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Editorial: Biodiesel derramado


Folha de S. Paulo - 15 out 2007 - 07:14 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Programa não atinge meta de produção, mas governo federal já estuda antecipar mistura de 5%, planejada para 2013

AS DIFICULDADES do programa de biodiesel do governo federal ilustram a máxima segundo a qual o caminho para o inferno está pavimentado de boas intenções. Não há carência delas no projeto, em especial quando o presidente da República está por perto, geralmente sobre um palanque. O que seus muitos discursos pintam como salvação ecológica da lavoura familiar se acha à beira do fracasso no chão duro da realidade.

Em lugar de absorver a mamona e o dendê que o romantismo presidencial sonha ver colhidos no Nordeste e no Norte por agricultores pobres, as mais de 40 usinas de biodiesel autorizadas usam como matéria-prima entre 80% e 90% de soja. Depois que os preços da commodity subiram nos mercados interno e externo, o litro do óleo comestível de soja foi a R$ 2 e bateu o R$ 1,80 obtido pelo produtor de biodiesel.

Com isso, até o mês de agosto haviam sido produzidos só 261 milhões de litros do biocombustível, menos de um terço do projetado para 2006/2007. Tal volume é insuficiente para cumprir o objetivo de tornar obrigatória, em 2008, a mistura de 2% de biodiesel a todo o óleo diesel comercializado. Para tanto, haveria que garantir 800 milhões de litros anuais, mas em 2007 a produção não deve chegar a 400 milhões.

Capacidade instalada nas usinas não falta, pois elas estão aparelhadas para quase 2 bilhões de litros. Falta é matéria-prima em volume e preço compatíveis. A mamona e o dendê de Lula não respondem nem por 3% da produção (até sebo e algodão ganham das oleaginosas que o presidente já chamou de "pés de petróleo"). Com a estiagem dos últimos meses, a safra dos pequenos produtores deve ter quebra de 20%, avalia o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Com o fito de transformar o biodiesel num programa de inclusão, o governo criou até um "Selo Combustível Social" para distinguir usinas que apóiem agricultores familiares. De posse da chancela, elas ganham acesso aos leilões de compra do combustível, a financiamentos do BNDES e a isenções fiscais.

Apesar das vantagens, insuficientes ao que parece para contrabalançar o custo transacional de obter o selo, a participação da agricultura familiar no biodiesel ainda é minoritária: 24%, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ou 36%, para o de Minas e Energia. É óbvio que o planejamento não funcionou.

Em vez de rever o plano, o governo federal dá sinais de que pode acelerá-lo. Não só seria mantida a meta de mistura a 2% em 2008, como também se cogita antecipar a de 5%, antes fixada para 2013. O raciocínio é que o aumento da demanda por decreto elevaria os preços e, assim, a remuneração dos produtores.

Calcula-se que isso acrescentaria dois centavos ao preço do diesel, que teriam de ser cobertos pelo Estado ou pelo consumidor. É o mesmo que pavimentar a estrada malprojetada do biodiesel também com subsídios ou inflação, além de boas intenções.

Editorial Folha de S. Paulo