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Meio ambiente: Sustentabilidade em cheque


Edição de Out / Nov 2012 - 31 out 2012 - 09:23 - Última atualização em: 13 dez 2012 - 10:39
materia sustentabilidade
Cadeia produtiva do biodiesel considera setor sustentável, mas críticas internacionais escancaram preocupação do setor


Vinícius Boreki, de São Paulo

O mercado mundial de biodiesel vive uma crise de identidade no pós-Rio+20: o biocombustível que sempre se orgulhou de ser renovável tem tido suas credenciais de produto sustentável atacadas em várias frentes. O epicentro da crise, que começa a se alastrar, está na União Europeia, onde um novo conceito científico questiona a validade de seu uso em políticas de mitigação do efeito estufa. Conhecido como mudança indireta no uso da terra (Iluc, na sigla em inglês), o conceito advoga que, se as lavouras utilizadas na produção de matéria-prima avançarem sobre florestas nativas, a liberação de gás carbônico provocado pelo desmatamento mais do que neutraliza os benefícios dos biocombustíveis.

Além disso, no último mês o biodiesel brasileiro sofreu forte ataque vindo do governo colombiano: conforme estudo realizado pelo país sul-americano, o biocombustível brasileiro à base de soja reduz em apenas 19% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) enquanto o de nossos vizinhos – que usam dendê – derruba em 83% o dano ao meio ambiente.

Apesar das críticas internacionais, a cadeia do biodiesel brasileiro se considera sustentável, alegando que tanto as observações do governo colombiano quanto a discussão a respeito do Iluc são fruto de disputas comerciais travestidas de preocupação com o meio ambiente. A visão tem fundo de verdade, visto que, num futuro próximo, pode haver competição para ganhar o mercado europeu. Contudo, a crítica parece ter gerado preocupação em setores do governo, e o Ministério de Minas e Energia (MME) chegou a encaminhar o estudo colombiano para agentes do setor produtivo para saber o que pode ser feito. Em resposta por e-mail ao questionamento da reportagem de BiodieselBR, o ministério alegou que “encaminhou esse estudo colombiano às principais entidades do setor, que nos informaram que estão desenvolvendo pesquisas e avaliações em conjunto sobre o caso brasileiro”.

Em uma avaliação geral, o MME vê com ressalvas as iniciativas para estabelecer uma metodologia aceita no mercado internacional como um todo, mas considera que o setor produtivo brasileiro tem condições de se adequar a qualquer padrão ambiental exigido. “Nessas discussões sempre estará presente a defesa dos interesses geopolíticos e econômicos de cada nação, algumas vezes conflitantes, particularmente se considerarmos países com diferentes potenciais de matérias- primas e alternativas energéticas”, afirma o e-mail do ministério encaminhado à reportagem.

A Associação dos Produtores de Biodiesel (Aprobio) prefere colocar panos quentes na questão, afirmando não conhecer a íntegra do estudo colombiano. Adotando tom mais político, a associação considera possível tornar o setor mais eficiente em todos os sentidos, incluindo o da sustentabilidade. “Somos uma indústria que está começando e tem muito a trilhar”, resume o presidente da entidade, Erasmo Carlos Battistella. Com um ano de existência, a organização ainda não implantou progra-ma setorial incentivando melhores práticas para o setor, mas a medida parece ser apenas questão de tempo. “Estamos começando uma jornada que nos orgulha pelo pioneirismo e pela inovação do negócio. Por isso, temos agenda constante de participação em seminários e congressos para debates técnicos, além de contatos bilaterais com instituições de pesquisa em tecnologia e mercados, como a Embrapa e a FGV”, explica Battistella.

Rumos

Nas conversas de BiodieselBR com representantes do governo, setores produtivos e pesquisadores, observa- -se pelo menos cinco diretrizes para tornar o setor mais sustentável: a redução da dependência da soja; a adoção de matérias-primas adequadas às características geográficas das regiões brasileiras; a diminuição do uso de insumos com aumento da produtividade; o aumento da eficiência do transporte; e, por fim, a melhora dos processos logísticos de usinas e distribuidoras.

No caso da soja, o exemplo do Mato Grosso ilustra o aumento da produtividade. Entre as safras 2005/2006 e 2010/2011, houve aumento superior a 30% na produção, que saltou de 15,6 milhões para 20,5 milhões de toneladas. Atribui-se esse crescimento a um aumento de 22% na produtividade das lavouras do grão e à expansão da cultura, sendo que, em 91% desses casos, o avanço se deu sobre áreas antes dedicadas à pecuária. Isso não é tudo, o desmatamento no estado caiu notavelmente no mesmo período, atingindo 850 km²– cerca de 11% dos 7,6 mil km² registrados entre 1996 e 2005. O estudo foi desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), com a participação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), doInstituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), da Universidade de Columbia e da Nasa, dos Estados Unidos.

