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‘Somos a 2ª maior refinaria do país e pagamos mais caro pelo petróleo que uma europeia’, diz presidente da Acelen


O Globo - 15 ago 2022 - 10:15

A Acelen, holding de energia da Mubadala Capital, o braço de private equity do fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, administra a primeira refinaria privatizada do país, Mataripe, na Bahia. É a segunda maior do Brasil e a primeira do Nordeste. Mas o pioneirismo tem prós e contras. Segundo Luiz de Mendonça, presidente da empresa, o arcabouço regulatório foi pensado para uma estatal que atuava do poço à bomba de combustível.

Comprar petróleo no Brasil para a empresa é mais caro que para uma concorrente europeia. Para definir preço, não basta olhar flutuações do barril, mas conferir o valor cobrado pela Petrobras.

Na sexta-feira, a Acelen anunciou queda de 4% da gasolina e 4,3% do diesel, com valor abaixo do da estatal. Em outros momentos, porém, teve preços maiores que os da Petrobras. Sob gestão privada, a refinaria recebe R$ 1,1 bilhão em investimentos este ano, equivalente a 2,5 vezes o patamar anual das últimas décadas.

Qual é o ônus e o bônus de operar a primeira refinaria privatizada da Petrobras?

Vejo muito mais oportunidade. A dificuldade é que ninguém nunca fez isso antes, uma refinaria desse tamanho privatizada. A estrutura brasileira regulatória, fiscal, tudo que envolve isso, foi construída ao longo dos anos na indústria de óleo e gás para uma Petrobras, que é uma empresa integrada do óleo ao derivado.

As próprias agências reguladoras se acostumaram a pensar na Petrobras, que faz tudo, do poço até a bomba. E a gente chega em uma refinaria que é a segunda do país e a principal do Nordeste. Temos que desbravar a trilha e falar: ‘olha, isso aqui funcionava como Petrobras, mas não para a empresa privada’. Não vou falar que é ônus, mas tem a dificuldade de abrir uma trilha. E tem o bônus de ser o pioneiro. Quando outros estiverem no mesmo momento, já vamos ter um conhecimento adquirido.

Os atuais funcionários da Petrobras têm interesse em migrar para a Acelen?

A Acelen é uma startup que nasceu grande porque é algo que não existia. Assumimos a refinaria em dezembro. A transição com a Petrobras é de 15 meses. Os empregados da Petrobras são contratados como prestador de serviço. E vamos atrair um contingente importante. Até o fim do ano mudam de crachá. Fizemos oferta a todos os empregados da Petrobras.

Já temos assinados mais de 330 pré-contratos. São pessoas que têm interesse em continuar. Trouxemos muita gente de indústrias similares, como Braskem, Dow, Basf, Votorantim. E algumas pessoas aposentadas da Petrobras. O pessoal se aposenta jovem e cheio de gás.

Estamos montando um centro de formação de refino privado, o primeiro do país, com 200 pessoas de origem técnica que são recrutadas. É um convênio com o Senai Cimatec.

Serão quantos funcionários na empresa?

Em São Paulo, tem cerca de cem pessoas. A refinaria terá em torno de 850. Isso representa ampliação do efetivo. Estamos criando oportunidades.

Como é concorrer com a Petrobras, que levou até 50 dias para subir preço no primeiro semestre e reduziu duas vezes o diesel em uma semana agora? Dá para acompanhar?

A gente se movimenta com rapidez muito maior, acompanha o mercado. Óleo, gasolina e diesel, isso é o maior mercado conectado do mundo. O conflito da Ucrânia tem impacto no mundo todo. Não dá para ter o Brasil desconectado. Toda semana a gente olha como o mercado se movimentou, como está a concorrência. E não só a Petrobras, mas a concorrência do importado. E a gente não perde venda. A gente precifica de acordo com o mercado. Não me preocupo só com a Petrobras. Obviamente não tenho as amarras políticas que ela tem.

Mas, quando ela demora a reajustar, o seu produto não fica menos competitivo?

Reajusto preços olhando o que o mercado mundial está fazendo e o que a Petrobras está fazendo. Se ela demora muito, vou estar mais caro do que ela num dado momento. Mas nos mercados que a gente se encontra, não vou perder . Vou manter o preço competitivo.

