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Negócio

Não existe mágica para reduzir preços dos combustíveis, diz ex-diretor-geral da ANP


Valor Econômico - 29 out 2021 - 09:05

Não existe uma “saída milagrosa” para reduzir os preços dos combustíveis. Num momento em que a Petrobras volta aos holofotes da pauta política, diante da inflação dos derivados e de ameaças de uma nova greve dos caminhoneiros, o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e atual presidente da Enauta, Décio Oddone, vê no conceito do controle dos preços um equívoco. Ele relativiza propostas como a criação de fundos de estabilização e subsídios como o Vale Gás, e prega o avanço da agenda liberal no setor e ajustes na tributação para que, no futuro, os consumidores colham os frutos da abertura do mercado.

Ao comentar a criação de um programa de auxílio às famílias de baixa renda para a compra o gás de cozinha, a exemplo do Vale Gás aprovado pela Câmara dos Deputados, Oddone lembra que esta não é uma iniciativa nova – no passado, o vale existiu por um tempo até ser integrado, posteriormente, ao Bolsa Família. Na visão do executivo, seria mais eficiente, em termos de política pública, reforçar um programa mais amplo de combate à pobreza do que diluir recursos em diferentes iniciativas de “menor poder de fogo”.

Após 30 anos de carreira na Petrobras, período no qual chegou a presidir a Petrobras Bolívia e a Petrobras Argentina, Oddone sai em defesa da política de preços da companhia, alinhada ao mercado internacional. Ele destaca que as ideias intervencionistas causam distorções que “cedo ou tarde vêm à tona” e recorda que o histórico de controle de preços, subsídios cruzados e diretos deixaram como legado custos fiscais elevados, inibições na oferta e perdas para a petroleira. Segundo o ex-diretor-geral da ANP, está na hora de superar o intervencionismo no debate sobre os preços dos derivados no Brasil – que, lembra o executivo, remonta aos anos 1950.

Oddone defende medidas pró-abertura em todos os elos da cadeia do setor, a fim de alimentar a competitividade dos combustíveis. Na avaliação dele, o alinhamento dos preços da Petrobras ao mercado internacional é essencial para garantir o abastecimento; atrair novos agentes e, assim, achatar as margens dos atores; além de reduzir a dependência do Brasil das importações – e, portanto, do custo baseado no preço de paridade de importação (PPI).

Essas são as conclusões de Oddone, em artigo a ser publicado no livro de título provisório “Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil", organizado por Marcos Mendes e que previsto para fevereiro de 2022.

Oddone dirigia a ANP em 2018, quando eclodiu a greve dos caminhoneiros que parou o Brasil e levou o governo de Michel Temer, na ocasião, a lançar um programa de subsídio que custou R$ 6,8 bilhões ao Tesouro, em seis meses, para ressarcir a Petrobras e demais agentes por darem um desconto de R$ 0,30 no litro do diesel.

Segundo Oddone, o desalinhamento dos preços dificulta a programação de investimentos e desestimula a indústria de etanol. O ex-diretor da ANP acredita que qualquer redução nos preços ou nas margens do setor só virá com o aumento da concorrência ou da oferta – o que passa, segundo ele, por mudanças em diversas frentes, dentre as quais o fim do monopólio da Petrobras no refino.

Abertura do refino

A estatal assumiu compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para vender oito de suas 13 refinarias até o fim do ano. Até o momento, a companhia só assinou contratos para alienação de duas delas: a Rlam (BA), para o Mubadala, e a Reman (AM), para o Grupo Atem. A venda da Rnest (PE), Refap (RS) e Repar (PR) fracassou, num 2021 de turbulências em torno da intervenção de Jair Bolsonaro na troca de comando da estatal e acusações de concorrentes de que a petroleira está segurando reajustes.

Oddone acredita que a entrada de novos agentes forçará uma concorrência por market share, especialmente nos limites dos mercados de influência de cada refinaria. Um setor mais aberto, defende, também atrairá mais importadores, pressionando as margens de lucro dos agentes.

