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A queda do pinhão-manso: passado e futuro


Edição de Ago / Set de 2011 - 23 set 2011 - 04:32 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 16:15
Fracassos nos plantios acabam com o entusiasmo desmedido em torno do pinhão-manso, apontado como a redenção do semiárido. Agora as atenções se voltam para as pesquisas, capazes de destravar todo o potencial da planta

Alice Duarte, de Curitiba

Na busca frenética por matérias- primas mais rentáveis que a soja para o biodiesel, muita expectativa foi depositada no pinhão-manso. O arbusto perene originário da América tropical produz grandes volumes de óleo, não compete com culturas alimentares, pode ser cultivado em áreas degradadas e seu óleo é considerado de excelente qualidade para biocombustível. A combinação parecia perfeita para aumentar a competitividade do biodiesel, beneficiar regiões carentes e, de quebra, contribuir para frear o aquecimento global. Em tese, a planta já era um sucesso. Mas o excesso de euforia fez com que vários produtores iniciassem plantios irregulares – o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) só deu sinal verde aos plantios experimentais em 2008 – não apenas no Brasil, como no mundo todo.

Com pouco conhecimento sobre a planta, muitos produtores pelo globo amargaram prejuízos, e não tardou para que fossem colocados freios na corrida que alguns países e empresas travavam para investir nessa cultura.

Passada a euforia inicial, já é possível tirar algumas conclusões. A principal não é lá muito animadora: a Jatropha curcas L. ainda está nos estágios iniciais de domesticação e será preciso investir pesado em pesquisa genética e agrícola para viabilizá-la. Analisar o ciclo de vida de uma planta perene – que demora cinco anos para alcançar a maturidade – não é simples nem rápido. As previsões mais realistas apostam que a primeira variedade comercial da espécie só vai ser lançada no Brasil daqui a dois ou três anos.

De modo geral, os cientistas consideram a planta promissora, mas não recomendam seu plantio antes que se tenha dados mais confiáveis. Nesse momento, o avanço dos cultivos no Brasil ainda esbarra em vários gargalos tecnológicos, incluindo a falta de uma cultivar registrada, a toxidez da planta, a falta de conhecimento sobre sistemas de produção e os altos custos da colheita. A boa notícia é que a pesquisa vem ganhando corpo.


Diagnóstico

Vários problemas com a cultura geraram descrença entre os produtores. Num relatório publicado ano passado, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês) afirmou que os investimentos em jatropha têm sido feitos sem respaldo científico. A Índia, por exemplo, tem observado baixos rendimentos mesmo com os agricultores usando toda a gama de variedades de sementes disponíveis mundialmente.

A ONG antipobreza ActionAid mostrou preocupação com o crescente movimento para iniciar plantios massivos de jatropha em países em desenvolvimento. O governo do Quênia teve que suspender um megaprojeto que envolveria 20 mil produtores em Dakatcha enquanto aguarda uma avaliação de impacto ambiental.

Aqui no Brasil, um fracasso recente teve grande repercussão. Há cinco anos, agricultores de 16 municípios da Zona da Mata mineira decidiram investir no pinhão-manso para diversificar a produção. Mas, passados alguns anos, o resultado foi tão ruim que grande parte dos agricultores decidiu abandonar as lavouras.

Hoje a área plantada no Brasil está em pouco mais de 18 mil hectares, segundo levantamento da safra 2010/2011 feito pela Conab. A assessoria de imprensa do órgão informou que o monitoramento ainda está em curso e não há dados consolidados, mas as informações coletadas já dão ideia da situação. Há lavouras em dez Estados, mas apenas Bahia e Pará estão produzindo e só no Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo os cultivos estão em boas condições. Metade da área cultivada do Pará, por exemplo, está abandonada. No Tocantins, quase toda a área plantada (cerca de 3 mil hectares), está em situação de semiabandono.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Pinhão-Manso (ABPPM), Mike Lu, esses dados refletem uma situação pós-crises. A crise econômica de 2008 e a crise de percepção criada pelas notícias negativas divulgadas sobre a cultura abateram o ímpeto de investimento no Brasil e no mundo. Somado a isso, ele também aponta a falta de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) e de material genético apropriado. Especialistas também atribuem os fracassos ao excesso de propaganda feita por pessoas querendo tirar alguma vantagem da novidade. “O pinhão-manso começou errado. Houve muita propaganda e falsas promessas de pessoas querendo vender sementes. Há mais de dois anos, a Embrapa e a Epamig vêm alertando sobre esse problema”, desabafa o pesquisador Adilson Kobayashi, da Embrapa Meio-Norte.

“Foram disseminadas muitas mentiras sobre o pinhão-manso. Diziam que a planta era extremamente resistente e havia até um site que mostrava foto dela crescendo sobre uma pedra”, acrescenta o coordenador-geral de Agroenergia do Mapa, Denílson Ferreira.

Em abril de 2009, a reportagem “A esperança virou espera” da revista BiodieselBR gerou revolta na ABPPM por evidenciar justamente o crescente clima de desânimo em torno do pinhão-manso, situação que se comprovaria nos anos seguintes.


