Inovação à brasileira
Casos bem-sucedidos comprovam a viabilidade de investimento em tecnologia 100% nacional para o biodiesel
Renata Costa, de São Paulo
Uma das discussões em pauta no país hoje diz respeito à importância do desenvolvimento energético em parceira com o desenvolvimento científico e tecnológico. Grandes empresas nacionais apostam que o Brasil tem potencial suficiente para alavancar tecnologias próprias.
A Petrobras é a maior distribuidora de biodiesel do país, com um volume de mais de 600 milhões de litros de B2 por mês. Agora, a empresa quer ser também a maior produtora. Três novas usinas serão inauguradas em Montes Claros (MG), Quixadá (CE) e Candeias (BA) instaladas pela Intecnial, de Erechim (RS), com tecnologia da americana Crow Irons. Isso não quer dizer que a Petrobras pense em deixar de lado o desenvolvimento de tecnologia nacional.
Prova disso é que duas usinas protótipo foram inauguradas em Guamaré (RN), fruto de pesquisa tecnológica da própria empresa. A usina UEB-01 foi inaugurada em 2005 e produz biodiesel a partir da tecnologia convencional, usando óleos vegetais. Essa unidade está sendo ampliada para atingir uma capacidade de produção de até 6,8 milhões de litros/ ano. Para a construção e montagem da UEB-02, a Petrobras firmou um contrato com a empresa de engenharia Intecnial SA. A usina foi inaugurada em 2006 e produz biodiesel diretamente dos grãos das oleaginosas a partir da tecnologia patenteada pela Petrobras. A UEB- 02 possui capacidade total de produção de 13,6 milhões de litros de biodiesel/ano.
“Para a Petrobras, o desenvolvimento de tecnologia implica em capacitação. Por isso, ao desenvolvermos tecnologias nacionais usamos mão-de-obra brasileira”, afirma Mozart Schmitt de Queiroz, Gerente Executivo de Desenvolvimento Energético da empresa. Para o consumidor final, o uso de tecnologias nacionais permite uma melhor adequação da produção de biodiesel às características próprias do Brasil, o que garante um produto de qualidade na bomba.
A prioridade das duas usinas de Guamaré é a produção de biodiesel a partir de óleo de mamona puro ou em mistura com outros óleos. Juntas, as unidades têm capacidade de produzir 20 milhões de litros de biodiesel anuais e fazem parte dos planos da empresa para o aumento de produção própria quando a mistura B5 for adotada no país.
Expedito Junior acredita que o desafio será vencido e tem motivo para tanta convicção: a história da família. O pai dele, Expedito Parente, foi o primeiro pesquisador do mundo a ter uma patente concedida na área de biodiesel, lá em 1980. Mais de 20 anos depois, a patente já expirou, mas o legado não. A TecBio, fruto da família, continua investindo no desenvolvimento de novas tecnologias.
Reconhecida no mercado nacional, a TecBio despertou o interesse da espanhola Tomsa Destil – especialista em plantas industriais para produção de álcool. De acordo com Expedito Junior, a empresa já licenciou a tecnologia. A TecBio negocia também neste momento parceiras nos Estados Unidos e em países da América do Sul.
Na visão de Expedito Junior, o crescimento da empresa se explica pelo processo adotado, bastante flexível. “Nossas plantas transformam em biodiesel qualquer matéria graxa com baixo índice de acidez e triglicerídios”, explica. “Primamos pela integração dos processos, por recuperação energética, baixo consumo de insumos químicos e industriais”. Por este motivo, a tecnologia foi premiada em 2005 pela Unido – United Nations Industrial Development Organizations – organização ligada à ONU.
A empresa brasileira continua a prospectar negócios fora do país. A TecBio começa agora negociações com a NASA – Agência Espacial Americana – e a Boeing, para o desenvolvimento e teste do bioquerosene.
O público-alvo são cooperativas agrícolas, prefeituras e fazendas que fazem uso intenso de equipamentos agrícolas e necessitam de combustível. Atualmente, há unidades em Varginha (MG), Guaribas (PI), na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, entre muitas outras.
