incremento da produtividade de cana e o rendimento industrial de etanol de 2,5% ao ano.

Utilizando estas premissas, verifica-se que, até 2050, seria possível substituir, integralmente, a energia obtida do petróleo por cana produzida em uma área variável entre 4,8 e 5,9 Mha, além dos atuais 3,5 Mha. Estes valores seriam facilmente absorvidos pela agricultura brasileira, que dispõe de um potencial superior a 100 Mha de terras aráveis para expansão da agricultura.

Tabela 1. Comparativo de energia total produzida por petróleo e por cana

  M barris de petróleo Etanol Custo em R$
Diferença
Ano 
Anual  Acumulado  M ha  ML  Etanol Petróleo Anual Acumulada
2008
650 650 5,9 38 11 46 34 34
2010
676 1989 5,6 38 11 47 36 105
2012
704 3383 5,2 38 11 49 38 180
2014
732 4832 4,9 38 11 51 40 259
2016
762 6341 4,7 38 11 53 42 342
2018
792 7910 4,4 38 11 55 44 429
2020
824 9542 4,2 38 11 58 46 520
2022
858 11241 3,9 39 11 60 49 616
2024
892 13008 3,7 39 11 62 51 717
2026
928 14846 3,5 39 11 65 54 823
2028
966 16759 3,3 39 11 68 56 934
2030
1005 18749 3,1 39 11 70 59 1050
2032
1045 20820 2,9 39 11 73 62 1172
2034
1088 22974 2,8 39 11 76 65 1300
2036
1132 25215 2,6 39 12 79 68 1434
2038
1177 27547 2,5 39 12 82 71 1574
2040
1225 29973 2,3 39 12 86 74 1721
2042
1274 32496 2,2 39 12 89 78 1875
2044
1326 35122 2,1 39 12 93 81 2035
2045
1352 36475 2 39 12 95 83 2119
2046
1379 37854 2 39 12 97 85 2204
2048
1435 40697 1,8 39 12 100 89 2379
2050
1493 43654 1,7 39 12 105 93 2563
Obs. Foram considerados apenas os anos pares, por economia de espaço.

Em relação aos custos, fixando os valores da extração do petróleo e da produção de etanol de 2008, verifica-se que, em 2050, o Brasil teria acumulado custos extras de R$2,536 trilhões, se optasse por manter a mesma estrutura de combustíveis atuais comparativamente ao aproveitamento integral da energia de cana.

Já a Tabela 2 analisa, exclusivamente, a substituição de combustíveis derivados de petróleo por etanol, o que exige uma área maior, posto que não se considera a parcela da energia de cana que é transformada em bioeletricidade. Calcula-se a demanda futura de diesel e gasolina, usando a mesma taxa de crescimento de 2% ao ano; a relação de 1:1,3 entre a energia de um barril de petróleo e uma tonelada de cana; o crescimento da rentabilidade de etanol por hectare de 2,5% ao ano; e as relações de substituição de gasolina (1:1,5) e diesel (1:1,1) por etanol.

Neste caso, seriam necessários entre 7,8 e 12 Mha de cana-de-açúcar, para substituir os combustíveis fósseis, além dos 3,5 Mha atualmente cultivados para produção de etanol combustível. Como na simulação anterior, estes valores seriam facilmente absorvíveis pela agricultura nacional, pela grande disponibilidade de área potencial para agricultura no Brasil.

Tabela 2. Comparativo entre a produção de combustíveis derivados de petróleo e etanol de cana
      Custo
  Diesel Gasolina Etanol Cana   Diferença
Ano ML ML ML M ha  Etanol Petróleo Anual Acumulada
2008 38 24 77,8 12 23 45 22 22
2010 40 25 81 11,7 24 47 23 68
2012 41 26 84 11,5 25 49 24 115
2014 43 27 88 11,3 26 51 25 165
2016 45 28 91 11,1 27 53 26 216
2018 46 29 95 10,9 28 55 27 269
2020 48 30 99 10,6 29 57 28 325
2022 50 32 103 10,4 30 60 29 383
2024 52 33 107 10,2 32 62 30 443
2026 54 34 111 10 33 64 32 505
2028 56 36 116 9,8 34 67 33 571
2029 58 36 118 9,8 35 68 34 604
2032 61 39 125 9,5 37 73 36 709
2034 64 40 130 9,3 39 76 37 782
2036 66 42 135 9,1 40 79 39 859
2038 69 43 141 8,9 42 82 40 938
2040 72 45 147 8,8 43 85 42 1021
2042 75 47 153 8,6 45 89 43 1106
2044 78 49 159 8,4 47 92 45 1196
2046 81 51 165 8,3 49 96 47 1289
2048 84 53 172 8,1 51 100 49 1386
2050 87 55 179 7,9 53 104 51 1486
Obs.: Foram considerados apenas os anos pares, por economia de espaço.

Neste caso, em 2050, teríamos acumulado uma diferença de R$1,486 trilhões de economia, utilizando etanol de cana em substituição aos derivados de petróleo, considerando os custos FOB atuais. E, com três grandes vantagens: em primeiro lugar, após 2050, o petróleo do pré-sal estaria esgotado, enquanto a área de cana ainda estaria disponível para produção; em segundo lugar, reduziríamos em 90% a emissão de gases de efeito estufa; e, finalmente e não menos importante, a agricultura, incluindo a cana-de-açúcar, gera muito mais empregos que a cadeia petrolífera, que, além de baixo nível de emprego é altamente concentradora de renda.

Obviamente, os números aqui apresentados são estereotipados, pois não seria possível, de imediato alcançar a produção de cana prevista ou mesmo efetuar um aproveitamento integral da energia da cana. Eventualmente, se houvesse um planejamento estratégico que se iniciasse de imediato, na década de 20 seria factível aproximar-se dos índices de substituição previstos. Igualmente, a estrutura de custos deve se modificar ao longo do tempo, de uma forma difícil de antecipar no momento.
 
E aqui encerro a polêmica com uma provocação: A iniciativa privada demonstrou sua sustentabilidade e rentabilidade, na produção de etanol de cana, sem necessidade de subsídios de qualquer ordem. Assim como não precisaríamos de uma Canabrás, para produzir energia de cana para substituir, integralmente, o petróleo do pré-sal, será que precisaríamos de um cabide de empregos estatal, para substituir a Petrobras, que foi suficientemente eficiente para descobrir as reservas de petróleo escondidas a 5.000 m de profundidade, bem como as tecnologias inovativas para sua extração?

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Painel Cientifico Internacional de Energia Renovável.