BiodieselBR.com 03 nov 2022 - 12:25

A BSBIOS já não é mais apenas uma fabricante de biodiesel. Até 2025, o grupo quer ser o maior produtor de biocombustíveis avançados da América Latina e está se preparando para instalar a maior usina de etanol do Rio Grande do Sul. A visão é que o grupo esteja entre os três primeiros do mercado global de biocombustíveis até o final da década ao mesmo tempo em que se torna neutra em carbono. São metas ousadas e a empresa gostaria que essa ousadia se refletisse também no governo brasileiro e nos países da América Latina para criar uma Opep Verde.

Esses foram alguns dos assuntos tratados entre BiodieselBR.com e o fundador e CEO da empresa, Erasmo Carlos Battistella.

BiodieselBR.com – Nos últimos anos a BSBIOS vem diversificando seu portfólio; primeiro tivemos o Omega Green e, mais recentemente, uma usina de etanol. Para onde a empresa está indo agora?

Erasmo Battistella – Como maior produtora de biodiesel do Brasil, sabemos do papel crucial que a BSBIOS desempenha na transição para uma economia de baixo carbono. Acreditamos na sustentabilidade como propulsora dos negócios e, por isso, não buscamos apenas o crescimento pelo crescimento, mas também olhamos o impacto positivo de longo prazo que podemos deixar para as pessoas e para o planeta. Nossos bons resultados refletem o compromisso de crescer de forma orgânica, com um portfólio de investimentos em constante renovação e temos um planejamento estratégico que assume como objetivo que a BSBIOS se torne carbono-neutra até 2030. Para tanto, caminhamos com o processo de internacionalização do grupo por meio do projeto de biocombustíveis avançados no Paraguai [Omega Green], que tem como meta nos tornar o maior produtor desse segmento na América Latina até 2025, e com a aquisição de uma planta na Suíça. Ao mesmo tempo em que estamos incrementando nossa estratégia de exportação de produtos.

BiodieselBR.com – E a usina de etanol? Como ela se encaixa?

Erasmo Battistella – Ela reforça nossa estratégia de ser uma das empresas mais importantes em biocombustíveis. O Rio Grande do Sul importa 99% do etanol que consome e nós, com esse investimento, vamos ampliar nossa capacidade de produção de biocombustíveis aqui na Região Sul, aderindo ao Pró-Etanol. A nova fábrica vai suprir 23% dessa necessidade a partir de 2027. A iniciativa também vai representar um incremento na oferta de farelo para as cadeias de proteínas animais, promover investimento em desenvolvimento de tecnologia genética de variedades de trigo específicas para a produção de etanol e criar oportunidades de renda para o agricultor com a cultura de cereais de inverno.

BiodieselBR.com – O bio continua sendo o foco da companhia ou a ideia da BSBIOS colocar seus pés em outras áreas de atuação pode estar no horizonte?

Erasmo Battistella – Nosso grupo tem como propósito o investimento em negócios sustentáveis, com foco no agronegócio e em energias renováveis. Nossa intenção é manter um portfólio de investimentos em constante renovação com a busca constante de inovações e avanços tecnológicos. Nosso viés está no conceito de ESG com a adoção das melhores práticas ambientais, sociais e de governança. Estamos atentos a qualquer oportunidade que nos leve nessa direção.

BiodieselBR.com – E quanto ao avanço da BSBIOS para outros países como Paraguai e a Suíça. O Brasil ficou pequeno?

Erasmo Battistella – Queremos crescer e estamos considerado as oportunidades também além de nossas fronteiras. A recente a aquisição da MP Biodiesel na Suiça e a BSBIOS Paraguay confirmam que estamos na direção certa para atingir os objetivos estabelecidos em nosso planejamento estratégico. As competências e as experiências da BSBIOS no Brasil serão fundamentais para o sucesso e a expansão deste importante setor na região, que receberá a primeira usina produtora de biocombustíveis avançados como o óleo vegetal hidrotratado (HVO) e o querosene parfínico sintético (SPK), que pode ser utilizado misturado ao querosene de aviação.

BiodieselBR.com – Apesar desses movimentos, a BSBIOS ainda é muito associada ao setor de biodiesel. O último biênio não foi dos mais felizes para o setor. Tivemos: redução na mistura, a mudança do sistema de comercialização e o adiamento das metas do RenovaBio. Como a BSBIOS vem digerindo tantas mudanças?

