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Negócio

Suspensão de vendas de ativos da Petrobras poderá parar na Justiça


Valor Econômico - 07 mar 2023 - 10:24

A suspensão da venda de ativos da Petrobras ameaça sobretudo processos de desinvestimento que tiveram contratos assinados, mas que ainda não foram concluídos, na visão de especialistas. Fontes envolvidas dizem que foi interrompido, nos últimos dias, o calendário de encontros entre os compradores e a estatal para troca de informações e preparação das transferências. A situação deve levar a questionamentos judiciais por parte dos compradores, que podem alegar que as condições precedentes para o fechamento dos contratos foram cumpridas e que, portanto, as negociações devem ser finalizadas. A opção seria abrir uma execução específica de obrigação que force a Petrobras a concluir os acordos, segundo advogados.

Na semana passada, a estatal confirmou que todos os processos de venda foram interrompidos depois do ofício do Ministério de Minas e Energia (MME) que solicitou a suspensão por 90 dias a partir do dia 28 de fevereiro. O objetivo é reavaliar a política energética em curso. O desfecho da situação divide especialistas: há advogados que acreditam que a equipe jurídica da Petrobras vai decidir que é necessário concluir as vendas em andamento, enquanto outros enxergam risco de judicialização do tema.

Há cinco pacotes de ativos na situação de assinados e ainda não transferidos: a refinaria Lubnor (CE); os campos terrestres do polo Potiguar; os campos terrestres do Norte Capixaba; os campos marítimos dos polos Golfinho e Camarupim; e os campos em águas rasas do Polo Pescada.

Algumas companhias nessa situação chegaram a realizar transações no mercado de capitais baseadas na expectativa de fechamento dos acordos. É o caso da Seacrest Petróleo, que concluiu em fevereiro a oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa de Oslo, quando levantou US$ 260 milhões. A empresa fechou contrato com a Petrobras para a compra do Polo Cricaré (ES). A 3R Petroleum emitiu US$ 500 milhões em debêntures e obteve financiamento nesse mesmo valor junto a instituições financeiras lideradas pelo Morgan Stanley para a aquisição do Polo Potiguar. A venda foi aprovada pelo conselho de administração da Petrobras em janeiro, seguida do aval da Agência Nacional do Petróleo (ANP), e a previsão era de conclusão até o fim de março.

Segundo fontes, a Petrobras ainda não notificou oficialmente as empresas sobre nenhuma das suspensões e as companhias estariam aguardando a sinalização da estatal para decidir os futuros passos. A situação abala a capacidade de atração de investimentos para o setor no país, dizem especialistas. Para o sócio do escritório Campos Mello Advogados, Alexandre Calmon, a suspensão é “um verdadeiro desastre”. “A reputação do respeito aos contratos leva anos para ser construída e se perde num passo errado. Qualquer movimento desse tipo é destrutivo. Nenhum investidor trabalha com incerteza e essa medida traz incerteza”, diz.

Juliana Senna, sócia do Kincaid Mendes Vianna Advogados, afirma que o anúncio pode alterar a percepção do “risco Brasil” por investidores não só da indústria de óleo e gás, mas em todo o país. Segundo ela, a iniciativa do governo surpreendeu o mercado. “Já havia a intenção [da Petrobras] de rever o plano de investimentos, mas ninguém esperava o que estava em curso”, diz.

Ela concorda que contratos de venda de ativos que tenham sido assinados podem levar a penalidades, como indenizações, caso a estatal deixe de cumprir alguma obrigação prevista no acordo, mesmo que a suspensão seja temporária. “As condições precedentes têm que ser cumpridas”, afirmou. Para transações em andamento, mas sem contratos, há espaço para que investidores recorram à arbitragem em busca de reparações.

O plano de desinvestimentos da Petrobras começou em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, como parte da estratégia para reduzir o endividamento. Até o fim de 2022, a companhia vendeu 70 ativos, que levantaram um total de R$ 281 bilhões, segundo dados do Observatório Social do Petróleo, movimento de sindicatos de trabalhadores ligados à Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e Instituto Latino-Americano de Estudos Sócio-Econômicos (Ilaese). A maioria das vendas ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, período em que a Petrobras vendeu 54 ativos, por R$ 175 bilhões.

Advogados questionam a necessidade de a companhia ater-se ao ofício do MME, dado que a empresa poderia ter optado por seguir ou não o pedido. “Foi uma tentativa de encurtar um caminho que poderia ter sido feito seguindo a governança da empresa”, diz Calmon.

Procurada, a Petrobras não se posicionou. No dia em que confirmou a suspensão, a estatal disse em nota que o conselho de administração analisaria os processos em curso “sob a ótica do direito civil e dentro das regras de governança, bem como eventuais compromissos já assumidos, suas cláusulas punitivas e suas consequências, para que as instâncias de governança avaliem potenciais riscos jurídicos e econômicos decorrentes”, observadas as regras de sigilo e as demais normas aplicáveis.

O sócio da área de óleo e gás do Mattos Filho, Giovani Loss, diz que a Petrobras está violando contratos assinados, portanto, a companhia está sujeita a ações que podem confirmar o fechamento dos acordos ou levá-la a sofrer indenizações. “Nos governos pregressos do PT não houve quebra de contratos assinados. Ter insegurança no cumprimento de contrato assinados é péssimo para todos os setores”, diz. Loss ressalta que a decisão da Petrobras é ruim também para os ativos que não ainda haviam tido contratos, pois as empresas que avaliavam as compras investiram tempo e recursos nas negociações.

Um grupo de associações do setor divulgou nota ontem pedindo para que seja esclarecido que a suspensão afeta somente as vendas em estágio inicial e que as vendas em campos marginais em terra e águas rasas serão retomadas. “Além da Petrobras, que poderá concentrar seus esforços na operação de campos maiores e mais produtivos, todos ganham com isso: desde as empresas que assumiram a operação dos projetos, aos novos investidores que creditaram nas empresas suas expectativas de sucesso, aos entes públicos e seus planejamentos de investimentos e orçamento”, diz o comunicado assinado por Abpip, Onip, Abespetro e RedePetro.

O Goldman Sachs afirma que a suspensão eleva incertezas sobre as vendas, mas acredita que processos assinados estão sob menor risco pois existem cláusulas punitivas para desistências. Uma fonte ligada às negociações dos ativos diz que é improvável que vendas assinadas sejam canceladas. “No fundo, ninguém acredita que um contrato assinado não vai ser cumprido”, diz. Outra fonte do setor financeiro que acompanha a Petrobras considera cedo para falar em insegurança jurídica, diante dos discursos de que a nova administração quer conversar com os compradores. “Em casos de troca de governo, é natural que alguns passos sejam dados para trás, por cautela.”

Gabriela Ruddy e Fábio Couto – Valor Econômico