Governo concedeu em 2019 quase R$ 100 bilhões em subsídios para combustíveis fósseis, diz estudo
Estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgado nesta semana informa que o governo federal concedeu R$ 99,39 bilhões em subsídios em 2019 para auxiliar os produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural no país, uma alta de 16% frente aos R$ 85 bilhões do ano anterior.
Esses são recursos que saíram diretamente do orçamento da União para incentivar o setor e também quantias que o governo deixou de arrecadar em impostos, devido a regimes de tributação especiais e programas de isenção. O objetivo foi garantir aos consumidores um preço menor na aquisição dos produtos.
Os números mostram que os subsídios em 2019 superaram o orçamento do Ministério da Educação no mesmo período, que somou cerca de R$ 93 bilhões.
Também representaram, de acordo com o Inesc, três anos do Programa Bolsa Família (R$ 33,1 bilhões no orçamento de 2019) e a quase 29 vezes o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,44 bilhões no orçamento de 2019).
Na avaliação do Inesc, um "passo fundamental" para a solução da crise fiscal brasileira é a revisão dos subsídios aos combustíveis fósseis, o que poderia ajudar no alívio às contas públicas.
"A revisão também é fundamental para a transição para uma matriz energética limpa e expansão da energia solar e fotovoltaica no país, que não possuem a mesma estrutura de subsídios. Existem alternativas aos subsídios aos combustíveis fósseis, que estão, cada dia, mais próximas, como, por exemplo, a geração descentralizada de energia na Amazônia à base de energia solar ou biomassa", avaliou o instituto.
O G1 entrou em contato com o Ministério da Economia e com a Receita Federal, mas não houve comentários até a última atualização desta reportagem.
Detalhamento dos subsídios
A maior parte dos subsídios, mais de R$ 87 bilhões em 2019, representam, segundo o estudo, renúncia de receita por meio de benefícios fiscais, ou seja, valores que deixaram de ser arrecadados.
Esses valores, caso ingressassem nos cofres públicos, não seriam necessariamente convertidos em despesa porque estariam sujeitos à regra do teto de gastos – que limita a maior parte das despesas à variação da inflação do ano anterior. Só poderiam virar despesa se outros gastos fossem cancelados, ou se a regra do teto fosse alterada.
Entre as renúncias registradas em 2019, de acordo com o Inesc, estão:
- R$ 52,7 bilhões por meio do PIS/Cofins e Cide dos combustíveis. Para esse cálculo, o Inesc considera o diferencial entre alíquotas relativas ao PIS-Cofins e Cide-Combustíveis aplicados à gasolina e ao óleo diesel e cobradas em 2019 e aquelas originalmente aprovadas nas legislações que dão base a esta cobrança, ou seja, o limite máximo autorizado por lei. Esses valores, porém, não são considerados pela Receita Federal como renúncia de arrecadação.
- R$ 36,27 bilhões, por meio dos diversos regimes especiais de tributação ao setor de Óleo & Gás, sendo o maior deles o Repetro – que permite importação ou aquisição no mercado interno, com suspensão de tributos federais, de matérias-primas, material de embalagens e produtos intermediários, utilizados na fabricação de produtos destinados à indústria de petróleo e gás natural. Esse regime venceria em 2020, mas foi ampliado e renovado até 2040.
- R$ 10,4 bilhões representaram de fato gastos públicos orçamentários em 2019. Se não fossem feitos, poderiam ser direcionados para outras despesas. Entre esses gastos, estão R$ 6,5 bilhões para cobrir os custos anuais da geração termelétrica, principalmente na região norte do EUA em áreas ainda não interligadas ao Sistema Interligado Nacional, chamadas de “sistemas isolados”.
Eleição nos EUA e reforma tributária
A divulgação do estudo do Inesc foi feita após a eleição de Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos. Ele assume o cargo em janeiro de 2021.
Quando candidato pelo Partido Democrata, Biden anunciou, em julho deste ano, um plano de investimentos de US$ 2 trilhões em quatro anos para aumentar significativamente o uso de energia limpa nos setores de transporte, eletricidade e construção civil, como parte de um conjunto de propostas destinadas a combater as mudanças climáticas e, simultaneamente, criar oportunidades econômicas e construir infraestrutura.
Ele afirmou, ainda, que o Brasil pode enfrentar "consequências econômicas significativas" se não parar de "destruir" a floresta.
Para analistas, Biden deverá fazer pressão política no Brasil para que medidas de preservação da Amazônia, dos povos indígenas e dos direitos humanos sejam implementadas no país.
Nesta terça-feira (10), em evento público no Palácio do Planalto, mesmo sem citar Biden, o presidente Bolsonaro reagiu e afirmou que "quando acaba a saliva, tem que ter pólvora" ao se referir à Amazônia.
No âmbito da reforma tributária, o Ministério da Economia indicou que pretende acabar com a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) dos combustíveis. Para o lugar, no âmbito do imposto seletivo, o governo confirmou estudos para criar um imposto "verde" – sobre a emissão de carbono.
Os chamados impostos "verdes" ou ambientais são destinados a diminuir as emissões de carbono na atmosfera, com o objetivo de tentar frear o aquecimento global e também podem ajudar na redução do desmatamento – por meio da destinação de parte da arrecadação para fundos com esse propósito.
Essa tributação estaria no âmbito do chamado imposto seletivo, em uma segunda fase da reforma tributária, ainda não enviada ao Legislativo, que substituiria o atual Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI).
O formato do imposto verde em estudo ainda não foi divulgado pela área econômica.
Em outros países, entre os produtos tributados estão combustíveis como gasolina, diesel, gás natural, carvão, produção de eletricidade com combustíveis fósseis – cuja combustão provoca emissões de carbono. Também são taxados veículos (automóveis e caminhões, por exemplo) e fábricas poluidoras, entre outros.
Alexandro Martello – G1