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Biodiesel

Biodiesel, até agora uma boa idéia


Agência Estado - 12 mar 2006 - 10:46 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:22

De tempos em tempos no Brasil, elege-se um "deus ex machina" (uma expressão latina que significa "o deus que vem da máquina"), com um artifício para nos salvar do destino trágico. O do momento é o biodiesel, promovido incansavelmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Há um mês, na solenidade de assinatura dos primeiros contratos de compra de biodiesel pela Petrobras, Lula sentenciou: "Não teremos medo, porque o dia em que alguém disser ‘não tem mais petróleo’, nós estaremos dizendo ‘pois bem, nós temos alternativa, pode começar a comprar que é nosso". Sua inspiração: a campanha "O petróleo é nosso", de seu predecessor Getúlio Vargas.

No imaginário do presidente, o biodiesel está encarnado na mamona, o fruto resistente ao semi-árido que ele conheceu na infância, e que sintetiza a persistência nordestina diante da adversidade. Na mesma cerimônia, o presidente disse que viaja com fotos de mamona na mala, para apresentar o desconhecido fruto. Como para demonstrar a ignorância geral a seu respeito, Roberto Requião, governador do Paraná, Estado ricamente agrícola, mordeu a tóxica fruta, para cuspi-la, com uma careta, sob o olhar matreiro do amigo Lula.Lula mamona

O biodiesel é uma boa idéia. "Energia do sol acumulada na planta", como o define Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da Petrobras, ele tem um espaço a ocupar, diante do compromisso mundial de reduzir emissões de gases do efeito estufa, do interesse brasileiro em diminuir consumo de óleo diesel, e da conveniência de envolver agricultores familiares em sua produção.

O Governo montou um programa de isenção para os produtores de biodiesel, por meio de um selo social que incentiva a compra de matéria-prima de agricultores familiares, com ênfase na mamona do Nordeste e no dendê do Norte.

Mas, será que o biodiesel em geral e a mamona em particular são tudo isso? No ano passado, o mundo consumiu 4,31 trilhões de litros de óleos minerais, dos quais 1,76 trilhão em óleo diesel e óleo para aquecimento. E produziu 130 bilhões de litros de óleos vegetais equivalentes a óleo diesel. Ou seja, se parássemos de comer e entregássemos todo o óleo vegetal aos postos de combustíveis, supriríamos 3% do total de óleos minerais ou 13% de diesel e aquecimento.

"Dizer que, se o petróleo acabar amanhã, estamos preparados para substituí-lo, é prova de ignorância total do assunto", diz Marcello Brito, diretor comercial da Agropalma, produtora de óleo de dendê. O domínio do petróleo sobre o mercado de combustíveis é algo a perder de vista.

A mamona também é um negócio complicado. Graças a sua notável resistência a temperaturas muito altas e muito baixas, seu óleo é commodity nobre e cara no mercado internacional. Assim, seu custo de oportunidade, ou seja, seu preço para exportação, supera facilmente o que o Governo brasileiro pode pagar pelo litro do biodiesel – R$ 1,90 no primeiro leilão, em novembro.

"O custo de oportunidade do óleo de mamona é o triplo do preço pago pela Petrobras", calcula um empresário da área de soja. "Estamos comprando mamona porque precisamos do selo social mas não somos obrigados a desvalorizá-la e queimá-la como matéria-prima de biodiesel. Podemos exportar".

A produção média na agricultura familiar do Nordeste é de 700 quilos de semente por hectare (kg/ha). Para torná-la viável economicamente, seria preciso elevar este patamar a 1.600 kg/ha, segundo Weber Amaral, coordenador do Pólo Nacional de Biocombustíveis, de Piracicaba, um centro de pesquisas da Universidade de São Paulo, em parceria com o Ministério da Agricultura. "A mamona tem limitações tecnológicas que precisam ser resolvidas", diz Amaral.

MERCADO SENSÍVEL

Arnoldo Campos, coordenador do Programa de Biodiesel no Ministério do Desenvolvimento Agrário, garante que a possibilidade é remota, por causa dos controles do governo.  E porque o mercado é muito sensível a aumentos de oferta.  No ano passado, a produção de óleo cresceu 50%, e o preço do litro caiu de R$ 0,80 para R$ 0,25.

A produção média na agricultura familiar do Nordeste é de 700 quilos de semente por hectare (kg/ha).  Para torná-la viável economicamente, seriam precisos 1.600 kg/ha, segundo Weber Amaral, coordenador do Pólo Nacional de Biocombustíveis, da USP.

De acordo com o consultor André Pessoa, os assentamentos têm eficiência média de 3%.  "Se formos depender dessa eficiência para um programa energético, estamos lascados", diz.  "Vai-se enterrar muito dinheiro nisso.  O programa está todo equivocado.  Uma coisa é programa social, outra coisa é programa energético."

"Esse mercado é para profissionais, não para amadores", diz Marcello Brito, da Agropalma, que investe na parceria com posseiros e assentados no Pará.  "Montar um programa de biodiesel à base de agricultura familiar é absurdo."

Ildo Sauer, da Petrobrás, filho de pequenos agricultores de Missão (RS), acha que é preciso dar crédito à agricultura familiar.  Ele sugere "um modelo híbrido de produção familiar e de grande porte".  Essa era a idéia inicial do Proálcool.

Os especialistas do governo não dão tanta importância à mamona.  "Nossa idéia é estabelecer no País a possibilidade de não trabalhar com uma oleaginosa.  Isso seria ruim", diz Arnoldo Campos, coordenador do programa.  "Queremos diversificar ao máximo."  Segundo ele, a soja, a maior commodity do mundo, será a matéria-prima mais importante, seguida da mamona e do dendê.

Mas há sólidas apostas na mamona.  A Brasil Ecodiesel já investiu R$ 60 milhões e vai pôr outros R$ 120 milhões na produção de óleo de mamona nos nove Estados do Nordeste e em Tocantins e Minas Gerais, com capacidade instalada de 280 milhões de litros/ano em janeiro de 2007.  O projeto envolve 30 mil famílias, que plantam em média de 1,5 hectare a 2 hectares.

O biodiesel não é uma solução mágica, mas pode dar resultados.  "Se for só programa energético, eu temo.  Se for só social, eu temo também.  Se for os dois, balanceados, vai ser maravilhoso", sintetiza Brito.  "Tem é de fazer com muito carinho."