Avanços na pesquisa

Enquanto a soja produz cerca de 500 quilos de óleo por hectare, o pinhão-manso tem potencial para atingir 1.500 kg/ha. Por isso a espécie está entre as prioridades do Mapa. O governo federal, através da Finep, está destinando um total de R$ 6,86 milhões para PD&I em pinhão- manso no período de 2010 a 2013. O Projeto BRJatropha envolve 22 instituições em 126 atividades de pesquisa. Além disso, há os vários editais do CNPq/MCT que contemplaram estudos sobre a planta.

Há três anos, a Embrapa criou o Banco de Germoplasma (BG), com uma coleção de materiais genéticos de diversas regiões brasileiras, que se tornou o principal alicerce das pesquisas. Dos 220 acessos coletados, foram avaliados 18 genótipos que apresentavam características de interesse, como alto rendimento de grãos, porte baixo (o que facilita a colheita), ausência de toxidez e tolerância ao oídio (uma doença causada por fungos).

O trabalho dos pesquisadores mostrou que os acessos coletados no Brasil apresentavam ancestralidade comum e, portanto, não contavam com grande variedade genética. Por conta disso, a instituição vem buscando enriquecer o BG com material de outros países. “Apesar do pouco tempo do BG, já existe material genético com comprovado potencial de produtividade. Isso mostra que estamos no caminho certo”, diz Ferreira, do Mapa.

Testes com genótipos superiores estão sendo feitos pela Embrapa em campos experimentais nos municípios pernambucanos de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista. “Estamos replicando ano a ano as dez plantas mais produtivas em lugares diferentes do Brasil. Estamos bem perto de lançar uma variedade produtiva”, diz o pesquisador Marcos Antonio Drumond, da Embrapa Semiárido.

Em nível global, a Comissão Europeia está destinando para a cultura um total de € 4,16 milhões até 2014. O projeto, chamado Jatropha curcas Applied and Technological Research on Plant Traits (Jatropt), envolve 13 instituições de pesquisa de nove países, incluindo a Embrapa no Brasil, que contará com € 260 mil.

Aqui o projeto caminha há um ano em meio. Os estudos atrasaram por embaraços no intercâmbio de material genético causados pelas severas leis de segurança agropecuária no Brasil. “Algumas leis não estão atualizadas e atrapalham a pesquisa”, diz Kobayashi, que coordena o projeto no Brasil. Vencido o entrave, hoje eles já possuem uma coleção de material genético de diferentes continentes que será testada em agrossistemas no Mato Grosso a partir de setembro. “Só teremos resultados mais conclusivos e confiáveis daqui a três anos. Não existe atalho”, diz o pesquisador.

Além do melhoramento genético, os pesquisadores também se dedicam a aprimorar os sistemas de produção. Esse trabalho inclui determinar a ecofisiologia da espécie, as melhores estratégias de poda, o espaçamento das plantas, nutrição mineral, controle de pragas e doenças, colheita, uso de reguladores de crescimento etc. Mas tudo isso depende de uma cultivar com características padronizadas. “Não significa que o resultado das pesquisas em manejo feitas até agora não terá valor”, explica Bruno Laviola, pesquisador da Embrapa Agroenergia e coordenador do Projeto BRJatropha, acrescentando que sempre é preciso fazer algum ajuste nos sistemas de produção.

“No Brasil, estamos fazendo da forma correta, buscando conhecimento sobre a planta. É certo que alguns produtores se colocaram em posição de risco, mas isso não é negativo. As informações desses plantios agregam informação para a pesquisa”, diz Ferreira.


Produtividade

Os experimentos realizados até agora mostram que o rendimento da jatropha pode variar consideravelmente. Ao contrário da percepção popular de que elas podem prosperar no semiárido, as plantas precisam de água e nutrientes para produzir altos rendimentos.

No Brasil, estudos já mostram quais são as exigências de clima e solo da planta: ela necessita de solo fértil e não sujeito a encharcamento; a temperatura média precisa ser superior a 20ºC, sem ocorrência de geada; o índice de chuvas precisa ser de 1.000 a 1.200 milímetros por ano – mais que isso, a planta fica suscetível a doenças. Ou seja, no semiárido, onde o índice pluviométrico médio é de 500 mm, a plantação precisaria de irrigação. “Ela não precisa de muita água, mas de boa distribuição de chuva”, diz Drumond, que avaliou o desempenho de genótipos promissores no semiárido com irrigação. Nos meses de seca foi feita irrigação por gotejamento e fertilização. Com os cuidados, alguns genótipos chegaram a produzir 1.000 kg/ha de óleo.

Em função dessa necessidade de água a perspectiva para o crescimento da planta na região não é promissora. Se investimentos significativos em irrigação e fertilizantes são necessários, como no caso do Nordeste, por que não produzir alimentos ao invés de jatropha? “Quem trabalha com terra irrigada no semiárido são empresários que têm dinheiro. Eles vão preferir gastar água e mão de obra com culturas que dão um retorno muito superior. A uva sem semente pode render R$ 100 mil por hectare, enquanto que o pinhão-manso renderá R$ 2 mil”, compara Drumond.