O executivo defende que a autossuficiência nos derivados é um dos caminhos desejados para reduzir estruturalmente os preços. A lógica é que, a partir do momento em que o Brasil deixe de depender das importações, o mercado local abandonará o PPI e passará a trabalhar com a paridade de exportação – mais barata, por desconsiderar os custos logísticos para internalização do produto, incluídos no PPI.

O executivo, porém, faz uma ressalva. Com a capacidade ociosa das refinarias, no mundo, é difícil atrair investimentos para novas refinarias, a exceção de unidades de pequeno porte, voltadas para nichos de mercado. “Novos projetos, entretanto, só se justificarão se houver convicção de que os preços seguirão atrelados ao mercado e se os riscos de intervenções ou de adoção de práticas anticoncorrenciais forem baixos”, escreveu.

Agenda de liberalização

O executivo advoga ainda pela liberalização do mercado de biocombustíveis, com o fim dos leilões para a contratação de biodiesel. As reservas de mercado e as restrições à importação também devem ser eliminadas.

Em 2018, após a eclosão da greve dos caminhoneiros, Oddone liderou uma agenda de debates sobre mudanças nas regras do setor. Segundo o executivo, apesar dos progressos nos últimos anos, o arcabouço regulatório ainda favorece reservas de mercado. Embora as margens dos segmentos de distribuição e revenda tenham uma participação menor na composição do preço final, existem medidas simples que podem melhorar a competitividade do mercado.

“Nenhuma delas isoladamente tem a capacidade de mudar o patamar dos preços ao consumidor ou mitigar a volatilidade. No entanto, são recomendáveis para que se tenha um ambiente de negócios competitivo e com regulação moderna”, afirmou Oddone.

Ele é a favor, ainda, de liberar a venda direta de combustíveis do produtor (refinarias ou usinas) para os postos, sem a necessidade de intermédio das distribuidoras. Um primeiro passo, nesse sentido, foi dado em setembro, quando o governo autorizou – medida provisória – a venda de etanol diretamente pelas usinas aos postos.

A MP também flexibiliza a tutela regulatória de fidelidade à bandeira — pela qual um posto “bandeirado” só pode adquirir e vender combustível fornecido pelo distribuidor com o qual possui acordo para exibição da marca. A ANP fiscaliza a execução desses contratos. Oddone cita que a tutela é um “exemplo raro do emprego de recursos públicos na fiscalização de contratos entre privados” e reduz a capacidade da ANP de executar atividades de interesse do consumidor, como a verificação da qualidade dos combustíveis.

Ele também defende mudanças na tributação, de forma a eliminar as distorções no cálculo do ICMS que amplificam os movimentos de alta dos preços e a instituir a monofasia – ou seja, concentrar a cobrança do imposto no produtor, de forma a reduzir a sonegação no setor. A questão foi parcialmente tratada este mês pela Câmara, no projeto que muda a forma de cobrança do ICMS sobre os combustíveis, com o objetivo de diminuir a volatilidade dos preços. A monofasia, porém, não foi incluída.

O fundo de estabilização

Oddone comenta também sobre a criação de um fundo de estabilização dos preços. Desde 2018, medidas do tipo estão em discussão no governo – tanto de Temer quanto de Bolsonaro. A lógica consiste em utilizar recursos de um tributo para capitalizar o fundo em períodos de baixa nas cotações. Em situações de preços altos, o tributo seria reduzido, segurando os valores ao consumidor.

“Quando os valores estão baixos é politicamente difícil mantê-los altos para criar ou capitalizar o fundo. Como as discussões só ocorrem em momentos de alta, seria necessário aportar recursos públicos para viabilizar, inicialmente, a ideia... Possivelmente, demandaria aportes públicos frequentes”, pondera.

O uso de parte da arrecadação excedente gerada pela produção de petróleo, nos momentos de valorização da commodity e do câmbio, seria uma alternativa para financiar o fundo. Ele ressalva, contudo, que uma iniciativa do tipo acabaria, na prática, subsidiando os combustíveis para pobres e ricos e estimulando o consumo de produtos mais poluentes. “A questão é se, em tempos de transição energética, de carência de recursos para redução da desigualdade e de busca de aumento da produtividade da economia, esse seria o melhor destino para os ingressos extraordinários”, questiona.

André Ramalho – Valor Econômico