Com um problema em mãos, no ano 2000, os diretores da Agropalma procuraram o professor Donato Aranda, responsável pelo Laboratório de Tecnologias Verdes Greentec, da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Naquela época, pouca gente pensava em biodiesel no país. “Com o baixo preço do petróleo, diferentemente de hoje, só tinha sentido fazer biodiesel se fosse a partir de um resíduo”, conta o professor. Dessa conclusão até à viabilidade do produto, Aranda se dedicou bastante.
Foi em 2003 que ele depositou a patente do biodiesel que aprovei-ta 95% dos ácidos graxos obtidos a partir da produção do óleo de palma. Segundo Aranda, existem muitas vantagens para o uso desta matéria-prima: é mais pura, não contém glicerina, é mais barata e os motores tradicionais dos veículos a diesel não precisam ser adaptados.
Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a usina de palmdiesel no bairro de Tapanã, em Belém (PA). O investimento foi de R$ 3 milhões para uma capacidade de produção de cerca de 8 milhões de litros/ ano.
Para a Agropalma, a vantagem da utilização desta matéria-prima foi grande. O palmdiesel substituiu em 100% os 3 milhões de litros de diesel convencional anual que se usava na frota de tratores e veículos para o cultivo da palma. O excedente de 5 milhões de litros é vendido para a Petrobras. E a empresa conseguiu solucionar a questão do resíduo de ácidos graxos.
O químico e professor da Universidade Estadual de Campinas, Ulf Friedrich Schuchardt, também é otimista. “O Brasil, ao lado dos Estados Unidos e da Espanha, tem no momento a maior quantidade de estudos na área de biodiesel”, afirma. Schuchardt faz questão de frisar que todos os projetos bem-sucedidos são feitos com a fórmula universidade + empresa.
A aproximação do mercado produtivo com a universidade é uma união muito feliz, já comprovada em países desenvolvidos. A TecBio também incentiva a parceria: “Enxergamos as universidades e centros de pesquisa como forças complementares”, conta Expedito Junior. “Não temos vocação de pesquisa básica descompromissada, assim como a universidade não tem preocupação comercial”.
Nessa parceria, o caminho natural seria o surgimento de patentes. Porém, é difícil estabelecer com segurança os números na área. No Brasil, a partir de 2002, o professor Ulf acredita que foram depositadas apenas dez patentes sobre o assunto. Ele requereu oito, contando as que foram pedidas fora do Brasil.
Para um setor em pleno crescimento, dez depósitos nacionais podem parecer pouco. Especialmente por ter sido o Brasil o primeiro a obter uma patente em biodiesel – aquela do professor Expedito, em 1980. Mas há muitas variáveis que podem explicar o número.
A primeira, uma queixa geral de pesquisadores de todas as áreas, é a demora no processo das patentes, que pode chegar a sete anos. “Até a patente sair, a tecnologia já ficou obsoleta”, explica Expedito Junior. O que a TecBio faz, em vez de patentear, é proteger suas inovações através de instrumentos jurídicos, contratos que garantem o uso da tecnologia, mas não a transferência dela.
O Laboratório de Pesquisas Verdes Greentec, capitaneado pelo professor Aranda, tem 14 depósitos de patentes, contando as internacionais. Na parceria com a Agropalma, 100% da patente ficou em nome da Universidade Federal do Rio de Janeiro e os royalties foram licenciados para a empresa. Portanto, não há segredos e a fórmula do sucesso é apostar em parcerias que trazem ganhos para as universidades e as empresas.
Renata Costa, de São Paulo
Uma das discussões em pauta no país hoje diz respeito à importância do desenvolvimento energético em parceira com o desenvolvimento científico e tecnológico. Grandes empresas nacionais apostam que o Brasil tem potencial suficiente para alavancar tecnologias próprias.
A Petrobras é a maior distribuidora de biodiesel do país, com um volume de mais de 600 milhões de litros de B2 por mês. Agora, a empresa quer ser também a maior produtora. Três novas usinas serão inauguradas em Montes Claros (MG), Quixadá (CE) e Candeias (BA) instaladas pela Intecnial, de Erechim (RS), com tecnologia da americana Crow Irons. Isso não quer dizer que a Petrobras pense em deixar de lado o desenvolvimento de tecnologia nacional.
