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Miguel Angelo

O biodiesel, a inflação e o aumento da mistura


Miguel Angelo Vedana - BiodieselBR - 26 mar 2012 - 10:14
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Comparar o diesel de petróleo e o biodiesel é injusto. O primeiro é apenas um combustível poluidor que em breve chegará ao fim. O segundo é renovável, menos prejudicial ao meio ambiente, à saúde humana e traz uma série de benefícios à agricultura. Mas mesmo assim é impossível evitar que se faça uma comparação direta, já que ambos são produtos que desempenham a mesma função.

Deixando de lado as externalidades dos dois combustíveis, o biodiesel sai perdendo no principal quesito: o preço. No primeiro trimestre de 2012 o litro do biodiesel foi vendido para a distribuidora cerca de R$ 1,10 mais caro que o diesel, alcançando o valor de R$ 2,47. A mistura de 5% do biocombustível no petrodiesel fez com que o custo das distribuidoras na aquisição de um litro de B5 subisse de R$ 1,37 para R$ 1,425. Uma diferença de 5,5 centavos que, na bomba, representa um acréscimo de 2,67% no atual preço médio do diesel de R$ 2,041.

Esse valor é o impacto direto que o biodiesel causa no preço diesel. Na realidade causou. Como a inflação é calculada mês a mês, esses valores já foram repassados para a bomba e já refletiram em algum percentual nos índices de inflação de anos anteriores. Se esse preço e o percentual de mistura do biodiesel fossem mantidos, teríamos um impacto zero na inflação daqui para frente. Essa situação de variação zero no preço do biodiesel é apenas teórica, já que na prática ele é influenciado, principalmente, pelo preço internacional do óleo de soja e pela intensidade das disputas nos leilões.

Mas essa variação do preço do biodiesel ocorre dentro de uma faixa. Se o preço do óleo de soja sobe 10 centavos, o biodiesel tende a subir cerca de 10 centavos. Considerando o patamar anterior, o mesmo deveria acontecer quando o preço do óleo cai. Nos últimos dois anos o preço do biodiesel para a distribuidora ficou entre R$ 2,30 e R$ 2,50, com exceções de dois trimestres (ou dois leilões, 19º e 21º), onde a competição entre as usinas fugiu do habitual.

Mas o setor de biodiesel está entrando em uma nova fase onde as usinas não conseguirão obter as altas margens que tinham. O preço do biodiesel passará a trabalhar dentro de uma nova faixa de preços, e a julgar pelo resultado do último leilão, essa faixa deverá ser cerca de 30 centavos menor.

Assim, a diferença para o diesel, que foi de R$ 1,10 no primeiro trimestre, cairá para R$ 0,80. Com isso o preço do B5 para as distribuidoras passará de R$ 1,425 para R$ 1,41. Se a distribuidora e os postos repassassem automaticamente os preços ao consumidor, o diesel teria seu preço reduzido em 0,71% na bomba, ou seja, cairiam de R$ 2,041 para R$ 2,0265. Vale lembrar que a cadeia de distribuição apresenta variáveis que não permitem esse repasse automático, mas um novo patamar sustentado de preço para o biodiesel, eventualmente refletirá no valor para o consumidor final.

Muitos devem achar essa redução irrisória, cerca de 1,5 centavo, mas o governo não deve estar nesse grupo. Há tempos uma das maiores pedras no caminho das usinas tem sido o impacto que o aumento da mistura causaria na inflação. O governo diz que se for aumentada a mistura de biodiesel para 7% teríamos um impacto inflacionário indireto inaceitável. O valor desse impacto é desconhecido do setor, já que as usinas ainda não apresentaram nenhum estudo mostrando qual seria esse número. Mas podemos deduzir que esse impacto indireto na inflação seja igual tanto no aumento quanto na redução do preço do diesel.

Levando em consideração os preços do biodiesel no primeiro trimestre, a distribuidora pagou cerca de R$ 1,4245 por litro de B5 e, se a mistura fosse B7 teria pago R$ 1,4463, o equivalente a 2,18 centavos de real a mais. Esses dois centavos são a parte principal da equação que traz como resultado o impacto inflacionário inaceitável nesse momento pelo governo.

Mantendo-se este patamar de preço, esses números apresentados acima me permitem projetar que no segundo trimestre, na comparação com os primeiros três meses do ano, o biodiesel causará um impacto deflacionário indireto equivalente a 2/3 do impacto inflacionário que o governo quer evitar com o aumento da mistura para B7. Isto, é claro, se o repasse não for absorvido até chegar no consumidor final.

É evidente que para que isso aconteça é preciso que o preço do biodiesel se mantenha nesse novo patamar. Ano passado, no leilão para o mesmo período, tivemos um preço de biodiesel semelhante que não perdurou sequer o trimestre seguinte. Este ano a situação deve ser diferente porque estamos tendo uma oferta real de biodiesel maior, e o governo está preparando um novo modelo de leilões com o objetivo de manter a competição mesmo em situações onde a oferta não é tão grande.
A questão é saber como o governo vai reagir com um preço de biodiesel constantemente menor. Considerando os valores do último leilão, é possível aumentar a mistura para B7 com impacto zero no preço final do diesel, o que é muito bom para todos.

Mas antes que este vire o novo mantra do setor produtivo, é preciso ter em mente que o governo não pensa apenas nos preços do biodiesel para o próximo trimestre ou para o próximo ano. Outra grande preocupação do governo é evitar o aumento da dependência da cotação do óleo de soja no preço do diesel na bomba. Com uma mistura maior de biodiesel no diesel, as oscilações do óleo de soja passam a interferir muito mais no preço final do combustível fóssil.

Uma possível solução para situação é criar um aumento de mistura flexível e vinculado a diferença de preço entre o combustível fóssil e o renovável. Em períodos onde o preço do óleo de soja está alto, a mistura de biodiesel seria de 5% e quando estivesse com preço melhor, subiria para 7 ou 8%. Assim o governo conseguiria eliminar o impacto do biodiesel no preço do diesel, mantendo nos níveis atuais.

É evidente que aqui estou considerando que a ANP lançará a nova especificação do biodiesel de maneira que resolva os problemas de qualidade, tão prejudiciais e já apontados pelos postos e distribuidoras.

O problema é realmente o impacto?
Analisando todos esses números, vemos que o impacto do biodiesel no preço final do diesel e por consequência na inflação existe, mas não é grande. A impressão que fica é que o governo usa essa situação como desculpa para não aumentar a mistura, quando o real motivo é outro.

Se tivesse que apostar no verdadeiro motivo, diria que o governo não aumenta a mistura de biodiesel porque não visualiza nenhum ganho político. O que mudaria hoje no país se a mistura subisse de 5 para 7%? Mais emprego, mais renda para o agricultor, menos poluição nas cidades e uma série de outras coisas, só que nenhuma delas foi mensurada. O único número fácil de calcular com o aumento da mistura é o benefício das usinas. E é por isso que as usinas precisam mensurar o quanto e quem mais será beneficiado com uso ampliado do biocombustível. Um estudo confiável, cheio de dados concretos, deverá atrair a atenção da presidente para o setor de biodiesel. É preciso derrubar o mito de que só as usinas ganham com o aumento de mistura do biodiesel.
 
Miguel Angelo Vedana é diretor-executivo da BiodieselBR e faz parte do conselho editorial da revista BiodieselBR.