Apesar do saldo positivo, a pesquisa “Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal”, do Ipam, vê com preocupação a possibilidade de destruição da floresta amazônica, especialmente pelo possível aumento do preço da soja no mercado internacional e pelas previsões de se dobrar a produção até 2020. “Considerando as ameaças, é urgente que o Brasil escolha um caminho de desenvolvimento que seja baseado numa economia de baixa emissão de carbono, onde o setor florestal desempenhe um papel fundamental como alavanca para o crescimento econômico”, diz o estudo. Por ora, contudo, não se pode atribuir à plantação de soja o desmatamento da Amazônia [veja gráfico].

grafico amazonia
Fonte: Conab, IBGE e Inpe


Aliás, o setor vê esse tipo de afirmação como uma assombração, uma espécie de mentira que se contou tantas vezes que já se tornou meia verdade. “Apresentações de 2004 e de 2005 diziam que a Amazônia ia acabar em pouco tempo, mas os estudos não incorporam questões como políticas públicas”, diz Daniel Furlan Amaral, gerente de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Em uma tentativa de proteger as florestas, o governo federal apostou no programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que prevê até R$ 3,1 bilhões em financiamentos para práticas que neutralizem ou reduzam o efeito estufa. Apesar das cifras vultosas, a iniciativa, lançada em 2010, ainda está engatinhando. Em sua primeira safra, o programa não se saiu particularmente bem: apenas 103 projetos foram contratados num total de R$ 60 milhões financiados. Neste ano, o panorama melhorou, mas ainda está longe de alcançar o total disponível: mais de 3 mil contratos foram aprovados, superando o montante de R$ 1 bilhão financiados. A pesquisa identifica barreiras para tornar a iniciativa mais eficiente. O Ministério do Desenvolvimento Agrícola (MDA) vê as iniciativas do ABC para a produção de biocombustíveis como promissoras.

Se a produção se adequa às necessidades ambientais, também deve ser transportada de forma coerente. E o Brasil está longe disso. Os gargalos em termos rodoviários já são notórios e o setor ferroviário, comprovadamente uma opção mais eficiente em evitar perdas e diminuir o consumo de combustíveis, continua à margem dos investimentos públicos e privados. “Se houver melhoria da malha ferroviária, o transporte por trem ou até por hidrovia será mais usado. Mas não podemos esquecer que o transporte rodoviário tem setornado mais eficiente, principalmente em termos ambientais”, diz Amaral.

Diversificação

Não é novidade que aproximadamente 80% da produção do biodiesel brasileiro tem a soja como matéria-prima – cerca de 13% vem do sebo bovino e o restante se divide entre outras fontes. No entanto, setores do governo e da própria cadeia produtiva observam a diversificação como um dos aspectos relevantes. Plantas mais apropriadas a determinado tipo de solo e clima diminuem o uso de insumos, favorecendo a produção. Essas mudanças, contudo, devem acontecer de forma gradual, com um prazo mínimo de cinco anos para a redução da concentração da soja como principal matéria- -prima. E a palma é a maior aposta de mudança. “Os investimentos de 2012 vão impactar somente em 2020. A palma não pode ser tratada de uma forma romântica, o que evita o fracasso visto com a mamona ou o pinhão-manso”, afirma Décio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa.

“A Embrapa está investindo forte no dendê [palma] e abriu novas linhas de pesquisa, buscando a subtropicalização para uma adaptação fora da floresta úmida. O dendê é muito eficiente, mas o mercado não pode ficar parado esperando”, explica o pesquisador da Embrapa. André Machado, coordenador do programa de biocombustíveis do MDA, considera a palma a maior alternativa de diversificação para o Programa Nacional de Produção de Biodiesel no curto prazo. Motivos? “O uso da palma de óleo no Pará é positivo, associado ao fato de estar sendo incentivado por um programa do governo federal que procurou estabelecer todas as regras de sustentabilidade da atividade, seja com projetos de lei que proíbem a supressão de vegetação nativa, seja com a criação de linhas de crédito e recursos para pesquisa”, diz.

Importância social

Outro quesito da sustentabilidade é o aspecto socioeconômico – muitas vezes colocado em segundo plano em detrimento do meio ambiente. “Nenhum produto mais sobrevive sem comprovar a segurança socioambiental”, afirma Amaral, da Abiove. “A sustentabilidade explica o biodiesel não só pelo aspecto ambiental. Na área social, há geração de empregos e renda, associada à possibilidade de se regionalizar culturas, melhorando as condições de vida de regiões e pessoas que estavam à margem”, diz.

O raciocínio de Furlan é compartilhado por Machado, do MDA, e pelo presidente da Aprobio, Erasmo Carlos Battistella. “O uso de matérias-primas regionais procura incentivar culturas aptas às regiões e favoráveis às condições e experiência dos agricultores. Nesse sentido, as potencialidades de geração de renda, convivência com alterações climáticas e melhor e mais eficiente uso de insumos colaboram para a sustentabilidade”, diz Machado.

Battistella segue na mesma linha de pensamento: a agricultura familiar sustentável é um dos pilares do setor. “São mais de 100 mil famílias de pequenos agricultores que fornecem matéria-prima para a indústria, o que representou, no ano passado, o maior repasse de receita para o homem do campo, com R$ 1,4 bilhão. Verba superior a todo o orçamento para a reforma agrária no período, segundo dados do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário”, revela. Somente alguns desses agricultores, contudo, fornecem espécies menos comuns à produção do biodiesel no país, caso do amendoim, gergelim e canola. “Essa mudança é uma questão de organização em cooperativas e incentivo por meio de políticas públicas, como o governo já faz com o Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel (PNPB)”, diz.