Brasil Ecodiesel, que estréia no Novo Mercado, tem sócio oculto
No embalo da crescente busca por fontes de energia renováveis, está prevista para segunda-feira a estréia em bolsa da maior fabricante de biodiesel do país, a Brasil Ecodiesel. Mas, enquanto os investidores ainda fazem as suas propostas para comprar os papéis da empresa (o prazo para investidores institucionais acaba amanhã), paira sobre a companhia uma grande e fundamental dúvida: quem é o seu maior acionista.
Nada menos do que 47,7% do capital da Brasil Ecodiesel estão envoltos por uma sequência de companhias offshore e trusts que impedem que se visualize o detentor final dos papéis.
A dona direta das ações é uma companhia com sede no paraíso fiscal americano de Delaware, a Eco Green Solutions. O único sócio da Eco Green, por sua vez, é um trust (espécie de fundo) chamado BT Global, gerido pelo Deutsche Bank. O dono desse trust é um segundo trust, com sede nas Ilhas Cayman. De acordo com as leis do paraíso fiscal, não é possível revelar o nome do proprietário das ações da Brasil Ecodiesel.
A Eco Green é um dos três sócios que fazem parte do acordo de acionistas, ao lado do fundo Zartmann e do presidente da companhia, Nelson José Côrtes da Silveira.
Diante de tanto mistério, consolidou-se no mercado financeiro a tese de que o acionista oculto seria o empresário e banqueiro gaúcho Daniel Birmann. Dono do grupo Arbi, ele foi inabilitado pela Comissão de Valores Mobiliários para exercer cargos em companhias abertas. A assessoria de imprensa do empresário nega categoricamente que ele ainda seja sócio da Brasil Ecodiesel. A empresa não comentou, por causa do período de silêncio.
A desconfiança do mercado vem do fato de que Birmann fundou a empresa em 2003 e foi seu controlador até recentemente. Além disso, empresas do grupo Arbi têm contratos que asseguram fornecimento obrigatório por parte da Brasil Ecodiesel por 15 anos.
Birmann vendeu parte de suas ações para o fundo californiano Zartmann há alguns anos. Em setembro do ano passado, foi anunciada a venda de ações ao fundo Eco Green, por R$ 7 milhões. Agora, um ano depois, a companhia pretende levantar mais de R$ 700 milhões com a oferta pública em andamento, que vai colocar pelo menos 57% do seu capital na bolsa.
Executivos de bancos de investimento e advogados da área de mercado de capitais consideram que a inabilitação de Birmann pela CVM seria um bom motivo para que ele não quisesse figurar como principal acionista da empresa que agora abre o capital. "Se ele fosse controlador, poderia haver danos de imagem, uma vez que as penalidades ocorreram por questões que denotavam problemas de governança," disse um advogado. Questionada sobre o ingresso no Novo Mercado de uma companhia com controlador oculto, a Bolsa de Valores de São Paulo não quis se manifestar.
Birmann mantém estreitas relações com a Brasil Ecodiesel. Três empresas suas do setor de geração de energia térmica no Nordeste (Piauí, Ceará e Bahia), todas com o nome de Enguia, fecharam um contrato com a fabricante de biodiesel que lhes permite exigir a disponibilização da capacidade de produção da Brasil Ecodiesel, até o limite de 40 mil metros cúbicos por ano, pelo prazo de quinze anos. Esse volume equivale a praticamente toda a capacidade produtiva atual da empresa. O contrato foi feito em dezembro de 2005 em troca do cancelamento de dívida de R$ 40,9 milhões com a Enguia.
Além disso, Nelson José Cortês da Silveira, o presidente da Brasil Ecodiesel, foi presidente da Enguia Power, de Birmann, de 2001 a 2004 e ainda é sócio minoritário dela.
Pessoas próximas a Silveira dizem que o executivo desenvolveu o projeto de geração da Enguia para Birmann. Segundo essas fontes, a Brasil Ecodiesel surgiu em consequência, já que a Enguia é grande consumidora de biodiesel. "O projeto de biodiesel cresceu, precisava de mais capital e o Nelson foi buscar o fundo Zartmann para comprar parte das ações do Birmann", diz uma fonte. Essa mesma fonte sustenta que a venda para a Eco Green aconteceu "a revelia" de Silveira, que desconheceria a identidade do investidor.
Em um processo na CVM que examinava irregularidades em operações com parte relacionadas na SAM Indústrias, do grupo Arbi, Birmann recebeu a maior multa individual da história da autarquia, de R$ 243 milhões. Neste processo, julgado em 2005, ele foi inabilitado por dois anos. No início deste ano, ao julgar novo caso, a CVM inabilitou Birmann por cinco anos (cabe recurso).
O Valor apurou que CVM solicitou maior abertura das informações relativas ao investidor final da Eco Green. No entanto, a autarquia esbarrou em limitações legais para chegar ao nome da pessoa física por trás do trust. A CVM informou que não comenta registros em análise.
Ex-presidente da CVM, o advogado Luiz Leonardo Cantidiano explica que não existe impedimento na legislação para registro de companhia que tenha na estrutura acionária fundos sediados em outros países. Segundo ele, a abertura de dados desses fundos depende das regras do país onde estiverem sediados.
Os questionamentos da CVM levaram à inclusão no prospecto de um alerta aos investidores para o fato de existir acionista importante de identidade desconhecida. O texto chega a dizer que os investidores "não devem investir nas ações", se considerarem esse aspecto relevante.
Vanessa Adachi e Catherine Vieira