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Selo: Vida Severina


Edição de Out / Nov 2012 - 30 out 2012 - 15:46 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 10:39
materia vida severina
Domínio da soja segue moldando o programa de biodiesel, e aos poucos vai ficando mais difícil a vida das usinas menores e não verticalizadas


Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

Trabalhar com biodiesel nunca foi fácil. Trata-se de um produto novo no mercado brasileiro, com limite de venda definido pelo governo. Para garantir esse mercado, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) trouxe em suas premissas uma série de responsabilidades para os produtores. A mais notória está relacionada com o desenvolvimento da agricultura familiar.

Já no lançamento do PNPB, em 2004, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontava o tanto que se esperava desse biocombustível. “Já há muito tempo que o Nordeste brasileiro espera uma oportunidade para voltar a ter esperança. A esperança que se teve com o couro, muitos séculos atrás, a esperança que se teve com a cana, durante muito tempo; depois, a esperança do que significou a Sudene para o Nordeste brasileiro; depois, a esperança de uma parte do agronegócio, em algumas regiões do Nordeste; depois, a esperança da fruticultura irrigada, em outra parte do Nordeste”, discursou.

Para garantir que o biodiesel efetivamente tivesse esse papel de promoção da agricultura familiar, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) criou o Selo Combustível Social, um certificado que garante às usinas que o detêm uma melhor condição de negociação nos leilões de biodiesel da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e também uma redução na alíquota do PIS/Pasep e do Cofins. O dispositivo é simples: para ter o selo, o produtor de biodiesel precisa garantir a compra de um percentual mínimo de matéria-prima junto a produtores familiares, além de assegurar assistência técnica e capacitação para esses fornecedores.

A proposta, que foi lançada também em 2004, tinha a meta de atingir 200 mil agricultores. No entanto, o programa só conseguiu cumpri-la pela metade: 100 mil produtores em 2010, segundo dados divulgados em 2011. É um reflexo da dificuldade de proporcionar inclusão social dentro das regras estabelecidas pelo PNPB.

Negócio arriscado

Mas para alguns produtores de biodiesel, esse não é o único problema a ser enfrentado. Mais do que garantir a entrada de um maior número de agricultores no programa, sugerem os empresários, o governo deveria corrigir distorções no próprio mecanismo do selo social, para evitar que o mercado de biodiesel seja dominado apenas pelas maiores empresas.

O assunto é tabu entre as usinas. Chamadas a conversar sobre o assunto com a reportagem de BiodieselBR, a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) e a Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio) não quiseram falar. Até o fechamento desta edição, a Ubrabio não havia sequer respondido ao pedido de entrevista e a Aprobio informou via assessoria de imprensa que preferia não comentar o assunto.

Mas algumas usinas quebraram o silêncio. Informaram que, em sua forma atual, o Selo Combustível Social está beneficiando as grandes empresas. E foram além, afirmando que a iniciativa está favorecendo justamente aquelas que estão inseridas no negócio da soja – seja em grão, farelo ou óleo. E isso estaria deixando as pequenas e médias em situação difícil.

A conta que fazem é a seguinte: as usinas verticalizadas, ou seja, que detêm o esmagamento da matéria- prima, já possuem a estrutura de negócio pronta para negociar o farelo e ficar com o óleo para a produção de biodiesel. Já quem atua somente no mercado de biodiesel precisa comprar o grão, arranjar uma parceria que garanta o esmagamento e ainda dar um destino para o farelo e o óleo que não chegam a ser aproveitados na produção do combustível. Isso, dizem elas, cria ineficiências e incha as empresas, desviando-as do que deveria ser seu core business.

As pequenas e médias ainda reclamam que é preciso sair à caça para encontrar agricultores familiares em condições de produzir e entregar soja a preços que não prejudiquem a competitividade nos leilões de biodiesel.

Apesar do modelo verticalizado ter mais eficiência e estrutura, e, portanto, melhores condições de garantir preço mais baixo ao consumidor, nem todos concordam que as grandes deveriam dominar o mercado.

