BiodieselBR.com 01 dez 2023 - 08:38

Contrariando o perfil típico de um mercado dominado por empresas oriundas do agronegócio e que, portanto, tinham acesso facilitado à matéria-prima, a Potencial ousou entrar no mercado de biodiesel – algo tardiamente – em 2013. E acelerou! Em 10 anos ela se tornou dona da maior usina do setor e uma das maiores produtoras. Agora ela ousa de novo ao anunciar um investimento bilionário para colocar uma nada modesta esmagadora de soja bem ao lado de sua usina em Lapa (PR). Tudo parte de uma estratégia de expandir seu círculo de atuação e se tornar uma empresa de energia.

Para entender esse processo de transição pela qual a Potencial vem passando, BiodieselBR.com entrevistou o vice-presidente Comercial e de Relações Setoriais do grupo empresarial, Carlos Eduardo Hammerschmidt.

BiodieselBR.com – A Potencial teve um 2021 muito bom quando conquistou a vice-liderança do setor. Já em 2022, a empresa não ficou nem entre os 5 primeiros. Como este ano está sendo para vocês?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Nosso crescimento [no setor de biodiesel] foi fruto de 10 anos de trabalho e de um planejamento feito em cima do norte que tínhamos que previa que o mercado já tivesse chegado ao B15. Nosso planejamento feito para isso. Com a diminuição da mistura para B10; o setor como um todo estava muito ocioso. Se você pegar ociosidade média do setor, nós ficamos perto. Ainda por cima, tivemos os preços das commodities em patamares muito elevados o que tornou o ano ainda mais difícil para o setor. Isso nos obrigou a optar por não vender tanto biodiesel para tentar buscar resultados. Outras indústrias optaram por buscar mais ocupação. Não foi essa a nossa opção.

BiodieselBR.com – E como 2023 está sendo?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Tivemos o retorno do B12 e temos expectativa de crescimento e, até, de uma possível antecipação dos futuros aumentos da mistura. Isso vem incentivando a indústria brasileira. Até porque o Brasil continua dependente do diesel importado e a gente sabe que biodiesel pode substituir grande parte dessa dependência.

BiodieselBR.com – Falando desse cronograma de expansão. Ainda que o B12 seja bem-vindo, já deveríamos ter chegado ao B15. Como esse adiamento afetou vocês?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Afetou nossa cadeia de projetos. Tínhamos planejado a implantação de uma esmagadora que só pôde ser lançada esse ano. Como não teve o aumento de mistura, acabamos segurando este investimento. O atraso na mistura de biodiesel acabou sendo ruim para o agronegócio como um todo, não só para o setor de biodiesel.

BiodieselBR.com – Segurar projetos na gaveta é uma coisa, mas a ampliação da usina de Lapa já tinha sido concluída quando o governo engatou a ré. Isso prejudicou vocês?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Dá para dizer que sim. Fizemos um investimento que não teve o retorno que esperávamos dentro do cronograma previsto. Logicamente, isso diminui nosso resultado, assim como os de outras fabricantes de biodiesel. Mas tiveram fatores, como a expansão da nossa planta de glicerina refinada e os outros subprodutos comercializados, que nos ajudaram a manter o equilíbrio em 2022.

BiodieselBR.com – Depois da volta do B12, o setor tinha uma expectativa otimista. Mas a antecipação da mistura não veio e o biodiesel ficou fora do PL do Combustível do Futuro. Como está a relação com Brasília?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – O biodiesel não é o combustível do futuro, ele é um combustível do presente. O PL do governo é mais voltado para novas moléculas que ainda vão entrar no mercado, como o HVO e o SAF. O biodiesel é um produto que já está há mais de 15 anos no mercado brasileiro e foi amplamente testado. O biodiesel transformou a agroindústria do Brasil.

BiodieselBR.com – Mas o etanol também não é novo está contemplado com o aumento a adição do anidro na gasolina.

Carlos Eduardo Hammerschmidt – É verdade. A gente está trabalhando junto a Brasília e aos agentes reguladores para que novos aumentos sejam implementados via o PL [do Combustível do Futuro] ou via uma proposta separada. O que importa é a gente ter previsibilidade para que possamos investir. O biodiesel tem salvado o Brasil. Se não fosse pelo biodiesel, nós teríamos que importar uns 7 bilhões de litros de diesel fóssil a mais este ano. Imagina o caos que isso seria?

BiodieselBR.com – Os russos iam gostar...