Prova disso é que duas usinas protótipo foram inauguradas em Guamaré (RN), fruto de pesquisa tecnológica da própria empresa. A usina UEB-01 foi inaugurada em 2005 e produz biodiesel a partir da tecnologia convencional, usando óleos vegetais. Essa unidade está sendo ampliada para atingir uma capacidade de produção de até 6,8 milhões de litros/ ano. Para a construção e montagem da UEB-02, a Petrobras firmou um contrato com a empresa de engenharia Intecnial SA. A usina foi inaugurada em 2006 e produz biodiesel diretamente dos grãos das oleaginosas a partir da tecnologia patenteada pela Petrobras. A UEB- 02 possui capacidade total de produção de 13,6 milhões de litros de biodiesel/ano.
“Para a Petrobras, o desenvolvimento de tecnologia implica em capacitação. Por isso, ao desenvolvermos tecnologias nacionais usamos mão-de-obra brasileira”, afirma Mozart Schmitt de Queiroz, Gerente Executivo de Desenvolvimento Energético da empresa. Para o consumidor final, o uso de tecnologias nacionais permite uma melhor adequação da produção de biodiesel às características próprias do Brasil, o que garante um produto de qualidade na bomba.
A prioridade das duas usinas de Guamaré é a produção de biodiesel a partir de óleo de mamona puro ou em mistura com outros óleos. Juntas, as unidades têm capacidade de produzir 20 milhões de litros de biodiesel anuais e fazem parte dos planos da empresa para o aumento de produção própria quando a mistura B5 for adotada no país.
Exportando Tecnologia
Expedito Parente Junior é engenheiro químico e diretor da Tecnologias Bioenergéticas, a TecBio,empresa cearense que desenvolve equipamentos para a fabricação de combustível a partir da transesterificação, pelas rotas etílica e metílica. Com seis anos de vida, a TecBio aumentou a produção, desenvolveu tecnologia e gerou empregos a partir do biodiesel. Depois de vencer esses desafios, Expedito Junior quer agora mostrar o conhecimento brasileiro na área a outros países. “Estamos na contramão do que se faz normalmente no Brasil”, diz. “Nosso passo atual é a exportação de tecnologia”.Expedito Junior acredita que o desafio será vencido e tem motivo para tanta convicção: a história da família. O pai dele, Expedito Parente, foi o primeiro pesquisador do mundo a ter uma patente concedida na área de biodiesel, lá em 1980. Mais de 20 anos depois, a patente já expirou, mas o legado não. A TecBio, fruto da família, continua investindo no desenvolvimento de novas tecnologias.
Reconhecida no mercado nacional, a TecBio despertou o interesse da espanhola Tomsa Destil – especialista em plantas industriais para produção de álcool. De acordo com Expedito Junior, a empresa já licenciou a tecnologia. A TecBio negocia também neste momento parceiras nos Estados Unidos e em países da América do Sul.
Na visão de Expedito Junior, o crescimento da empresa se explica pelo processo adotado, bastante flexível. “Nossas plantas transformam em biodiesel qualquer matéria graxa com baixo índice de acidez e triglicerídios”, explica. “Primamos pela integração dos processos, por recuperação energética, baixo consumo de insumos químicos e industriais”. Por este motivo, a tecnologia foi premiada em 2005 pela Unido – United Nations Industrial Development Organizations – organização ligada à ONU.
A empresa brasileira continua a prospectar negócios fora do país. A TecBio começa agora negociações com a NASA – Agência Espacial Americana – e a Boeing, para o desenvolvimento e teste do bioquerosene.
No Brasil
As plantas industriais desenvolvidas pela TecBio têm capacidade de produção de 60 mil a 300 mil litros diários de biocombustível. Mas existe a alternativa das unidades compactas, que têm capacidade de produção a partir da conversão de qualquer óleo vegetal e gordura animal fabricado pela empresa parceira Tecnoforma. “A idéia é produzir combustível a baixo custo e em regiões isoladas, já que as dimensões da unidade permitem que ela seja transportada por caminhão”, explica Expedito Junior.O público-alvo são cooperativas agrícolas, prefeituras e fazendas que fazem uso intenso de equipamentos agrícolas e necessitam de combustível. Atualmente, há unidades em Varginha (MG), Guaribas (PI), na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, entre muitas outras.
