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A era dos aviões elétricos parece estar começando


O Estado de S.Paulo - 22 nov 2023 - 10:11

Desde a invenção do avião, um aspecto de como voamos não mudou. Apesar do design evoluído das aeronaves e dos motores melhorados, quase todos os aviões modernos têm uma coisa em comum: são movidos por combustíveis fósseis.

Isso pode estar mudando, no entanto. Assim como os carros elétricos começaram a revolucionar a condução, um grupo crescente de startups está buscando eletrificar o transporte aéreo.

Um exemplo é a Beta Technologies. No mês passado, a empresa fez voar uma aeronave operada por bateria – projetada com asas fixas e capacidade de decolagem e pouso vertical – de sua sede em Vermont até a Base da Força Aérea de Eglin, na Flórida. A jornada totalizou 1.730 milhas (2.780 quilômetros) e marcou a primeira entrega de produtos da empresa para a Força Aérea dos EUA, que fará testes de resistência na máquina inaugural da Beta.

A Joby Aviation, sediada em Santa Cruz, Califórnia, entregou um táxi aéreo totalmente elétrico para a Base da Força Aérea de Edwards em setembro. Cada táxi pode transportar um piloto e quatro passageiros.

No ano passado, a Eviation Aircraft, com sede em Arlington, Washington, realizou um voo teste de um avião de passageiros com nove lugares chamado “Alice”. A empresa disse ter recebido quase 300 pedidos para a aeronave até o fim de 2022, totalizando mais de US$ 2 bilhões (R$ 9,8 bilhões).

À medida que a indústria da aviação enfrenta pressão para se descarbonizar, as alternativas elétricas continuarão se multiplicando.

Pelo menos 60 empresas estão envolvidas na pesquisa e no desenvolvimento de aeronaves elétricas de asa fixa, de acordo com a BloombergNEF.

A consultoria Roland Berger estima que existam 100 programas de aviação elétrica em desenvolvimento em todo o mundo.

No entanto, grandes obstáculos permanecem antes que a tecnologia possa se tornar convencional, incluindo limitações de bateria, preços e aprovação regulatória.

Embora os reguladores estejam começando a emitir aprovações preliminares – mais de 30 países deram sinal verde para um avião elétrico de dois lugares da startup eslovena Pipistrel para uso no treinamento de pilotos –, a maioria dos projetos ainda está na fase de testes.

Por que eletrificar aviões?

A viagem aérea moderna é poluente. A indústria global de aviação é responsável por cerca de 800 milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono a cada ano, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Isso equivale às emissões anuais da Alemanha.

A pegada de carbono da indústria aumenta à medida que a demanda por viagens aéreas cresce: a Organização de Aviação Civil Internacional, apoiada pelas Nações Unidas, projeta que as emissões de voos internacionais devem mais do que dobrar entre 2015 e 2050.

Para reduzir o impacto climático dos voos, o setor está buscando soluções como biocombustíveis à base de etanol de milho e aeronaves movidas a hidrogênio.

No entanto, os suprimentos de combustíveis de aviação mais limpos enfrentam seus próprios obstáculos, tornando as aeronaves elétricas um potencial mercado em crescimento.

Quem está desenvolvendo aeronaves elétricas?

Além de dezenas de startups, muitas operadoras de companhias aéreas, desde a United Airlines, nos EUA, até a Virgin Atlantic, no Reino Unido, e a Japan Airlines, estão investindo em aviação elétrica.

Algumas também se comprometeram a adicionar essas aeronaves às suas frotas comerciais, desde que esses veículos atendam aos padrões de segurança e operação.

Globalmente, o mercado de aeronaves elétricas deve atingir US$ 37,2 bilhões (cerca de R$ 180 bilhões) até 2030, segundo a empresa de pesquisa de mercado MarketsandMarkets, mais que quadruplicando os estimados US$ 8,8 bilhões (R$ 43 bilhões) em 2022.

Atraídas por essa perspectiva, startups e grandes fabricantes estão entrando no espaço. A Airbus SE, maior fabricante de aeronaves do mundo, embarcou em sua jornada de eletrificação em 2010 com um avião acrobático de quatro motores. Desde então, desenvolveu vários modelos.

Startups como a Heart Aerospace, na Suécia, a XPeng Motors, na China e a Regent Craft, nos EUA, também lançaram protótipos elétricos.

Alimentar um avião com baterias recarregáveis não requer grandes atualizações de infraestrutura, diz Rayyan Islam, co-fundador da 8090 Industries, uma empresa de capital de risco que financia projetos de aviação com baixa pegada de carbono.

Isso o torna uma opção atraente para operadoras de companhias aéreas. As aeronaves elétricas também são mais silenciosas do que seus equivalentes a combustão.

No entanto, o peso e a capacidade energética da geração atual de baterias significam que as aeronaves elétricas são apenas “frutas de fácil alcance” para viagens de curta distância, diz Islam.

A tecnologia de bateria existente pode, a um preço razoável, “competir com o status quo” em rotas de voo com menos de 300 milhas (483 quilômetros), segundo ele.

Qual é o estado atual da aviação elétrica?