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Eles iam [risos]. Mas mesmo para os russos não ia ser tão bom. Em setembro eles tiveram que diminuir os volumes de diesel que estavam exportando porque eles acabaram dando um passo maior do que a perna e começou a faltar diesel no mercado interno. Só foram normalizar há pouco tempo. Neste momento eles voltaram até a ser mais agressivos na exportação de diesel. Não sei por quanto tempo isso vai durar porque existem altos e baixos e porque sabemos que alguns países estão passando por recessão econômica o que faz com que as petroleiras baixem os preços. Independente da produção de diesel, nesse momento está acontecendo a COP28 em Dubai de onde devem sair mais compromissos com o meio ambiente. O Brasil sai na frente nesse quesito pois temos o biodiesel para ajudar a atingir as metas de descarbonização.

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BiodieselBR.com – Ter essas novas moléculas entrando no mercado preocupa vocês de alguma forma?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Acho que o governo tem que entender e valorizar que, diferente de outros produtos que ainda estão em desenvolvimento – como o hidrogênio verde, o HVO ou o SAF –, o biodiesel é um produto comprovado. Hoje vemos um movimento de empresas, como o Grupo Amaggi, por exemplo, que estão usando 100% de biodiesel em suas máquinas. O etanol também é um combustível que tem comprovação de qualidade. Ele está no mercado há mais de 50 anos. Olhar para o lado técnico é um dos cuidados que precisamos ter quando falamos no futuro dos biocombustíveis.

BiodieselBR.com – Um dos cuidados? Quais seriam os outros?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Também precisamos ter cuidado com a parte tributária. Quanto mais produtos a gente coloca no mercado de combustíveis, mais a gente tem que ter atenção porque podemos abrir uma nova janela para empresários de má-fé. O projeto de lei tem que olhar para todo o contexto da comercialização de combustíveis ou pode danificar a cadeia inteira. Nos mercados de diesel, gasolina e de biodiesel nós tivemos a implementação da monofasia que ajuda a resolver a questão com a cobrança dos impostos num único elo. Mas no etanol hidratado ainda não temos isso.

BiodieselBR.com – Qual é o risco disso para o mercado?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – No etanol, você cobra o imposto tanto no elo de produção quanto no da distribuição. Só no Cofins, que é um imposto federal, são 25 centavos por litro; sendo 13 pagos pela distribuidora e 12 pelo produtor. Em um mercado onde as margens são de um ou dois centavos por litro, uma distribuidora que sonegue o Cofins tem uma vantagem enorme. Aí você faz isso por uns cinco ou seis anos e, quanto o Fisco for atrás, fecha a empresa e abre outra. Esse assunto é debatido há anos no Brasil, o Instituto Combustível Legal vem cobrando ações das autoridades para que esse problema seja resolvido.

BiodieselBR.com – É algo que está circunscrito ao etanol hidratado?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Do ponto de vista tributário, sim. Mas temos que levar em conta o RenovaBio. Não faz muito tempo que o mercado viu que 50 distribuidoras não cumpriram suas metas de descarbonização. Não conseguiram ou não quiseram. Claro que, dentro desse pacote, temos que separar o joio do trigo. É algo que eu venho falando há tempos, que teríamos empresas “barrigas de aluguel” de CBios. Aí as distribuidoras sérias são prejudicadas porque não conseguem competir com os devedores contumazes. Precisamos que a lei seja aplicada da forma correta com a cobrança de multas e, se chegar a esse ponto, com a cassação do registro de quem não cumpre as regras. E tem que ser rápido. A lei tem que ser rígida para não dar chance para empresários de má-fé estragarem um projeto que seria perfeito para o Brasil.

BiodieselBR.com – Há pouco falávamos das novas moléculas que estão chegando no mercado de biocombustíveis. A Potencial tem interesse em outros biocombustíveis?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – A Potencial está deixando de ser apenas uma empresa de combustível. Estamos nos tornando uma empresa de energia. Queremos ser uma empresa com um portfólio completo que dê novas opções aos nossos clientes. Então, a gente tem interesse em fabricar qualquer molécula que seja de interesse do mercado e esteja ao nosso alcance. Ainda não temos um planejamento formatado para isso, mas, conforme a transição energética for acontecendo, nós vamos acompanhá-la. O etanol, por exemplo, já faz parte do nosso portfólio como distribuidor.

