Coluna: Biodiesel Verde-Amarelo
Que o Brasil é uma referência
mundial na produção
de etanol, destilando mais
de 20 bilhões de litros/ano
de álcool de cana, todos sabem. A
pluralidade de ser uma referência
nos biocombustíveis (e não apenas
no álcool) já é mais recente.
De fato, o mundo se espanta ao
ver que, em apenas três anos, a
produção brasileira de biodiesel
passou de zero a quase 3 bilhões
de litros/ano de capacidade instalada
(ANP).
Ao ver esse cenário,
algum desavisado seria capaz de
jurar que o biodiesel produzido no
país faz uso da rota etílica. Ledo
engano, com raras e honrosas exceções.
A maior delas, sem dúvida,
a Fertibom, em Catanduva (SP).
Primeira fábrica de biodiesel no
Estado de São Paulo, inaugurada
em 2005, hoje produzindo mais
de 150 mil litros/dia de biodiesel.
Sempre de etanol, hora com soja,
hora com sebo, de acordo com as
opções do mercado. Sim, biodiesel
etílico de sebo, algo que muitos
consideravam impossível. Além
de vencer esse desafio, o biodiesel
etílico de sebo possui um CFPP
(ponto de entupimento a frio) em
torno de 7oC, ou seja, cinco ou seis
graus abaixo do biodiesel metílico.
O mesmo vale para o biodiesel
etílico de soja, que alcança tipicamente
-6oC de CFPP, ou seja, o
biodiesel etílico realmente facilita
o manuseio do biodiesel no frio.
Não adoto as críticas que se faz ao
metanol como um insumo muito
perigoso ou venenoso. Na verdade,
uma indústria química não é uma
indústria alimentícia. Os profissionais
da química são treinados
para lidar com insumos perigosos
e inflamáveis. O que beira o absurdo
é transportar metanol (que em
parte é importado) por mais de
dois mil quilômetros para o interior
do Mato Grosso, bem ao lado
de usinas de etanol. Mais grave,
de acordo com o site da empresa
Methanex, o preço médio de referência
(sem impostos e frete) em
2008 foi de US$ 624/t, contra US$
510/t do etanol anidro nas mesmas
condições (Unica).
Lógico que não
se trata de uma mera escolha, mas
sim de limitação tecnológica. O
processo de transesterificação por
catálise homogênea só ocorre utilizando-
se excesso de álcool. Esse
excesso tem que ser recuperado no
final do processo. Ambos, metanol
e etanol, absorvem toda a umidade
presente nos óleos, gorduras e no
catalisador. A remoção dessa água
do etanol é que é bem mais difícil
do que no caso do metanol. O
etanol forma um azeótropo com a
água (é como se 4% de água misturada
a 96% de etanol formassem
um só composto). Mesmo o etanol
anidro possui cerca de 7.000 ppm
de água contra 100 a 200 ppm no
metanol. Essa água faz toda a diferença.
Promove mais sabões,
dificultando a separação biodiesel/
glicerina.
Produzir biodiesel
com um álcool renovável, produto
100% nacional, mas com grandes
dificuldades técnicas, deveria receber
algum tipo de compensação
ou benefício. Se culturas como a
mamona e a palma recebem vantagens
fiscais por seu caráter social,
o etanol é socioambientalmente
muito superior ao seu rival derivado
de gás natural. Pois, por incrível
que pareça, o ICMS pago pelo
etanol é superior ao do metanol.
Em São Paulo estamos falando de
18% contra 12%. Quem conhece
as planilhas financeiras do custo
de produção de biodiesel sabe que
poucos centavos podem viabilizar
ou afundar uma empresa.
Num
momento em que o CNPq/MCT
recém promoveu, em tempo recorde,
um edital para desenvolver
a rota etílica, contemplando 20
projetos, seria muito salutar se o
Comitê do Biodiesel estimulasse
o uso do etanol na produção do
biodiesel, corrigindo essa distorção
fiscal e mesmo desonerando
aqueles que fazem a opção pelo
biodiesel verde-amarelo.
Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.