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Rio +20: O papel do biodiesel nas discussões


Edição de Jun / Jul 2012 - 20 jun 2012 - 11:35 - Última atualização em: 10 jul 2012 - 17:18
Brasil sedia maior evento internacional sobre sustentabilidade em uma década. Setor de biocombustíveis pode sair de lá fortalecido.

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Enquanto o leitor estiver com essa edição de BiodieselBR nas mãos, uma enorme – e altamente variada – multidão de pessoas vindas dos quatro cantos do planeta estará desembarcando no Rio de Janeiro para participar de uma reunião que pretende pouco menos do que salvar o mundo. Trata-se da Rio+20, megaevento realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre os dias 13 e 22 de junho.

Por extenso, chama-se Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, e tem tudo para ser o maior acontecimento do gênero desde a Eco 92 (ou, se preferir, Rio 92) – a histórica conferência internacional que colocou, de uma vez por todas, a defesa do meio ambiente e da sustentabilidade no radar da política internacional. O evento nos anos 90 tornou-se tão emblemático que o retorno ao mesmo palco no seu vigésimo aniversário foi uma aposta da ONU para reenergizar o processo internacional de debates em torno do meio ambiente. O tema andou perdendo embalo nos últimos anos em função das dificuldades em obter resultados mais substanciosos nas negociações do Protocolo de Quioto e da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Desta vez, as discussões vão se articular em torno de dois eixos principais. O primeiro diz respeito à criação de uma estrutura institucional que consiga a musculatura necessária para promover o desenvolvimento sustentável nos diferentes países através do fortalecimento do mandato do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) ou – proposta patrocinada pela União Europeia (UE) – do estabelecimento de algum tipo de organização mundial do meio ambiente com poderes similares aos da Organização Mundial do Comercial (OMC) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O segundo ponto gira em torno de algo meio nebuloso que vem sendo chamado de “economia verde”.

Economia verde

O Esboço Zero da Rio+20 – documento sintético da ONU que serve de ponto de partida no processo de construção da declaração final da conferência –, por exemplo, se furta a dar uma definição precisa sobre o termo e sobre suas diferenças em relação à economia – presumidamente não verde – de hoje. No geral, o texto afirma que a economia verde não é “um conjunto de regras rígidas, mas uma estrutura de tomada de decisões” que serve como meio para chegar ao desenvolvimento sustentável contribuindo para atingirmos metas-chave em diversos campos.

Mesmo sem muita clareza sobre o que virá, há boas razões para acreditar que há boas novas para o setor de biocombustíveis. É essa a opinião do físico e professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da USP, José Goldemberg. “Embora não exista uma definição do que seria esta ‘economia verde’, podemos depreender que seja uma economia de baixo carbono. Nesse sentido, os biocombustíveis podem contribuir”, explica, acrescentando que os biocombustíveis são a única opção disponível para substituir os derivados do petróleo no setor de transportes. “Para a geração de eletricidade existem diversas alternativas, já para os transportes, as opções tecnológicas, como carros elétricos e a hidrogênio, ainda demandam pesquisa.” Além de um dos grandes especialistas brasileiros em biocombustíveis, Goldemberg foi o titular da Secretaria Nacional do Meio Ambiente (a pastaainda não tinha status de ministério) na época da Eco 92.

O presidente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), Erasmo Carlos Battistella, vai na mesma toada. “Seria até uma loucura se os biocombustíveis não fizessem parte da economia verde. Está mais do que provado que a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial precisa ser diminuída de forma estruturada e equilibrada para diminuir os danos ao meio ambiente”, afirma. “Nossa expectativa é que a Rio+20 possa ser um palco importante para o encaminhamento de tomada de decisões.”

Processo oficial

Isso não significa que os figurões que se reunirão no Riocentro vão passar muito tempo falando de biodiesel ou de etanol. A verdade é que os biocombustíveis estão tão na periferia do processo que o Esboço Zero sequer os menciona. Ainda assim, seria impossível ignorar o assunto completamente, conforme explica o gerente de sustentabilidade da União da Indústria da Cana- -de-Açúcar (Unica), Luiz Fernando do Amaral. “Embora ele não vá ser debatido especificamente, sem dúvida nenhuma os biocombustíveis serão um tema transversal. De uma maneira ou de outra, eles estão ligados aos temas do desenvolvimento sustentável como segurança energética, agricultura, desenvolvimento rural e social”, pondera.