Negócios a partir de resíduos
O caso da Agropalma é diferente. Durante 25 anos, a empresa dedicou- se a produzir óleo de palma (dendê) e palmiste no município de Tailândia (PA). A finalidade era fazer margarina, gorduras para fritura, biscoitos e outros produtos nessa linha. A empresa, no entanto, tinha um resíduo de produção, uma borra – mistura de ácidos graxos – que, além de poluente, não tinha a menor utilidade.Com um problema em mãos, no ano 2000, os diretores da Agropalma procuraram o professor Donato Aranda, responsável pelo Laboratório de Tecnologias Verdes Greentec, da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Naquela época, pouca gente pensava em biodiesel no país. “Com o baixo preço do petróleo, diferentemente de hoje, só tinha sentido fazer biodiesel se fosse a partir de um resíduo”, conta o professor. Dessa conclusão até à viabilidade do produto, Aranda se dedicou bastante.
Foi em 2003 que ele depositou a patente do biodiesel que aprovei-ta 95% dos ácidos graxos obtidos a partir da produção do óleo de palma. Segundo Aranda, existem muitas vantagens para o uso desta matéria-prima: é mais pura, não contém glicerina, é mais barata e os motores tradicionais dos veículos a diesel não precisam ser adaptados.
Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou a usina de palmdiesel no bairro de Tapanã, em Belém (PA). O investimento foi de R$ 3 milhões para uma capacidade de produção de cerca de 8 milhões de litros/ ano.
Para a Agropalma, a vantagem da utilização desta matéria-prima foi grande. O palmdiesel substituiu em 100% os 3 milhões de litros de diesel convencional anual que se usava na frota de tratores e veículos para o cultivo da palma. O excedente de 5 milhões de litros é vendido para a Petrobras. E a empresa conseguiu solucionar a questão do resíduo de ácidos graxos.
Parceria é a chave
Por trás de todos os casos bemsucedidos de implementação de tecnologia 100% nacional na área de biodiesel, está o investimento maciço em pesquisa. Em 2006, o governo Lula anunciou que seria direcionado um total de R$ 355 milhões em pesquisas e desenvolvimento no setor, recursos vindos principalmente dos fundos setoriais. “Especialmente em 2006 e 2007 a pesquisa em biodiesel tem sido uma prioridade do governo e os pesquisadores têm tido financiamento mais facilmente”, confirma Aranda.” E não estou falando apenas da região Sudeste, que normalmente fica com a maior parte do investimento”, completa.O químico e professor da Universidade Estadual de Campinas, Ulf Friedrich Schuchardt, também é otimista. “O Brasil, ao lado dos Estados Unidos e da Espanha, tem no momento a maior quantidade de estudos na área de biodiesel”, afirma. Schuchardt faz questão de frisar que todos os projetos bem-sucedidos são feitos com a fórmula universidade + empresa.
A aproximação do mercado produtivo com a universidade é uma união muito feliz, já comprovada em países desenvolvidos. A TecBio também incentiva a parceria: “Enxergamos as universidades e centros de pesquisa como forças complementares”, conta Expedito Junior. “Não temos vocação de pesquisa básica descompromissada, assim como a universidade não tem preocupação comercial”.
Nessa parceria, o caminho natural seria o surgimento de patentes. Porém, é difícil estabelecer com segurança os números na área. No Brasil, a partir de 2002, o professor Ulf acredita que foram depositadas apenas dez patentes sobre o assunto. Ele requereu oito, contando as que foram pedidas fora do Brasil.
Para um setor em pleno crescimento, dez depósitos nacionais podem parecer pouco. Especialmente por ter sido o Brasil o primeiro a obter uma patente em biodiesel – aquela do professor Expedito, em 1980. Mas há muitas variáveis que podem explicar o número.
A primeira, uma queixa geral de pesquisadores de todas as áreas, é a demora no processo das patentes, que pode chegar a sete anos. “Até a patente sair, a tecnologia já ficou obsoleta”, explica Expedito Junior. O que a TecBio faz, em vez de patentear, é proteger suas inovações através de instrumentos jurídicos, contratos que garantem o uso da tecnologia, mas não a transferência dela.
O Laboratório de Pesquisas Verdes Greentec, capitaneado pelo professor Aranda, tem 14 depósitos de patentes, contando as internacionais. Na parceria com a Agropalma, 100% da patente ficou em nome da Universidade Federal do Rio de Janeiro e os royalties foram licenciados para a empresa. Portanto, não há segredos e a fórmula do sucesso é apostar em parcerias que trazem ganhos para as universidades e as empresas.