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O ouro negro do Canadá


Der Spiegel - 23 ago 2006 - 16:16 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

A província canadense de Alberta possui quantidades enormes de areias betuminosas. Mas a extração de petróleo dessas areias é um processo caro e prejudicial ao meio ambiente. Mesmo assim, as areias betuminosas são uma tentação irresistível para as companhias de petróleo. Elas estão investindo bilhões de dólares a fim de garantir o acesso a essa abundante fonte de energia.

Um indivíduo precisaria acreditar fervorosamente na chegada de um boom econômico para permanecer por muito tempo em Fort McMurray, cidade que fica em meio à imensidão do norte do Canadá. Nos dias especialmente adversos, é necessário aguardar 45 minutos por um café na Starbucks, e uma nuvem poluente mau-cheirosa começa a escurecer o céu todas as tardes, bem antes do pôr do sol. Nos dias mais favoráveis, pode-se pelo menos encontrar um lugar para dormir. Mas para quem deseja morar por aqui, a história é outra: uma cama em um porão está custando pelo menos 500 dólares canadenses mensais.

Se ainda existe necessidade de provar a hipótese de que a era do petróleo facilmente extraível está chegando ao fim, a evidência disso pode ser encontrada em Fort McMurray. Grandes escavadeiras, com uma capacidade de extração de cem toneladas, retiram o sedimento betuminoso do solo e o depositam em caminhões gigantescos. Quando se dirigem para uma das usinas de processamento, esses caminhões têm o peso de um Boeing 747.

Fort McMurray está se apresentando para o mundo como a nova Klondike, a capital da corrida do ouro do final do século 19. Os habitantes da cidade afirmam com orgulho que estão resolvendo os problemas energéticos do mundo.

E apesar das inospitaleiras condições de vida na proximidade do Círculo Ártico, as estatísticas revelam que a população da cidade - atualmente de 61 mil habitantes - aumenta com a chegada de cerca de cem pessoas por dia.

Vários dos soldados da fortuna que chegam aqui são simplesmente atraídos pelos altos salários, mas a maioria dos que vêm para Fort McMurray é composta de trabalhadores do setor petrolífero. E o atrativo? As terras em torno deste antigo posto comercial da Hudson Bay Company contêm petróleo - muito petróleo.

Este pode não ser aquele produto barato e de fácil extração encontrado na Arábia Saudita - mas os geólogos alegam que a província canadense de Alberta poderia muito bem se equiparar àquele país exportador de petróleo do Oriente Médio, pelo menos no que diz respeito à quantidade do produto. Os especialistas acreditam que as reservas de petróleo acessível em Alberta poderiam chegar à quantidade colossal de 174,5 bilhões de barris - um volume maior do que a soma das reservas do Irã e da Líbia. Se os cálculos estiverem corretos, o Canadá está em segundo lugar na lista dos países que possuem as maiores reservas de petróleo do mundo.

Os sonhos atualmente associados a Fort McMurray foram gerados pela enorme quantidade de areias betuminosas - uma massa viscosa e grudenta que tem o aspecto de óleo queimado jogado em uma caixa de areia. Durante o breve verão canadense, esse petróleo tem a consistência de um xarope. No inverno ele é tão duro quanto concreto. Os campos de petróleo do Canadá são do tamanho da Grécia.

Campos petrolíferos do tamanho da Grécia

O plano ousado para a utilização deste sedimento para o prolongamento da era do petróleo por várias décadas não é novo. As companhias que atuam aqui vêm tentando extrair petróleo das areias betuminosas há 40 anos. A tarefa não tem sido especialmente lucrativa para esses pioneiros da extração petrolífera - o custo da produção de um barril de petróleo em Alberta é mais elevado do que em qualquer outro lugar no mundo. São necessários US$ 30 dólares para transformar o betume em um barril de petróleo adequado à produção de energia.

Mas isso não impediu que quase todas as grandes corporações de petróleo anunciassem o ingresso no ramo das areias betuminosas. Com o preço do barril acima dos US$ 72, o investimento em Fort McMurray passou a valer a pena. A Exxon Mobil, a Shell, a Chevron e a Total se estabeleceram aqui, e duas das maiores empresas petrolíferas chinesas também entraram no negócio. E as companhias locais de menor porte que asseguraram primeiro os direitos de extração para si têm recebido uma quantidade enorme de propostas irresistíveis de compra desses direitos ou de fusões corporativas.

As gigantes do petróleo querem investir US$ 70 bilhões nesses campos de petróleo durante os próximos dez anos. O interesse nas chamadas "fontes não tradicionais" - tais como areias betuminosas - aumentou drasticamente. "Muita gente está se dando conta de como essas reservas são importantes", afirma o especialista Daniel Yergin, autor de um trabalho famoso sobre a história da extração de petróleo.