A logística de todo o negócio toma tempo e exige investimentos importantes das empresas, explica Nivaldo Tomazella, diretor industrial da usina paranaense Biopar. “Não somos esmagadores. Então tem que comprar o grão do agricultor familiar e trocar com óleo”, reclama.

Para o empresário, há outro fator que adiciona complexidade à operação do modelo não verticalizado. Como sua usina não atua no mercado da soja, é preciso comprar mais matéria-prima do que o necessário, mesmo em épocas em que o preço está em alta. “Eu compro quando o agricultor tem para vender, quando ele colheu”, explica. “Quem já está no mercado tem estratégia de compra para a safra toda. Eu não consigo fazer o mesmo.”

Na fluminense Cesbra, o problema é o mesmo. “Temos que criar toda uma operação nova dentro da empresa, uma operação que está num segmento muito maior que o mercado de biodiesel”, reclama Carlos Omar Polastri, diretor executivo da usina. Isso porque o óleo, que é oque a usina realmente precisa para produzir o biodiesel, representa só 18% a 20% do grão esmagado. O restante é farelo, que precisa ser escoado para o mercado de alguma forma. Enquanto para as esmagadoras o farelo é o produto principal, para os demais ele parece ser um problema.

Essas reclamações tornam mais claros os motivos pelos quais as tradicionais empresas de grãos entraram no mercado. Quando já estava bastante evidente que a soja dominaria o PNPB, Bunge, Cargill e Noble anunciaram que se juntariam a outras tradicionais empresas que já haviam percebido este filão, como ADM, Caramuru, Granol e Oleoplan.

Desvantagens das verticalizadas

As grandes usinas têm uma visão um pouco diferente e até apontam uma desvantagem de ter uma esmagadora. A portaria do Selo Combustível Social trouxe vantagens para as usinas que não esmagam a soja, pois o volume de compra da agricultura familiar é baseado no valor total de aquisições da indústria. Ou seja, ao contrário das esmagadoras, que compram o grão, as não verticalizadas recorrem diretamente ao óleo, repassando um volume financeiro menor em relação ao total que pretendem produzir de biodiesel.

Exemplificando: uma usina que comprar 100 mil toneladas de óleo de soja para fabricar biodiesel, gastará cerca de R$ 300 milhões. Se estiver no Centro-Oeste, vai precisar comprar R$ 45 milhões da agricultura familiar, que equivalem a 600 mil sacas de soja. Uma usina verticalizada comprará o grão ao invés do óleo, e terá de adquirir 500 mil toneladas de grão para obter as mesmas 100 mil toneladas de óleo. O custo desse grão será de R$ 625 milhões, obrigando a usina a gastar R$ 93,75 milhões com a agricultura familiar (1,25 milhão de sacas de soja). Essa disparidade faz com que as usinas verticalizadas invistam muito mais do que as demais na inclusão social. No entanto, a regra não impede que as verticalizadas passem a comprar apenas o óleo, se entenderem que vale a pena economicamente.

Inclusão social

Polastri acredita que o modelo de inclusão social deve ser melhorado, pois da forma como está, “transfere para os produtores de biodiesel a função de promover a agricultura familiar, o que é algo que o Ministério do Desenvolvimento Agrário e outros órgãos do governo têm muito mais condições de fazer”. Para o executivo, a solução seria criar uma contribuição obrigatória que substituísse a compra de matéria-prima dos agricultores. “A indústria [de biodiesel] não se nega a contribuir [com o desenvolvimento social]. Só que haveria mais eficácia nesse investimento se ele fosse feito diretamente por quem entende do assunto. Nós não entendemos, não somos preparados para isso”, opina.