Se a Petrobras for meu maior competidor, vou ter um preço que seja competitivo com ela. Se a Petrobras demora muito a subir o preço, não é a mim que ela está prejudicando, é ao país. O país hoje importa diesel e gasolina, e o Brasil deixa de ser atrativo como mercado. E aí você corre risco de desabastecimento, porque o preço ficou muito defasado em relação ao mercado internacional.

E como essa regulação que não foi pensada para o refino privado afeta o dia a dia?
Estou sendo prejudicado na compra de petróleo. Tenho dificuldade por causa da estrutura fiscal, de como ela é construída e dos benefícios para exportar petróleo. Sou a segunda maior refinaria do Brasil e não consigo comprar petróleo no preço que é exportado a partir do Rio ou da Bacia de Campos. A rigor, pago mais caro na origem do que uma refinaria europeia ou asiática, que está recebendo petróleo.

É o imposto que faz a diferença?

É imposto e otimização fiscal. Temos trabalhado com vários agentes do governo e mostrado essa incoerência, pois às vezes é mais interessante importar petróleo do que comprar no Rio, onde estou a três dias de viagem. Muita gente do governo não percebia essa incoerência: uma refinaria privatizada brasileira tem mais dificuldade de comprar petróleo brasileiro do que uma europeia. Fizemos uma consulta ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Há sobrepreço da Petrobras?

Tem carga tributária, vantagem para exportar e, às vezes, você exporta por uma trading e apura menos imposto. A Petrobras consegue driblar isso fazendo preço de transferência entre as refinarias. Eu não.

Qual é o papel da Petrobras, já que ela tem acordo com o Cade para reduzir sua posição dominante no setor?

Primeiro, a Petrobras tem de ter um cuidado, pois sou concorrente e cliente. E me tratar de maneira a ter certeza de que é uma forma isonômica e que uma refinaria dela não consiga comprar em condições mais vantajosas. Ela poderia ser mais proativa, para acelerar a exploração e a produção do petróleo brasileiro. Temos investido duas vezes e meia o dinheiro que era investido nos últimos 34 anos na refinaria.

Por que não há mais investidores privados olhando o setor de refino no país?

Talvez, desde que a gente fechou (a compra) tenha tido muito ruído no país e no mundo da energia. Talvez a percepção de que o Brasil esteja um pouco mais incerto e com um pouco mais de risco tenha prejudicado as negociações.

Qual é o investimento em Mataripe este ano?

Mataripe fazia parte de um network (sistema) da Petrobras de mais de dez refinarias. Estava rodando bem abaixo da capacidade. Algumas unidades tinham até sido paradas. Ela tem 300 mil barris de capacidade e é nesse máximo que a gente quer chegar. Estamos investindo R$ 1,1 bilhão. É um orçamento bastante robusto.

Os planos de investimento vão além da refinaria?

O Brasil tem um tremendo potencial em energias limpas e renováveis, como eólica, solar, combustíveis renováveis e biorrefinarias. Esse é o playground que a gente quer brincar. Temos uma equipe olhando novos projetos, assim como sei que o acionista está olhando outras oportunidades.

O ano teve mais oscilação do que o habitual no mercado de petróleo. Como acompanham?

É 24 horas por dia, fechando o mercado europeu e já abrindo o asiático. Falei com a equipe que a gente está vivendo neste ano tudo que pensou que ia viver nos três a quatro primeiros anos: assumir a refinaria, crise energética, movimentação política, oportunidades, recordes de preços em alguns produtos.

Há risco de faltar diesel?

Está curto, pois você está usando mais derivados de petróleo na produção de energia, como na Europa. E, com as mudanças do embargo da Rússia, toda a cadeia mundial de petróleo ficou desbalanceada. O diesel vai continuar curto por um bom período. Basta acontecer alguma coisa, como um furacão mais forte ali no Golfo do México. Há muito menos estoque. As margens de segurança estão menores.

E o preço neste quadro?

Sempre influencia. Quando o preço fica elevado, retrai um pouco. Esse ano, o consumo de gasolina e diesel no Brasil cresceu mesmo com preço alto. Se a economia encaixar de vez, aí pode ter que importar mais.

O senhor teme mudança em relação ao refino privado no próximo governo?

A gente acredita no nosso projeto. Estamos trazendo investimento que há muito tempo não acontecia no parque de refino nacional. Oxalá tenham outros para fazer o mesmo. É um país aberto, que respeita contrato e tem ambiente jurídico e de negócios favorável. Para quem quer que esteja lá em janeiro, a gente tem confiança de que vai mostrar isso.

Bruno Rosa e Janaina Lage – O Globo