Artigo: toxidez do pinhão-manso
A expansão do cultivo do pinhão-manso (Jatropha
curcas L.) é crescente, e vai de encontro com a
necessidade do uso de fontes alternativas de óleo
para a produção de biodiesel. A espécie vem sendo
adotada em diversas regiões do Brasil, principalmente
Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Estima-se
a existência de mais de 15 mil hectares implantados
com a cultura, com potencial de produção de mais
de 45 mil toneladas de grãos/ano, considerando os
plantios no estágio adulto, o que geraria na extração
do óleo uma produção de aproximadamente 30 mil
toneladas/ano de torta.
A torta, resultante da extração do óleo das sementes
de pinhão-manso, constitui excelente adubo
orgânico, rico em nitrogênio, fósforo e potássio. No
entanto, poder-se-ia dar esta destinação às cascas dos
frutos e das sementes, aproveitando a torta rica em
proteína (25–63%, dependendo do método de extração
do óleo) como suplemento protéico altamente
nutritivo na ração de ruminantes, da mesma forma
como ocorre com o farelo de soja, gerando importante
renda que viabilizaria economicamente a cultura.
A torta, no entanto, possui compostos tóxicos/
antinutricionais, que devem ser bem conhecidos, tanto
para questões de segurança quanto para que processos
de destruição dos mesmos possam ser desenvolvidos.
Compostos tóxicos e seus efeitos
Diversos estudos com animais, ruminantes (bovinos e
caprinos) ou não (camundongos, ratos, frangos, peixes,
humanos), demonstraram que as sementes são
tóxicas e dependendo da dose podem levar os animais à
morte. [1,2,8] O quadro clínico-patológico pode envolver
diarréia, dispnéia, desidratação, hemorragia no rúmen,
pulmões, rins e coração, congestão e edema pulmonares,
associados com alguns achados patológicos.
Na medicina popular, as sementes vêm sendo utilizadas
como purgativo em humanos e animais, e têm
sido a causa de inúmeros casos de intoxicação. Em
humanos, os relatos estão ligados a intoxicação aguda,
por ingestão ou contato com as sementes e látex
(cutânea e olhos), sendo que não há relatos de efeitos
nas vias respiratórias. De acordo com a Gerência Geral
de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária, de julho a outubro de 2008 ocorreram 38
casos de intoxicação por pinhão-manso, de um total
de 170 registrados para plantas tóxicas, principalmente
em Niterói, Brasília e Belém. Estes dados refletem
os dados de cidades de médio e grande porte, já que
este serviço reúne dados de apenas 14 Centros de Informação
Toxicológica (CIT). Verificou-se que 60% das
intoxicações são relatadas no ambiente domiciliar, cinco
casos relataram sintomatologia cutânea, três sintomatologia
ocular, e 32 no sistema digestório (84% dos
casos). Por sua freqüência, principalmente envolvendo
crianças (90% dos casos registrados), o pinhão-manso
foi uma das 16 plantas escolhidas para constar no Cartaz
de Plantas Tóxicas no Brasil pelo Sistema Nacional
de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitrox/Fiocruz).
Em geral, as intoxicações não são graves (não levam
a óbito), ocorrem devido à ingestão de sementes,
e os sintomas são relacionados com irritação gastrointestinal
devido à inflamação aguda provocada pelo
pinhão-manso. A sintomatologia inicia-se após a ingestão
de pelo menos duas ou três sementes, com ardência
na garganta entre 30 minutos a uma hora após
a ingestão, vômitos acentuados, dor abdominal intensa,
seguida de diarréia importante (algumas vezes com
sangue), levando a quadro severo de desidratação, o
que pode acarretar espasmos musculares, distúrbios
respiratórios e hipotensão. Em casos mais raros, de
intoxicação severa, ocorrem efeitos no sistema nervoso
central (como o coma) e lesão renal. Não existe
antídoto para a intoxicação, sendo recomendada lavagem
estomacal caso o tratamento se dê logo após
a ingestão. A hidratação deve ser enérgica e precoce,
e outras medidas de suporte costumam ser eficientes
(como uso de antieméticos e antiespasmódicos), sendo
que a alta se dá em torno de 48 horas. Deve-se
estar atento, pois a sintomatologia clínica – vômito,
diarréia e miose (constrição da pupila) – poderia ser
confundida com intoxicação por organofosforados,
de ocorrência alta em áreas rurais. [6]
Estes e outros efeitos vêm sendo relacionados
à presença nos grãos de dois fatores: a curcina e
ésteres de forbol.