E também existem razões políticas para a corrida às areias betuminosas. O governo canadense gosta de lembrar às pessoas que esse petróleo está localizado no território de uma das mais estáveis democracias do mundo, não estando na mão de "petrocratas" como os governantes em Teerã, em Caracas ou em Moscou. Essa mistura viscosa de Fort McMurray "alterará a situação política", proclama orgulhosamente o Ministério das Finanças em Ottawa. Os Estados Unidos - o maior consumidor mundial de petróleo - estão, sem dúvida, fascinados com a idéia de terem um fornecedor amigável de petróleo bem ao lado.

O cheiro do dinheiro

O Senado dos Estados Unidos já enviou um grupo de delegados à área na qual se localizam as reservas de areias betuminosas, e o secretário do Tesouro estadunidense também visitou o local. A idéia é que, até 2015, as areias betuminosas representem um quarto da produção de petróleo da América do Norte. "Nós dependeremos dos nossos amigos para a segurança energética, e não necessariamente de xeques e traidores de todo o mundo", comemorou o governador do Estado de Montana, Brian Schweitzer, após uma visita recente a Fort McMurray.

Se ainda existe necessidade de provar a hipótese de que a era do petróleo facilmente extraível está chegando ao fim, a evidência disso pode ser encontrada em Fort McMurray. Grandes escavadeiras, com uma capacidade de extração de cem toneladas, retiram o sedimento betuminoso do solo e o depositam em caminhões gigantescos. Quando se dirigem para uma das usinas de processamento, esses caminhões têm o peso de um Boeing 747.

Nas usinas as areias betuminosas são aquecidas com água quente e carbonato de sódio hidratado, até que um betume espumoso se forme na superfície da solução e possa ser removido. A quantidade de produtos químicos necessária é tão grande que Fort McMurray é freqüentemente invadida por um odor fortíssimo de urina de gato. As companhias petrolíferas desprezam as inevitáveis reclamações, afirmando: "Este é o cheiro do dinheiro".

A quantidade de betume na terra negra pode chegar a até 18%. Em média, são necessárias duas toneladas de areia para a produção de um barril de petróleo. O índice de processamento foi elevado a um nível que permite a produção de milhões de barris diariamente, e existem planos para triplicar tal produção nos próximos dez anos.

Mas as maiores reservas estão nas profundezas da terra - elas não podem ser extraídas com a utilização das técnicas tradicionais de escavação de buracos. Para a extração dessas reservas profundas, injeta-se vapor quente na camada de areias betuminosas. Isso liquefaz o betume, permitindo que ele possa ser extraído por sucção. Atualmente, as companhias estão desenvolvendo tecnologias que lhes permitirão inserir enormes radiadores na terra, a fim de aquecer o betume e tornar a sua extração mais fácil.

Os especialistas calculam que as emissões nas áreas ricas em areias betuminosas continuarão aumentando. Até 2015, a área nos arredores de Fort McMurray deverá produzir tanto dióxido de carbono quanto a Dinamarca.
Mas os atuais efeitos colaterais ecológicos dessa alquimia dos tempos modernos são polêmicos. Para cada barril de petróleo produzido, são consumidos até cinco barris de água. Um caldo tóxico se acumula em lagos gigantes. E é preciso disparar constantemente canhões para o céu a fim de espantar as aves migratórias, fazendo com que elas se afastem da mistura venenosa.

Adeus ao Protocolo de Kyoto

Mas o mais preocupante é o fato de o governo canadense não ser mais capaz de atingir as metas de redução de emissões estabelecidas quando assinou o Protocolo de Kyoto. Os especialistas calculam que as emissões nas áreas ricas em areias betuminosas continuarão aumentando. Até 2015, a área nos arredores de Fort McMurray deverá produzir tanto dióxido de carbono quanto a Dinamarca. Mas Charles Ruigrok - presidente da Syncrude e um dos veteranos da indústria de extração de areias betuminosas - despreza o problema: "Acredito que a tecnologia dará um jeito nisso".

Mesmo que essa previsão não se concretize, é improvável que o Canadá deixe de extrair petróleo por razões ecológicas. O boom econômico do norte se disseminou por toda a província de Alberta. A província que costumava ser a criança problema do Canadá está atualmente passando por um surto de prosperidade. Trufas brancas e Mercedes conversíveis se transformaram em artigos populares de consumo em Edmonton, a capital da província. Alberta não tem dívidas, e não cobra dos seus moradores impostos sobre a aquisição de produtos.

Apenas para garantir que a nova riqueza não deixe de ser notada, o premiê de Alberta, Ralph Klein, abriu as portas do tesouro público para os cidadãos da província. Em janeiro passado, os moradores receberam cheques de "desconto" no valor de US$ 400, que o povo daqui apelidou de "Ralph bucks" ("dólares do Ralph").

Georg Mascolo
em Fort McMurray, Canadá
Tradução: Danilo Fonseca