Pelo menos um dos participantes dos debates oficiais vai levantar a bandeira dos biocombustíveis. No dia 15 de junho, a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) participa do fórum Transporte e Sustentabilidade na Cidade do Futuro, onde vai apresentar suas experiências com o uso de biodiesel e de diesel renovável feito com cana-de-açúcar. “São poucas as oportunidades para participar dos debates oficiais no Riocentro porque é um evento fechado. Até onde sabemos seremos a única organização brasileira do setor de mobilidade urbana presente”, conta Guilherme Wilson, gerente de planejamento da entidade, para quem os “biocombustíveis são a grande vocação do Brasil para reduzir as emissões nos transportes públicos”.

Mesmo que as chances de participação sejam limitadas, Amaral ressalta que um bom bocado das decisões a serem tomadas poderá ter um impacto – para o bem ou para o mal – na formacomo um futuro mercado global de biocombustíveis será formatado.

Não são favas contadas, mas é boa a chance de que um dos resultados da Rio+20 seja a elaboração dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de metas nos mesmos moldes dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) que a ONU lançou em 2000 para acelerar a melhoria de indicadores sociais. Se isso virar realidade, os biocombustíveis têm tudo para ganhar força. “Se os países tiverem que adotar metas para a participação das energias renováveis em suas matrizes, os biocombustíveis farão parte do processo”, afirma o gerente da Unica.

Polêmica

Não é só a favor que os ventos estão soprando. Nos últimos anos, a fama dos biocombustíveis como mocinho das causas ambientais têm levado uns belos golpes. Ano passado, a companhia finlandesa Neste Oil foi a “ganhadora” do Public Eye Award – antiprêmio dado à empresa que teve a pior performance socioambiental – justamente por seu envolvimento no desmatamento de florestas no sudeste asiático para abrir espaço para o plantio da palma de óleo usada na fabricação de biodiesel. E isso no mesmo ano em que a British Petroleum protagonizou um dos piores derramamentos de petróleo da história.

Com a turma mais combativa dos movimentos socioambientais toda reunida no Rio de Janeiro, é razoável esperar que venha chumbo grosso por aí.

As críticas costumam focalizar dois pontos: o desvio de produtos alimentícios para a fabricação de biocombustíveis e a expansão das culturas energéticas sobre áreas de mata nativa. De acordo com vários dos entrevistados, existe muita confusão e boa parte das críticas simplesmente não se aplica ao modelo brasileiro de biocombustíveis. “O tema foi contaminado pela história do Sudeste Asiático, onde a expansão da palma para o biodiesel realmente foi um vetor de desmatamento. O que não pode acontecer é que o nosso biocombustível também leve esse rótulo”, reclama a professora do Instituto de Química da USP e coordenadora do Programa de Pesquisa em Bioenergia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Bioen-Fapesp), Glaucia Mendes Souza.

Para a pesquisadora, tem faltado um pouco de pró-atividade na divulgação internacional dos dados relacionados ao modelo brasileiro de produção de biocombustíveis. “Nossos pesquisadores precisam publicar mais seus resultados nos jornais internacionais para mostrar que não estamos desmatando para plantar energia.” Nesse sentido, a Rio+20 será uma janela para desfazer alguns dos equívocos.

Daniel Furlan Amaral, economista da Associação Brasileira da Indústria dos Óleos Vegetais (Abiove), também ressalta que essa será uma oportunidade para a agroindústria brasileira melhorar sua imagem. “Tem uma série de preconceitos e informações erradas sobre a relação do agronegócio brasileiro e com a sustentabilidade que precisam ser desmistificadas. Seria muito interessante aproveitar a oportunidade para mostrar a outros atores todo o esforço coletivo que temos feito”, comenta, ressaltando que além de ser uma das líderes da Moratória da Soja (iniciativa que barra a comercialização de soja plantada em áreas desmatadas na Amazônia), a entidade teve diversas das práticas incluídas no guia “Soja – Boas Práticas Agrícolas e Certificação Socioambiental” publicado em maio pela ONG ambientalista The Nature Conservancy (TNC).