A curcina já foi considerada a molécula responsável
pela toxicidade do pinhão-manso, conforme
descrito em publicações científicas e no protocolo
de atendimento dos CIT´s brasileiros. É uma proteína
capaz de inibir a síntese protéica in vitro de forma
semelhante à ação da ricina da mamona, sendo, porém,
mil vezes menos tóxica. Isto se deve ao fato de a
porção tóxica da curcina não estar ligada por pontes
de dissulfeto a uma proteína chamada lectina, que
é quem promove a entrada da curcina na célula, necessária
ao início da atividade citotóxica. [11] Muitas
publicações de duas décadas atrás buscavam equivocadamente
avaliar processos de destoxificação, aferindo a quantidade presente de curcina de forma
indireta, através da determinação da lectina. [4,15]
E esta foi uma das causas de tortas que pareciam
destoxificadas, quimicamente falando, serem tóxicas
quando administradas a animais.
É importante frisar que o principal componente
tóxico presente no pinhão-manso é o éster de forbol
(diterpeno), que pode agir de duas formas: aguda (resposta
inflamatória intensa) e crônica (indutores da formação
de tumores). Tal é a sua importância que, quando
não estão presentes nas sementes, a “variedade”
passa a ser chamada de não-tóxica, embora os outros
fatores como a curcina e antinutricionais (inibidores de
tripsina, fitato, saponina) continuem presentes. [12,13]
Além disso, recentemente foi identificada por um grupo
de pesquisas brasileiro uma proteína com potencial
alergênico semelhante à albumina 2S da mamona. [11]
Até 2009 não havia comprovação da existência de acessos
não-tóxicos no Brasil, havendo registros em algumas
regiões do México. Recentemente, o grupo de pesquisa
da Embrapa Agroenergia já conseguiu identificar três
acessos no seu banco ativo de germoplasma (BAG).
Não é possível destruir o éster de forbol por tratamento
térmico, nem tampouco alterar o teor de fitato,
mas os componentes protéicos podem ser desnaturados
por um tratamento térmico adequado. [12]
Para a extração do óleo, os grãos de pinhão-manso
passam cozimento prévio e esmagamento subseqüente
em prensas tipo “expeller”. Por ser lipossolúvel,
grande parte dos ésteres de forbol é extraída juntamente
com o óleo, mas eles permanecem também
na torta devido ao fato da extração mecânica não
retirar totalmente o óleo presente (residual de aproximadamente
6–14%). Pode-se reextrair essa torta com
o uso de solventes orgânicos (hexano); no entanto, no
Brasil, por questões de viabilidade econômica e escala
de produção, tem predominado o esmagamento mecânico
dos grãos. Além disso, mesmo em amostras
com baixo teor de óleo (0,6%), obtidas por extração
com éter de petróleo por 16 horas em equipamento
tipo Soxhlet, encontrou-se concentração de ésteres
de forbol de 3,85 mg/g na torta desengordurada. [16]
O óleo de pinhão-manso possui grande concentração
deste composto, e por isso deve ser manipulado
com o devido cuidado, mas por não ser volátil este
componente não representa risco de produzir vapores
tóxicos. O óleo tem efeito purgativo violento na dose
de 0,3 a 0,6 mL e a DL50 do óleo de pinhão-manso em
ratos foi de apenas 6 mL/kg de peso do animal. [6, 9]
Quanto à questão dos alergênicos, a presença
destes na torta do pinhão-manso torna o seu manuseio
incômodo, mas não perigoso; os sintomas como
vermelhidão e coceira podem ser desenvolvidos com
o simples contato com a pele ou olhos. É importante
registrar que nem todas as pessoas apresentam alergia
a esse componente. No entanto, o individuo alérgico
a outras substancias, em especial à torta da mamona,
apresenta maiores chances de desenvolver alergia ao
pinhão-manso (reação cruzada). [11]
Frente aos casos de intoxicação e alergia, recomenda-
se especial precaução na manipulação do óleo ou outros
co-produtos, evitando contato com a pele e a ingestão.
