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Os misteriosos releilões de biodiesel


Edição de Fev / Mar de 2011 - 28 mar 2011 - 08:53 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:03
Fábio Rodrigues, de São Paulo

Os releilões de biodiesel são um bocadinho como o lado escuro da lua: todos sabem que ele está lá e têm uma ideia de como deve ser, mas é praticamente impossível observá-lo diretamente. Na época em que o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) começou a ser formatado, por volta de 2004, foi preciso arrumar saídas para um sem-número de dificuldades. Desde oferecer os incentivos certos para que o empresariado investisse em usinas, então inexistentes, passando pela definição e incentivo ao desenvolvimento de oleaginosas que pudessem dar conta da demanda e padrões de qualidade para o novo produto. Entre tantos desafios, definir como levar a produção das usinas aos postos de combustível espalhados pelos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro não foi o mais simples de resolver.

Foi nesse contexto que o atual sistema de leilões se impôs como a solução mais versátil. Organizando leilões com entrega futura, o governo podia colocar contratos de compra e venda nas mãos de empresários interessados no biodiesel, medida que, certamente, contribuiria para tornar os bancos um pouco mais generosos nas negociações de linhas de crédito. Além disso, ao centralizar toda a comercialização, ficava bem mais fácil para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) manter um olho vivo sobre o setor e garantir que ninguém saísse da linha: as usinas teriam que informar quanto estavam produzindo e os distribuidores teriam que se explicar se fossem flagrados comprando biodiesel de menos.

Mas para colocar de pé um sistema desse porte com a velocidade necessária, o governo teve que recorrer a sua arma de maior calibre: a Petrobras. A gigante do petróleo, juntamente com sua subsidiária Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), seria a única compradora nos leilões organizados pela ANP e, num segundo momento, revenderia todo o biodiesel para as distribuidoras de combustíveis. Esses são os chamados releilões da Petrobras. Enquanto o faturamento – e, portanto, a lucratividade – das usinas de biodiesel é definido nos leilões, são os releilões que colocam o PNPB para funcionar.

Entenda-se: como seria um rematado despautério movimentar milhões de litros de biodiesel para depósitos da Petrobras só para redistribuí-los uns dias depois, toda operação de compra e venda realizada nos leilões da ANP é contábil. Melhor dizendo, nesse ponto é tudo virtual. Os lotes de biodiesel só saem mesmo das usinas quando as distribuidoras que os compraram nos releilões vão buscá-los.


Trabalhando no escuro

É aí que reside a maior estranheza em todo esse processo. Apesar da óbvia importância dos releilões, eles são realizados de forma opaca. Para começar, enquanto os leilões são realizados no Comprasnet, plataforma on-line do governo federal que permite o acompanhamento dos pregões, os releilões acontecem no ambiente da Petronect, uma ferramenta proprietária do Grupo Petrobras que só pode ser acessada por usuários devidamente autorizados.

Deixada por si, essa postura não contribui em nada para melhorar a transparência do processo. Mas não para por aí. Com exceção de um único comunicado datado de 13 de dezembro de 2007 – que informava resultado parcial do releilão que deveria garantir a estreia do B2 em janeiro de 2008 –, a Petrobras tem mantido absoluto silêncio a respeito dos resultados dos certames. Nem a União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio), principal órgão representativo da indústria de biodiesel, tem acesso aos dados. “A Ubrabio não fica sabendo dos resultados dos releilões e nem acompanhamos sua realização”, comenta o diretor executivo da instituição, Sérgio Beltrão.

A discrição da estatal sobre esse ponto é tamanha que o empresariado do setor resignou-se e passou a encarar o silêncio oficial como um fato da vida. O diretor industrial da Biopar, Nivaldo Tomazella, dá o tom ao reconhecer que “não é obrigação da Petrobras manter os usineiros informados. A partir do momento em que ela comprou um produto meu, deixa de ser de minha alçada por quanto ela vai revender isso”, opina.

Ele não deixa de ter certa dose de razão. Em se tratando de uma empresa de capital misto, fica meio incerto quanta informação a Petrobras precisa compartilhar. Por outro lado, considerando que o PNPB é o programa governamental, ao menos parte desses dados deveriam ser públicos, como pondera o próprio diretor da Biopar: “Ela [a Petrobras] não tem que justificar para os produtores por quanto ela vai revender o biodiesel, mas tem que justificar isso para o país”, diz Tomazella.

É justo aí que se armou uma zona de turbulência em potencial. Não que a probidade da Petrobras esteja sob suspeita – nada indica que haja algo de errado acontecendo –, mas o fato de a petrolífera, a ANP e o Ministério de Minas e Energia terem descartado os insistentes convites da reportagem para comentarem o tema indica pelo menos uma coisa claramente: nenhuma delas se sente à vontade para falar do assunto.