Babel

Nem tudo na Rio+20 se restringe ao que vai acontecer no Riocentro. A programação paralela organizada por uma miscelânea de organizações da sociedade civil, entidades governamentais, empresariado e instituições acadêmicas vai ser, no mínimo, tão intensa e relevante quanto. “A Rio+20 não é um evento da ONU, mas uma combinação de eventos. Vários deles tratarão de biocombustíveis e serão muito importantes”, explica Luiz Fernando do Amaral, informando que a Unica pretende marcar presença em tantos quanto for possível.

Um dos destaques da agenda paralela será a reunião que a Global Bioenergy Partnership (GBEP) fará nos dias 18 e 19 de junho. Resultado de uma parceria entre os países do G8 e do Brics, o GBEP tem como meta a elaboração de um conjuntode indicadores de sustentabilidade que servirão para ajudar diferentes países a elaborarem políticas públicas adequadas na área de bioenergia. “O grupo passou três anos trabalhando para aperfeiçoar um documento com 24 critérios que foi publicado em dezembro passado. Esse resultado será apresentado na reunião da Rio+20, que também vai discutir quais serão os próximos passos”, explica Daniel Furlan Amaral, um dos convidados do encontro.

A Fapesp também vai marcar presença ao organizar um workshop sobre seus três programas mais diretamente relacionados à sustentabilidade. Além do Bioen, o Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (Biota) e o Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) também apresentarão seus resultados. Segundo Glaucia Mendes Souza, uma das mensagens que o Bioen pretende transmitir é a necessidade de integrar as pesquisas dentro de uma matriz multidisciplinar: “Se a gente quiser mesmo caminhar na direção de uma economia verde, vamos precisar tratar questões bastante complexas e entender como segurança alimentar e segurança energética funcionam juntas.”

Talvez um pouco mais singela, mas não menos relevante, é a apresentação que a Prefeitura de Curitiba e a Volvo farão do primeiro ônibus urbano equipado com motor híbrido movido a biodiesel puro e eletricidade, que consomem até 35% menos combustível do que os veículos convencionais. “Estamos levando esse ônibus à Rio+20 em função de seu pioneirismo”, comenta o gestor da Urbanização de Curitiba (Urbs), Élcio Karas.

Empresa responsável pela gestão do sistema de transportes públicos da capital paranaense e de olho na redução das emissões de poluentes, a Urbs toca desde 2008 um projeto que substitui o diesel de petróleo por biodiesel. “Nosso objetivo é mostrar a outros centros do país e do exterior que a motorização híbrida a biodiesel e eletricidade pode contribuir para que as cidades disponham de transporte sem poluição”, informa Karas. Segundo dados repassados pela empresa, além da evidente redução nas emissões de CO2, os veículos híbridos reduzem em 80% o material particulado no ar.

A confirmar

A lista de eventos é extensa demais para valer a pena citar todos. Mas há um que, mesmo não confirmado, merece ao menos uma menção de passagem. Há meses anda se falando por aí que o governo federal estaria pensando com carinho na hipótese de aproveitar os holofotes da Rio+20 para anunciar o novo marco regulatório do biodiesel.

Em meados de maio o presidente da Frente Parlamentar de Defesa do Biodiesel, deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), deu a entender que o texto do marco está pronto e que a presidente Dilma Rousseff deveria anunciá-lo até a data da conferência no Rio. O coordenador da Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel, Rodrigo Rodrigues, desconversou dizendo apenas que não havia nada definido.

A Aprobio está na torcida. “A minha expectativa particular é que o governo faça o anúncio do novo marco regulatorio durante o evento. Isso seria o coroamento do trabalho que o governo e o setor privado têm feito nos últimos meses. Mas cabe ao governo fazer isso”, revela Erasmo Carlos Battistella. “Temos todas as condições para que o Brasil seja o El Dorado das energias renováveis. Acho que está mais do que na hora de colocarmos mais foco nos renováveis, ainda mais quando a própria ONU está puxando a agenda da economia verde.”