Por isso, ao se trabalhar com o óleo ou com a torta
é recomendada a utilização dos seguintes Equipamentos
de Proteção Individual (EPI´s): sapatos fechados, jaleco de
manga longa, luvas, máscara e óculos de proteção.
Estratégias para destoxificação da torta
A transformação da torta de pinhão-manso em um
produto atóxico que possa ser usado para alimentação
animal despertou a atenção de diversos pesquisadores
no mundo, e alguns avanços têm sido
realizados (Quadro 1). Em 1999, Makkar e Becker, da
Alemanha, conseguiram provar produzir uma torta
destoxificada que, ao ser oferecida aos animais, não
causou morte ou qualquer outro dano; no entanto,
este trabalho foi realizado a partir das variedades
mexicanas não-tóxicas. Recentemente, em abril de
2010, foi publicado um novo estudo desse grupo
[10], que alega ter chegado à destoxificação da torta,
sendo a mesma testada em carpas. O processo não
é totalmente descrito por estar em vias de patenteamento,
e envolve diversas etapas de tratamento com
solvente e autoclavagem.
A Embrapa Agroenergia vem desenvolvendo pesquisas
em duas estratégias, sempre focando em processos
simples e de baixo custo para serem viáveis economicamente
para produtores de pequeno e médio porte.
A primeira estratégia refere-se à identificação
de materiais genéticos cujos grãos não apresentem
toxidez (éster de forbol) e a posterior incorporação
desta característica em cultivares comerciais. O éster
de forbol é predominante na maioria dos acessos,
na faixa de 0,82 a 3,85 mg/g de albúmen. [12,16] Para
isso, a Embrapa Agroenergia está constituindo e caracterizando
um banco ativo de germoplasma (BAG)
de pinhão-manso com acessos do Brasil, e futuramente
receberá material do México e da América Central,
onde está o provável centro de origem da espécie e
variedades consideradas não-tóxicas. Através de uma
caracterização fenotípica, identificaram-se alguns materiais
contrastantes, e dentre estes foram identificados
três acessos de origem brasileira que podem ser considerados
não-tóxicos (dados ainda não publicados).
A segunda estratégia refere-se ao uso de um
destes tratamentos: a) processos de extrusão termoplástica
associada ao uso de aditivos químicos; b) lavagem
com solventes; ou c) biotransformação (uso de
fungos/leveduras). O foco principal dos tratamentos
será a destoxificação da torta com foco na retirada ou
na modificação da molécula dos ésteres de forbol, de
forma que a mesma perca sua atividade tóxica. A redução
da alergenicidade também será avaliada, bem
como da atividade antinutricional. Após confirmação
laboratorial da redução desses compostos, a torta tratada
será incorporada em quantidades significativas na
ração de ovinos, caprinos e peixes para a validação de
seu uso. Sem esta avaliação in vivo nenhuma afirmação
sobre a eficiência da destoxificação pode ser feita.
As estratégias de pesquisa apresentadas fazem
parte do projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
em pinhão-manso (Jatropha curcas L.) para a produção
de biodiesel, coordenado pela Embrapa Agroenergia.
Simone Mendonça
Embrapa Agroenergia, Brasília (DF)
simone.mendonca@embrapa.br
Agradecimentos
À Sra. Heloísa Rey Farza, da Gerencia Geral de Toxicologia
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Brasília/DF), pelos dados disponibilizados. A PAC-Embrapa
e CNPq pelo financiamento da pesquisa.
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