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Armazenamento: problemas na mistura?


Edição de Ago / Set de 2010 - 15 ago 2010 - 11:52 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:59
Relatos de representantes dos postos de combustível questionam a qualidade na mistura diesel-biodiesel e retomam debate sobre manuseio e armazenagem do combustível

Alice Duarte, de Curitiba

A Federação Nacional do Comércio Varejista de Combustíveis (Fecombustíveis) tem descortinado uma série de problemas que andavam um pouco sumidos da pauta de discussões do setor. Nos últimos meses a entidade notou um aumento considerável dos problemas relacionados à qualidade da mistura diesel- -biodiesel, como o surgimento de borras e a proliferação de bactérias. Houve então uma rápida associação desses problemas à adoção do B5, em vigor desde janeiro deste ano.

Os donos de postos começaram a ficar preocupados com o aumento da freqüência de trocas de filtros e bombas de combustível e de limpezas nos tanques, com conseqüente aumento de custos operacionais. Temendo arcar com os prejuízos causados por danos nos veículos, ameaçaram entrar na Justiça contra os distribuidores.

Produtores de biodiesel e distribuidoras se defendem, alegando que o biodiesel segue rigorosamente as especificações de qualidade e a norma de armazenamento e transporte vigente. De acordo com o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), o problema só foi identificado no elo final da cadeia, ou seja, nos postos. “Nossas associadas sempre foram monitoradas e quando houve problema ações corretivas foram tomadas”, diz Fábio Marcondes, diretor de Abastecimento e Regulação do Sindicom, que representa as maiores bandeiras.

O problema ganhou repercussão nacional e provocou uma resposta imediata da ANP. No último dia 9 de junho, no Rio de Janeiro, a agência mobilizou agentes do mercado de produção, distribuição e revenda de combustíveis, além de representantes do governo e de universidades para trocar informações sobre as práticas necessárias para garantir a qualidade do diesel B5 em todos os pontos da cadeia de abastecimento. O evento gerou a publicação de um Guia de Procedimentos para Manuseio e Armazenagem de Óleo Diesel B, preparado a partir da experiência brasileira e da internacional sobre o assunto (veja box).

Origem do problema

Sabe-se que o contato com o ar e com a água durante a estocagem pode afetar a qualidade do biodiesel, principalmente por este ser mais biodegradável. De acordo com especialistas no assunto, o biodiesel é altamente higroscópico, ou seja, tem maior capacidade de absorção de água que o diesel. Mesmo quando sai das usinas dentro da especificação da ANP, o biocombustível em condições impróprias de armazenamento e transporte poderá ter seu índice de umidade elevado, favorecendo a proliferação de bactérias. “A água é o principal nutriente da atividade microbiana. Ela vai turvando e envelhecendo o combustível”, explica Eduardo Cavalcanti, pesquisador da divisão de Degradação e Corrosão do Instituto Nacional de Tecnologia (INT).

Segundo a pesquisadora Fátima Menezes Bento, do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda biodegradação, biocorrosão, e biorremediação de combustíveis, problemas com a contaminação microbiana durante a estocagem de combustíveis – como o querosene, diesel automotivo e naval – têm sido relatados há mais de 60 anos, muito antes da introdução do biodiesel.

“A contaminação microbiana de combustíveis ocorre predominantemente devido à presença de água no fundo dos tanques de armazenagem. Essa água pode advir, por exemplo, da condensação nas paredes dos tanques”, explica a superintendente de Biocombustíveis e de Qualidade de Produtos da ANP, Rosângela Moreira de Araújo.

De acordo com a resolução ANP 07/2008, o biodiesel deve sair da usina com um máximo de 500 partes por milhão (ppm) de volume de água dissolvida. Cavalcanti diz que líderes em tecnologia de fabricação de biodiesel – como Petrobras Biocombustível e ADM – se esmeram em tirar o máximo possível de água durante o processo produtivo, abaixo do que exige a legislação. São linhas de produção que usam gás inerte, como o nitrogênio, evitando assim que o biodiesel entre em contato com oxigênio durante o processo produtivo. “Mas nem todos os fabricantes têm essa sofisticação”, diz.

Se um fabricante vende um biodiesel com 400 ppm de água e o combustível entra em contato com umidade, seja no transporte ou armazenamento, esse índice pode rapidamente ultrapassar os 500 ppm. “Ninguém inertiza topo de tanque de caminhão. Tem locais em que a demanda de combustível não é tão grande, e passados 30 dias da certificação, é preciso monitorar a degradação novamente”, alerta Cavalcanti.

De acordo com Rosângela, o consumo de um combustível degradado pode levar à corrosão dos tanques de armazenagem, formação de biomassa na interface óleo- -água (causando entupimento de filtros e tubulações) e, por fim, desgaste nos bicos injetores.