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Negócio

Para analistas, preço do Brent pode chegar a US$ 10


O Globo - 22 abr 2020 - 10:13

Os preços do petróleo do tipo Brent, que alcançaram nesta terça-feira o menor patamar desde 2001 com cotações abaixo dos US$ 20, devem continuar em queda. Nas contas dos especialistas, o barril poderia recuar para o patamar de US$ 10, o que levaria a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a efetuar um novo corte na produção.

Em novo dia de queda livre nos preços do petróleo, os contratos para junho do WTI caíram 43% e fecharam em US$ 11,57 em Nova York. O de maio fechou em US$ 10,01, depois de passar a maior parte da sessão no negativo. O Brent de junho chegou a cair 28%, mas fechou em US$ 19,33, com queda de 24%, segundo a Bloomberg.

Na semana passada, o cartel e aliados anunciaram uma redução histórica de 10% na produção global, insuficiente para impedir a derrocada no preço do produto, principalmente do barril do tipo WTI, negociado nos Estados Unidos, que fechou na última segunda-feira com preço negativo de US$ 37,63 nos contratos para maio. Estimativas apontam que a queda na demanda chegaria a 30%.

A avaliação dos especialistas é que o Brent não deve repetir o cenário de preços negativos do WTI. A derrocada histórica no mercado americano foi resultado de um cenário inusitado: produtores pagaram para se desfazer do produto diante do excesso de estoques.

Com o vencimento dos contratos marcado para esta terça-feira, o que prevê a entrega física do produto, em um cenário de tanques de armazenamento lotados diante da queda da demanda, quem tinha petróleo para vender preferiu pagar para alguém levá-lo do que não ter onde guardar.

Para os especialistas, a queda do Brent reflete a expectativa de que os EUA devam exportar seu excedente de petróleo por não ter mais capacidade de armazenamento. Além disso, parte do Brent também é negociado no mercado americano, e as importadoras e exportadoras do produto estão se desfazendo destes papéis.

“Se os EUA têm uma quantidade de óleo excedente, vão jogar no mercado internacional. O preço do WTI é interno, mas influencia o mercado internacional” disse Giovani Loss, especialista em óleo e gás do escritório Mattos Filho Advogados.

Cláudio Pinho, especialista em óleo e gás, atribui a queda do Brent nesta terça-feira às negociações dos papéis por traders americanas. “O preço do Brent é formado predominantemente por traders, na maioria americanas, na Nymex, nos EUA. No caso do Brent, o problema não é de entrega nem de estocagem”.

Para Loss, a flexibilização da quarentena deve contribuir adiante para uma recuperação de preço do petróleo, mas avalia que num período de dois meses a indústria petrolífera ainda tentará conter a produção em razão da demanda menor pelo produto. Ele avalia que o preço do Brent ainda pode recuar no curto prazo ao patamar de US$ 10

Impacto para o pré-sal

Segundo Pinho, mesmo que a retomada gradual da atividade econômica contribua para uma recuperação do mercado, os preços deverão ficar um bom tempo entre US$ 30 e US$ 36. O cenário para as petroleiras diante das projeções é de menor rentabilidade.

Loss pondera, porém, que a Petrobras tem certa vantagem por contar com mercado cativo no país, tanto na produção quanto no refino, além de contar com participação no mercado de distribuição de derivados, com a BR Distribuidora, que foi privatizada.

“A Petrobras será afetada pela queda de preços, mas não no mesmo patamar de outras empresas internacionais, que não têm mercado cativo”, diz Loss.

Em compensação, o cenário é de reavaliação de projetos de desenvolvimento na produção do pré-sal. A principal incerteza é não saber quanto tempo ainda pode durar a crise. O processo de tomada de decisão sobre os projetos seria de dois ou três meses, segundo o especialista.

“Isso não vai afetar apenas os investimentos da Petrobras no pré-sal, mas todo o setor. O governo deveria se mover rápido no sentido de desregulamentar o setor, reduzindo as barreiras de entrada, abrindo o mercado a novos entrantes”, diz Pinho. “Temos um câmbio que faz o Brasil estar em liquidação. Se a Agência Nacional do Petróleo (ANP) reduzisse as barreiras de entrada... Quem está capitalizado neste momento vai comprar os ativos que estiverem disponíveis no mercado”.

Contratos especulativos

Para David Zylbersztajn, consultor do setor e ex-diretor-geral da ANP, a queda de preços do barril tipo Brent poderá atingir cotações negativas como aconteceu com o WTI americano. Zylbersztajn lembra que a maioria dos contratos que ajudam a fixação de seus preços são especulativos. Ou seja, ninguém está querendo comprar óleo, trata-se apenas um referencial nas negociações dos papéis na bolsa, principalmente na Nymex nos Estados Unidos.

“Podem acontecer novas quedas, e pode até chegar a cotações negativas também, vai depender da estrutura dos contratos. É uma coisa que surpreende pela profundidade, não como uma trajetória prevista”, afirmou Zylbersztajan.

Para o executivo, essa derrocada dos preços do petróleo será ruim para a Petrobras e seus projetos de desenvolvimento da produção no país. Ele lembra que o Brasil atrasou em dez anos o desenvolvimento da produção, após optar pela suspensão de leilões de áreas para discutir o modelo para exploração nos campos do pré-sal.

“O Brasil poderia ter vendido muito petróleo. Todos os indicadores são ruins para a Petrobras. A companhia perdeu em volume de venda de combustíveis e nos preços baixos. O petróleo do pré-sal sabe-se lá em que nível de competitividade está, e a venda de ativos, esquece. Todo o planejamento da Petrobras está muito prejudicado com tudo isso”, ressaltou o executivo.

Efeito negativo para prefeituras e estados

Para especialistas, a crise não vai bater apenas no caixa das empresas, mas também no de estados e municípios que contam com a riqueza do petróleo para fechar as contas. A perspectiva é de forte queda na arrecadação com royalties e participações especiais, que tomam como base a cotação do Brent.

A nova crise deve servir mais de uma vez de alerta, segundo os analistas do setor, sobre a necessidade de bom uso destes recursos. Segundo Pinho, há risco de insolvência para algumas prefeituras.

“É por isso que se discute que a arrecadação de royalties não deveria servir para sustentação de custos operacionais correntes de estados e municípios. Teremos uma vez a cada dez anos uma crise de preços do petróleo, pelo fato de os EUA não terem regulação, atuando no mercado livre. Toda vez que o mercado americano cresce muito, desequilibra o internacional”, afirma Loss.

ANP flexibiliza regras

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu flexibilizar temporariamente uma série de exigências imposta às empresas que atuam nas atividades de exploração e petróleo no país, para enfrentar a crise da pandemia de coronavírus

Uma das resoluções da agência permite que as petroleiras prorroguem pelo período de nove meses os prazos da fase exploratória dos contratos. Nesses contratos, as empresas têm prazos máximos para a exploração, que podem variar de três anos a cinco anos.

Outra resolução flexibiliza diversas obrigações contratuais nas fases de exploração e produção nas áreas de segurança operacional, meio ambiente, preço de referência do gás natural, e pesquisa e desenvolvimento -- como extensões de prazos para auditorias em plataformas e sondas e dos prazos para execução dos investimentos em pesquisa.

A agência também adia a data de entrega dos Relatórios de Conteúdo Local, de Gastos Trimestrais e de Certificação, que as empresas são obrigadas e cumprir na execução de seus projetos.

Ramona Ordoñez – O Globo