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Coluna: Biodieseis não convencionais


Luiz Ramos - 15 fev 2009 - 14:03 - Última atualização em: 20 dez 2011 - 10:42

Muito se tem discutido sobre os problemas inerentes às tecnologias convencionais de produção de biodiesel, como a intolerância à acidez e ao teor de umidade das matérias-primas, as perdas de rendimento devidas à saponificação, o alto consumo de águas de lavagem e o índice de contaminação dos co-produtos. Além disso, outras importantes propriedades desses produtos, como a estabilidade à oxidação e o comportamento reológico em baixas temperaturas, também vêm sendo apresentadas como absolutamente críticas à sua aceitação e viabilidade comercial. Nesse sentido, há que se fazer uma breve distinção entre os problemas inerentes às matérias-primas e aqueles oriundos do processo de produção, ou seja, os que poderiam ser perfeitamente evitados caso medidas corretivas estivessem sendo seguidas no processo de produção. Dentre as propriedades inerentes à matéria-prima, vale realmente destacar as de fluxo em baixas temperaturas, que se traduzem em parâmetros como os pontos de névoa, de fluidez e de entupimento de filtro a frio.

Como a natureza não nos brindou com a oferta de uma matéria-prima ideal para a produção de biodiesel, que corresponderia a uma fonte lipídica com altos teores dos ácidos oléico e palmitoléico, várias iniciativas vêm sendo empreendidas para resolver a questão, de modo a produzir, oxalá de modo sustentável, um biodiesel que esteja absolutamente de acordo com as especificações.

Naturalmente, muitas dessas iniciativas, ainda distantes da engenharia genética, têm se pautado pela mistura de matérias-primas de diferentes origens que, na composição, permitam um ajuste fino nas especificações do produto. E foi a partir dessas ações que surgiram as blendas de óleo de soja e sebo bovino, dos óleos de babaçu e de mamona e dos óleos de dendê e de soja, dentre tantas outras possibilidades. Além disso, o afã pela expansão do uso de etanol para a produção de biodiesel também tem levado a soluções paliativas, como o emprego de metilato de sódio em reações de alcoólise de óleos neutros com etanol anidro, ou até mesmo ao uso de misturas binárias (etanol/(bio)diesel) e ternárias (etanol/diesel/biodiesel) que já se mostraram instáveis em um passado não muito distante.

O problema crucial dessas iniciativas está em que muitas delas geram um (bio)combustível novo, de propriedades únicas, cuja especificação não está regida pelas normas da resolução vigente. A realidade é a de que muitos dos métodos listados nas especificações internacionais não estão preparados para analisar amostras complexas de ésteres graxos cuja composição química não seja compatível com fontes oleaginosas convencionais. Na verdade, já existem problemas o suficiente nesses procedimentos analíticos quando se muda a matéria- prima de uma para outra, que dirá quando o produto for fruto de uma combinação de diferentes matérias-primas, envolvendo inclusive algumas consideradas não convencionais (mamona, babaçu, nabo forrageiro, óleos de peixe e, por que não dizer, óleos de algas).

Sabe-se que órgãos certificadores como a ASTM e a própria ABNT estão preocupados com essas questões, cujas soluções analíticas representam um grande desafio. No entanto, enquanto esses métodos alternativos não estão disponíveis, falar sobre esses tipos de “biodieseis não-convencionais” chega a ser um ato de irresponsabilidade perante a legislação.

Luiz Pereira Ramos: Professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor pelo Instituto de Biologia Ottawa-Carleton da Universidade de Ottawa, no Canadá.