Erasmo Battistella – O setor tem se articulado para defender suas pautas no âmbito do Congresso Nacional. O objetivo é trabalhar de forma conjunta não só em prol do setor de biodiesel, mas por um futuro mais próspero e sustentável a todos os brasileiros. Destacamos a importância do aumento da produção e do uso do biodiesel com previsibilidade e segurança jurídica, garantindo a manutenção e a ampliação dos investimentos no setor de biocombustíveis. Para isso, precisamos cumprir a mistura obrigatória de 14% de biodiesel ao diesel fóssil a partir de janeiro de 2023, e do B15, em março do próximo ano. Também defendemos a possibilidade do aumento progressivo de 1 ponto percentual ao ano até atingirmos ao B20 em março de 2028. Outra medida que defendemos é a adoção do B20 em todo o diesel vendido nas regiões metropolitanas brasileiras a partir de 2023.

BiodieselBR.com – E quais as armas do setor para destravar o diálogo com o governo?

Erasmo Battistella – Não há dúvida sobre os principais benefícios que o biodiesel oferece para a sociedade brasileira: agregação de valor com o fortalecimento da indústria nacional, a valorização da agricultura familiar, a descarbonização da matriz de combustíveis, a melhoria da qualidade de vida da população e o fortalecimento da segurança energética e alimentar. O biodiesel tem plenas condições de assumir um papel cada vez mais relevante no Brasil, colocando o país no rumo para desenvolvimento sustentável e cumprimento dos compromissos de descarbonização de nossa economia. Está mais do que na hora de que esta pauta – que além de promover a economia e os empregos verdes, protegem a saúde dos brasileiros e o meio ambiente – se consolide como uma política de estado. E não é só o biodiesel. A definição de um marco regulatório que dê segurança, previsibilidade e assim promova investimentos na produção da nova geração de biocombustíveis avançados também é urgente.

BiodieselBR.com – O adiamento das metas RenovaBio e a tentativa do Planalto de implementar mudanças no programa por meio de MP preocupam?

Erasmo Battistella – Tratar o RenovaBio dentro de um plano de política de preços é um erro. O Brasil tem muitos desafios que devemos solucionar no curto prazo, mas é preciso ter consciência de que a área ambiental e a produção de energia limpa são as maiores fontes de oportunidades para ajudar o país a reduzir suas diferenças sociais. Este é um ativo brasileiro que necessita ser tratado como política de estado. Clima e a transição energética passaram a ser também uma questão de saúde, de economia, de emprego, de renda, de produção de alimentos e de proteção ao meio ambiente. Temos um enorme potencial de aumentar a produção de bioenergias sustentáveis em conjunto com a produção de alimentos e redução do desmatamento. Essas são pautas que queremos ver ganhar corpo e profundidade. Elas não podem sofrer com decisões pontuais intempestivas que ferem a essência do programa e a segurança jurídica, com impacto na previsibilidade que define qualquer plano de investimento.

BiodieselBR.com – Até o momento não existe nenhum obstáculo ao retorno do B14 e à adoção do B15 no próximo ano. Mas o mercado está preparado para dar esse salto repentino?

Erasmo Battistella – Sim, está preparado a questão da mistura está inserida num contexto de previsibilidade. Não é possível considerar uma mudança sem tempo suficiente para nos organizarmos em termos de aquisição de matéria-prima. De qualquer forma, a bandeira da volta da mistura dentro do estabelecido em lei é primoridal para nós e vamos insistir nisso.

BiodieselBR.com – Falando em 2023, o ano já deve começar com mais uma mudança importante que é a liberação das importações. Essa mudança preocupa?

Erasmo Battistella – Nós não somos contra a abertura do mercado, desde que sejam salvaguardadas as condições de competitividade para as empresas nacionais considerando subsídios tributários na fonte da importação e respeitando as mesmas exigências a que somos submetidos como processos de certificação de origem de matéria-prima e o compromisso com o Selo Biocombustível Social no Brasil para atender a agricultura familiar. Hoje, o setor apresenta uma ociosidade superior a 50% e a importação pode ampliar esse desmonte. Ainda precisamos consolidar o RenovaBio e avançar nos percentuais de combustíveis renováveis, em especial no ciclo diesel, e introduzir os biocombustíveis de segunda geração. Em minha opinião, essas são as verdadeiras prioridades para manter o país como referência mundial na descarbonização da matriz de transportes e para cumprir os compromissos assumidos pelo governo brasileiro no Acordo de Paris e que foram reforçadas na COP26.

BiodieselBR.com – Recentemente, a BSBIOS lançou um programa que divide parte dos ganhos com CBios com seus fornecedores de biomassa. Como essa iniciativa se integra à estratégia da empresa?

Erasmo Battistella – Nosso objetivo é construir junto com nossos parceiros uma cadeia de fornecimento de matérias-primas que consiga mitigar riscos e fortalecer a ecoeficiência de forma permanente. Dessa forma poderemos atender às exigências e obter as certificações que garantem a participação de nossa empresa no mercado de combustíveis sustentáveis interno e externo. A conquista de certificações nada mais é do que a demonstração para o mundo do que já é uma realidade no Brasil: nós somos exemplo de produção de matérias-primas e de biocombustíveis com sustentabilidade. O desenvolvimento de toda a cadeia com foco nos mercados maduros é uma oportunidade de crescimento para cada um de seus elos. Há um outro ponto fundamental. O Programa Crédito de Fornecedor Sustentável 2SC é o ponto inicial do processo para atingir a meta de neutralidade de carbono no Escopo 3, que computa as emissões na cadeia de suprimentos.