Estudos revelam que uma das causas para a baixa produtividade de grãos do pinhão-manso é o número pequeno de flores femininas. Para solucionar este problema, pesquisas analisam o uso de produtos que funcionem como reguladores de crescimento. Um estudo publicado no final do ano passado por cientistas da Academia Chinesa de Ciências mostrou que a aplicação externa de uma substância chamada benziladenina triplicou o número de flores e, por consequência, triplicou o rendimento de grãos.

Para Drumond, o rendimento não é mais um problema. “O grande gargalo é o valor da colheita, que não paga o custo da produção”, afirma, destacando a necessidade de estudos para uniformizar a maturação dos frutos e permitir a colheita mecanizada. A usina de biodiesel Biotins (TO) está testando colheitadeiras de café especialmente adaptadas.

Mas, segundo o pesquisador da Embrapa Semiárido, para o sucesso da empreitada é preciso desenvolver uma variedade que padronize a altura e o volume da copa da planta. Mais uma vez, esbarra-se no gargalo número um: o lançamento de uma cultivar. Somente com ela será possível dar garantia ao produtor de um resultado previsível.


Novos investimentos

O relatório da Conab não incluiu dois importantes projetos de plantio que já deram seus pontapés iniciais. São eles, o projeto de 8 mil hectares da Fazenda Tiracanga em Piracuruca (PI) – com 2.000 ha já plantados – e o projeto de 25 mil hectares da multinacional italiana Nòvabra no Espírito Santo – com 1.300 ha já plantados. Ambas as áreas fazem parte do projeto de Unidades de Observação do Pinhão- Manso, uma parceria público- privada que envolve a ABPPM e a Embrapa Agroenergia.

Devido ao interesse da Nòvabra em instalar uma unidade de extração ao final deste ano em Colatina (ES), visando à exportação do óleo de pinhão-manso para a Europa, o governo do Espírito Santo decidiu fomentar a produção junto à agricultura familiar, fornecendo sementes e assistência técnica. Em março o governo lançou o Polo de Pinhão-Manso, que já soma 1.300 hectares plantados no noroeste do Estado, 30% em área de assentamentos. A empresa italiana se comprometeu em custear o plantio e comprar a produção.

Em média, o pequeno produtor da região possui 15 hectares. A ideia do governo capixaba é que o cultivo seja complementar ao de café e não ultrapasse dois hectares por produtor. Segundo o coordenador de Silvicultura e Recursos Naturais da Secretaria Estadual de Agricultura, Pedro Galveas, o agricultor passará a pagar a partir do quinto ano de plantio. “O produtor não pode ter prejuízo, essa é a nossa preocupação. Apesar do fracasso de alguns cultivos pelo país, decidimos que as condições eram favoráveis. Sei que daqui a dois ou três anos teremos um material genético mais evoluído, mas, por outro lado, não podemos ficar esperando”, diz.

Especialistas se opõem à ideia de incentivar o plantio junto aos pequenos produtores antes que os dados assegurem um rendimento mínimo. “É claro que a jatropha tem potencial, mas ainda precisa de muito melhoramento e manejo. Enquanto isso não chega, não recomendamos a cultura para o pequeno produtor”, diz Drumond, da Embrapa Semiárido.

Um estudo sobre a viabilidade agronômica e econômica da jatropha no Quênia, conduzido pela Endelevu Energy, em colaboração com o World Agroforestry Centre e o Kenya Forestry Research Institute, também concluiu que pequenos agricultores não devem cultivar pinhão-manso no momento, seja como monocultura ou plantio de entressafra. O estudo recomenda que novos investimentos sejam adiados até que os rendimentos da planta sejam suficientes para justificar o investimento.


Perspectivas


O presidente da ABPPM acredita que haverá uma nova onda de interesse na cultura, motivada pelo mercado da aviação comercial. Principalmente devido ao Sistema de Comércio de Emissões (ETS, na sigla em inglês) da União Europeia, que terá a adesão das companhias aéreas a partir de 2012. “O país que estiver preparado poderá levar ampla vantagem”, diz Lu.

Para aproveitar a oportunidade e as vantagens da jatropha, a FAO recomenda que os países em desenvolvimento direcionem políticas, marcos regulatórios e investimentos para o plantio. Ainda segundo a organização, a cultura só se desenvolverá se for dada garantia de compra da produção, como faz o Ministério do Desenvolvimento Agrário brasileiro com as usinas de biodiesel que compram matéria-prima de pequenos agricultores para cumprir as exigências do Selo Combustível Social. Neste caso, seria necessário dar incentivos para a aquisição desse tipo de matéria-prima em detrimento de outras destinadas à alimentação humana e animal. “Pequenos produtores de matérias-primas podem ser assistidos por uma legislação que estabeleça quotas, exigindo das grandes empresas processadoras de óleo a compra de uma quantia mínima”, conclui o relatório da FAO.