O setor inclui tanto aeronaves alimentadas exclusivamente por baterias quanto aquelas que utilizam propulsão híbrida-elétrica.

Uma startup que trabalha em soluções híbridas é a Ampaire Inc., uma empresa sediada na região de Los Angeles que converteu um pequeno avião Cessna em um modelo híbrido.

Segundo os cálculos da Ampaire, isso reduziu as emissões em até 70%. A empresa espera obter aprovação regulatória para voos comerciais nos EUA no próximo ano.

Algumas companhias aéreas também estabeleceram datas-alvo para voos elétricos de passageiros. Em junho, a United Airlines anunciou que os passageiros da área de São Francisco poderão utilizar um serviço de táxi aéreo totalmente elétrico até 2026.

A Air Canada planeja oferecer aviação elétrica para clientes domésticos a partir de 2028 e comprou 30 aviões elétricos da Heart Aerospace, capazes de percorrer 124 milhas (200 quilômetros) com uma única carga.

Por enquanto, quase todas as aeronaves elétricas prestes a entrar em operação estão focadas em voos de curta distância. Muitas têm como alvo serviços de táxi aéreo urbano ou de passageiros comuns que normalmente operam entre hubs regionais, como São Francisco e Los Angeles ou Boston e Nova York.

Quais são as barreiras para a expansão das aeronaves elétricas?

Atualmente, voar eletricamente é mais uma ideia em desenvolvimento do que uma realidade para qualquer viajante. Para preencher essa lacuna, as empresas do setor terão que superar obstáculos regulatórios, tecnológicos e, eventualmente, de preços.

Desafios regulatórios

Antes que os clientes possam embarcar em uma aeronave elétrica fora do ambiente de teste, os reguladores precisarão dar sua aprovação.

Nos EUA, a Administração Federal de Aviação (FAA) recentemente delineou passos para permitir com segurança o lançamento comercial de aviões elétricos em pelo menos um local até 2028.

Certificações especiais também foram emitidas para testes de protótipos, mas obter certificação permanece um processo demorado e intensivo em capital.

Algumas startups, como Ampaire e Regent Craft, estão buscando maneiras de contornar esse obstáculo. Ao converter uma aeronave convencional certificada em uma híbrida-elétrica, a Ampaire conseguiu solicitar certificação mais rapidamente.

A Regent também fez lobby contra a FAA liderar uma decisão de aprovação comercial para seus veleiros elétricos de 12 passageiros, argumentando que embarcações marítimas são tradicionalmente supervisionadas pela Guarda Costeira dos EUA.

Desafios tecnológicos

Os engenheiros ainda estão trabalhando para aprimorar a química das baterias mais potentes, que poderiam mover aeronaves pesadas por distâncias suficientes para impactar significativamente as viagens aéreas comerciais.

Eliminar poluentes de CO2 de cada voo de curta distância só reduziria o impacto climático da aviação em cerca de um quarto, de acordo com dados da UP.Partners e da Waypoint.

A aviação de médio e longo alcance (voos com mais de duas horas) representa aproximadamente 73% das emissões do setor.

Baterias de aeronaves mais potentes podem enfrentar seus próprios desafios. À medida que a demanda mundial por veículos elétricos aumenta, a competição pela oferta de baterias de lítio e as matérias-primas usadas para fabricá-las está se intensificando.

Nos últimos anos, os fabricantes de automóveis enfrentaram tanto preços elevados quanto escassez persistente. Com as empresas de aviação elétrica tentando alinhar a produção, os gargalos podem piorar, segundo Islam.

Preços

Para empresas que compram ou fabricam aeronaves, a economia de eletrificação ainda é uma incógnita. Poucos fabricantes de aeronaves elétricas divulgaram preços, e nenhuma companhia aérea falou publicamente sobre a possibilidade de as aeronaves elétricas terem um preço elevado.

Islam observa que os primeiros adotantes da tecnologia provavelmente serão indivíduos ricos que viajam em jatos pequenos, voos fretados ou helicópteros.

E quanto ao combustível de aviação sustentável?

Enquanto as empresas de aviação buscam descarbonizar, o combustível de aviação sustentável (SAF) – um termo abrangente para substitutos do querosene à base de combustíveis fósseis – emergiu como uma alternativa mais ecológica ao combustível convencional.

O SAF pode ser derivado de biomassa, como milho, ou criado como combustível sintético, usando eletricidade, água e dióxido de carbono.

Por exemplo, a companhia aérea alemã Lufthansa afirma que seu SAF feito de óleo de cozinha usado e outros resíduos biogênicos emite cerca de 80% menos CO2 do que o querosene convencional ao longo de todo o seu ciclo de vida.

Governos estão estimulando as companhias aéreas a fazerem a transição para o SAF. A União Europeia deseja que todo o combustível de avião contenha 2% de SAF a partir de 2025, enquanto o Japão visa substituir 10% do combustível usado pelas companhias aéreas locais até 2030.

No entanto, o combustível tem um preço elevado – a Lufthansa diz que o SAF é de três a cinco vezes mais caro do que o querosene regular –, e os fornecedores não conseguem acompanhar a demanda. A produção atual de SAF representa apenas 0,1% do uso de combustível de aviação.