BiodieselBR.com – Por meio do Omega Green, sua empresa está fazendo uma aposta relevante nos biocombustíveis de aviação. Em sua opinião, o Brasil vem atuando com a urgência necessária para viabilizar essa cadeia?

Erasmo Battistella – A demanda por combustível de aviação sustentáveis (SAF) está batendo em nossa porta e precisamos de uma resposta rápida e consistente para acelerar essa nova rota. A indústria aérea já afirmou que o uso do combustível aéreo renovável será responsável por garantir 65% da meta setorial de neutralidade de emissões até 2050. A posição da International Air Transport Association (IATA) é de defesa de um esforço coletivo de toda a indústria juntamente com governos, produtores e investidores para que o setor possa alcançar suas próprias metas.

BiodieselBR.com – O que falta para que o país avance também nos biocombustíveis de aviação?

Erasmo Battistella – Há necessidade de aprovar no país, já neste segundo semestre, um marco regulatório para garantir investimentos e atendimento das demandas futuras do setor aéreo, uma política pública. Uma planta de SAF é mais complexa do que as usinas de biodiesel e de etanol. Seu desenvolvimento dura cerca de cinco anos. Para os investimentos ocorrerem de forma significativa a tempo são necessárias regras claras sobre sistemas produtivos aceitos no país e uma definição da porcentagem de mistura de SAF nos tanques dos aviões. Sem regras, é uma aposta de alto risco. O Brasil é responsável por 50% do transporte aéreo na região. Por isso, precisamos criar um marco regulatório robusto que garanta a segurança de investimento e um percentual mínimo de mistura. Vale ressaltar, porém, que essa iniciativa faria mais sentido na forma de uma ação integrada com todo o continente latino-americano.

BiodieselBR.com – Por falar nisso, a biorrefinaria Omega Green está sendo instalada no Paraguai. Acho isso bastante significativo. O Brasil tem, quase sempre, tentado agir por conta própria no mercado de bioenergia. Não seria melhor pensar esses projetos dentro de uma lógica regional?

Erasmo Battistella – Tenho articulado junto com associações do setor nesses países para estimular a criação de um plano regional de transição energética tanto em termos de financiamento quanto de alinhamento político. Defendo que os governos dos países da América do Sul, juntamente com a sociedade civil, o setor empresarial e os parceiros internacionais, tomem medidas mais ousadas, proporcionais à magnitude das oportunidades e desafios que a região enfrenta. Foi por esse motivo que nos afiliamos a Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo. A indústria de aviação regional está dando passos firmes para cumprir seus compromissos ambientais e a associação está focada em trabalhar para gerar as condições necessárias para atingir esses objetivos. Vários países da região já estão trabalhando em iniciativas para melhorar seus marcos legais para produção e importação de SAF.Temos muitas boas experiências para trocar entre os países em relação ao que já foi feito sobre biocombustíveis na região e estou sentindo uma boa receptividade em relação à possibilidade de integração. Eu acredito que o continente pode se tornar uma espécie de “Opep Verde”.

BiodieselBR.com – Se realmente dermos esse passo, qual seria o potencial para o Brasil?

Erasmo Battistella – Temos um potencial enorme para aumentar a produção de bioenergias sustentáveis a partir da biomassa sem sacrificar e diminuir a produção de alimentos ou provocar desmatamento. O maior desafio do momento é a gestão das emissões do transporte nas grandes cidades, um dos maiores vilões para o aquecimento global. No Brasil, nos tornamos um dos principais produtores de energia limpa para a mobilidade. O horizonte também está repleto de novas possibilidades para os biocombustíveis de primeira e de segunda gerações que movimentariam a economia nacional – iniciando pelo agronegócio e evoluindo para a industrialização. Essa trajetória é sinônimo de crescimento, de integração da agricultura familiar, de mais investimento e de mais emprego nacional para uma cadeia de negócios muito importante. O mundo constatou que as mudanças climáticas não são uma ficção. Governos e empresas estão buscando tomar decisões mais ousadas na direção de uma transição da matriz energética para um modelo mais sustentável, com a ampliação e antecipação das metas de descarbonização.O Brasil, por sua experiência em biocombustíveis e por sua condição natural, tem que tornar essa discussão uma prioridade. Este é um benefício para toda a sociedade e um legado que precisamos deixar para as gerações futuras – não podemos mais esperar.

Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com