BiodieselBR.com – Falando do portfólio da Potencial, vocês estão avançando com o projeto de esmagamento. Como estão as obras da esmagadora?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – As chuvas recentes aqui no Paraná dificultaram um pouco, né? Mas a terraplanagem está sendo feita. Nossa previsão é que, em dando tudo certo, a planta esteja pronta em, no máximo, 24 meses. O Brasil se tornou o maior produtor de soja do mundo. Segundo dados da Conab, este ano colhemos 155 milhões de toneladas e, ao que tudo indica, vai ultrapassar esse volume no ano que vem. A gente quer ter uma parte disso. Nosso caminho tem sido o contrário das demais empresas do setor de biodiesel. A maioria é de empresas do agro que entraram no ramo dos combustíveis; a gente era uma distribuidora de combustíveis e entramos no biodiesel. Vamos, agora, avançar para a ponta inicial da cadeia que é a matéria-prima. O que queremos é ter garantia na oferta de óleo para, no caso de dar algum problema, não ficarmos sem produzir. Não podemos ficar totalmente dependentes do mercado.

BiodieselBR.com – Quando vocês anunciado o projeto da esmagadora informaram, até de forma ostensiva, que essa era a primeira fase. Quais são condições para vir a segunda?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Esse é um novo mercado para nós, então estamos entrando com calma. Foi a mesma coisa com o biodiesel. Começamos com uma planta de 170 mil metros cúbicos de biodiesel em 2013. Aí foi para 200 mil, depois para 300 mil até chegarmos em nossa capacidade atual de 900 mil m³ por ano, se tornando a maior planta produtora de biodiesel do Brasil e a terceira maior do mundo em minhas pesquisas. Ao longo disso, a gente foi aprendendo. Com o esmagamento não vai ser diferente. A gente quer conhecer o mercado de soja e aprender a trabalhar com ele antes. Só quando conhecermos bem o negócio vamos pensar na segunda fase da esmagadora. A Potencial tem por princípio não dar um passo maior do que a perna.

BiodieselBR.com – Vocês foram buscar a certificação da ISCC. É uma preparação para exportar biodiesel?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Posso dizer que sim. O biodiesel é uma molécula que está preparada para atender o mundo inteiro. Temos fabricantes de caminhões, como a Scania, por exemplo, que produzem motores 100% adaptados ao biodiesel o que vai permitir misturas maiores. Eu acredito que o mercado externo vai ter interesse em importar biodiesel brasileiro porque temos um dos padrões de qualidade mais rígidos do mundo. E como a gente tem uma planta muito grande, queremos poder exportar para reduzir o risco de ficarmos ociosos como aconteceu no ano passado. Não que essa vá se tornar nosso viés principal de atuação, mas, se em algum momento, não conseguirmos vender no mercado interno temos essa opção. Por isso, estamos fazendo o desenvolvimento de clientes do mercado externo. Tornarmos a Potencial mais conhecida fora do país é um passo para que possamos internacionalizar nossa atuação em mais alguns anos.

BiodieselBR.com – O Brasil tem uma notória dificuldade em exportar biodiesel. Por que isso acontece?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Exportar é realmente complicado. Alguns países fazem exigências regulatórias bastante estritas que vão além dos padrões de qualidade. A Europa, por exemplo, está muito focada na questão dos biocombustíveis feitos de resíduos. A Potencial está se preparando para atender essas exigências, por isso fomos atrás do ISCC. Além disso, alguns grandes clientes têm políticas e fazem exigências adicionais. Em alguns casos, você teria que fabricar um lote especialmente para determinado cliente, tem que parar a planta e, depois, resolver toda a logística. É uma situação que eu não sei se é sustentável porque chega num ponto em que pode inviabilizar a oferta.

BiodieselBR.com – Deixa eu mudar de uma perna da Potencial para outra. Vocês inauguraram uma base em Betim. Como é que esse investimento compõem o planejamento de vocês?

Carlos Eduardo Hammerschmidt – Essa base se tornou uma necessidade. A Potencial atua em Betim há mais de 10 anos, onde fica a Refinaria Gabriel Passos. Temos uma grande clientela por lá e necessitávamos de um terminal nosso para facilitar nossa operação logística e de suprimentos. Além de ser uma base primária interligada com a refinaria, será a base com a melhor tecnologia da região, dando rapidez aos carregamentos e total flexibilidade para os nossos clientes. E Minas tem uma deficiência em terminais logísticos. Por isso, há uns cinco anos vínhamos estudando a ideia e procurando um terreno que fosse compatível com o projeto. Não foi fácil porque é uma região muito concorrida e de geografia complexa. Nossa base vai dar uma dinâmica maior para o mercado, muitas distribuidoras que não trabalhavam em Betim vão vir trabalhar conosco. Isso vai aumentar os fornecedores para os postos de combustíveis de Minas. E vamos poder armazenar mais biodiesel e outros biocombustíveis.

Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com