A situação, relata Polastri, é particularmente ruim para sua usina, instalada no Rio de Janeiro, estado sem tradição agrícola. “Estamos na mão dos produtores de outros estados, das cooperativas, de técnicos, dos quais precisamos para dar conta de manter o Selo”, explica o executivo. “A vantagem que temos é a de estar num grande centro consumidor e sermos a única usina do estado”, avalia.

Alta da soja

A situação das usinas ficou ainda pior com a alta do preço da soja na última safra, apontam Tomazella e Polastri. O grão está supervalorizado em função da quebra de safra no Rio Grande do Sul, na Argentina e nos Estados Unidos. “Essa loucurado preço da soja complicou ainda mais esse processo”, diz o diretor da Biopar. “Quem não esmaga não consegue ficar no mercado.”

A solução para a Biopar será fechar uma parceria com uma esmagadora e trabalhar em conjunto. “Também estamos trabalhando com matérias-primas alternativas”, revela Tomazella. Tudo para manter o preço da usina competitivo e não perder o Selo Combustível Social. A parceria também ajudaria a empresa a atuar como uma indústria verticalizada sem que seja necessário o investimento numa esmagadora.

Já na opinião da Cesbra, a solução para as pequenas e médias indústrias será o aumento do teor de biodiesel de 5% para 7%, que ainda não tem data para acontecer. “A gente não quer os 7%, a gente precisa dos 7% para conseguir aumentar a produção e manter a lucratividade do negócio”, defende.

Instrução Normativa

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que é o órgão responsável pelo Selo Combustível Social e estuda as alterações que podem ou não vir a ser aplicadas ao programa, reconhece que as usinas não verticalizadas dependem de um processo mais complexo para a manutenção dos benefícios. “No caso de empresas não verticalizadas, elas perdem competitividade por, entre outras razões, depender de aquisições de óleos vegetais, que muitas vezes são produzidos por outras empresas produtoras de biodiesel. Dessa forma, a flexibilidade produtiva da estrutura industrial significa um incentivo positivo à verticalização, redução de custos e aumento da competitividade”, diz André Grossi Machado, coordenador geral de biocombustíveis da Secretaria da Agricultura Familiar do MDA. Mas para ele, decidir por um processo verticalizado ou não extrapola os objetivos do selo social.

Segundo o MDA, não há uma demanda formal apresentada ao órgão solicitando alterações no programa de forma a resolver os problemas das usinas não verticalizadas. Por isso, informa a instituição, não há nenhum estudo em andamento a esse respeito. A última alteração realizada pelo MDA no selo foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 10 de setembro, e traz diversas modificações importantes, como aumento no percentual de aquisição no Sul para 35% e maiores benefícios para usinas que compram matéria-prima de cooperativas e de produtores do Nordeste e Semiárido.

Na opinião do diretor da Cesbra, se nada mudar, em breve o programa brasileiro de biodiesel poderá ser “entregue na mão das verticalizadas”. “Todas as mudanças recentes foram para beneficiar as grandes usinas. E com isso o que temos visto é justamente a entrada de mais empresas do agronegócio no mercado e a aquisição de pequenas e médias usinas pelas grandes.”

Apesar de se tratar de uma evolução natural e que garante preços mais baixos para o biodiesel, Polastri afirma que “isso não é positivo para o mercado e cria dificuldades para quem é menor mas quer continuar produzindo”.

Contradição

Apesar das reclamações, o resultado do 27º leilão de biodiesel, realizado no final de setembro, mostrou uma situação no mínimo contraditória. As usinas brasileiras são bastante heterogêneas em diversos aspectos estruturais muito importantes, como tamanho, organização administrativa e localização. Mesmo assim, o último certame não mostrou sinais de que as unidades menores estivessem com dificuldades. 27 das 39 empresas (69%) que disputaram o leilão venderam 100% do biodiesel que colocaram no mercado e 91% do volume colocado à disposição das distribuidoras foi arrematado. Ou seja, apesar de todas as dificuldades das pequenas, elas competiram de igual para igual com as grandes, e quem teve interesse em vender biodiesel conseguiu.