China precisa do biocombustível brasileiro para diversificar suas fontes de energia
A China, maior emissora mundial de gases de efeito estufa, enfrenta o desafio de reduzir sua dependência de combustíveis fósseis e diversificar suas fontes de energia. A potência asiática é a quarta maior produtora de biocombustíveis do mundo – atrás de Estados Unidos, Brasil e União Europeia – e investiu bilhões de dólares nos últimos anos para ampliar a produção.
O biodiesel é predominantemente usado no país para a geração de energia elétrica, em embarcações de pesca e no maquinário agrícola, com o transporte rodoviário respondendo por cerca de um terço da demanda total, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). Informações sobre a produção de outros tipos de biocombustível, como biobutanol e diesel renovável, são limitadas, o que para a IEA reflete uma “lacuna no desenvolvimento desse setor”.
Embora exporte biodiesel, o mercado interno chinês é pequeno em relação à economia. Nos últimos anos, o país deu mais importância à eletrificação. Mas o governo lançou em março deste ano um plano para incentivar o uso interno de combustíveis renováveis – haverá um plano-piloto, com participação de 22 cidades (incluindo metrópoles como Pequim e Cantão). A mudança deverá ocorrer principalmente em veículos comerciais, frotas de ônibus e pequenas embarcações. A China também vem importando etanol. Tudo isso é visto por muitos empresários brasileiros como uma oportunidade.
“Existe um enorme potencial. A China está empenhada em reduzir suas emissões de carbono e é um mercado promissor para o biocombustível brasileiro”, afirma Henrique Berbert de Amorim Neto, presidente da Fermentec e do Arranjo Produtivo Local do Álcool (Apla).
No Brasil, o setor está aquecido. Vem batendo recordes de produção ano após ano. A Lei do Combustível do Futuro, que entrou em vigor em outubro, incentiva os dois produtos mais tradicionais, biodiesel e etanol, e outros três – SAF (Combustível Sustentável de Aviação), Diesel Verde (totalmente intercambiável com diesel fóssil) e biometano (que pode ser totalmente intercambiável com gás natural fóssil).
Com a base de recursos naturais e a maturidade do mercado interno, o país pode se tornar um forte competidor no mercado internacional de SAF. Três fábricas devem começar a operar em breve. A BBF lidera um projeto de biorrefinaria na Zona Franca de Manaus (AM), com previsão de produzir 250 milhões de litros anuais de SAF a partir de palma, soja e milho e o início da operação previsto para 2026. A Acelen, por sua vez, anunciou mais de US$ 2,5 bilhões em uma unidade anexa à refinaria de Mataripe, na Bahia, que deverá produzir 500 milhões de litros por ano, a partir de 2027. Já a Petrobras planeja implantar uma unidade similar em Cubatão, São Paulo, com capacidade de 350 milhões de litros anuais – a entrada em operação deve ser em 2029.
Atualmente, o querosene de aviação pode receber no máximo 50% de SAF, mas há expectativas de que até 2030 as aeronaves possam usar 100% do combustível renovável, informa o Fórum Econômico Mundial.
Além disso, a China tem a previsão de dobrar sua frota de aviões. O país deve construir fábricas de SAF até o fim de 2025 e há planos de investimento da ordem de US$ 1 bilhão, segundo a agência Reuters. Mesmo com o projeto de produção interna, a China se tornaria candidata natural a importar SAF do Brasil. “O SAF tem potencial superinteressante. As companhias têm metas de redução [de emissões de gás carbônico] e não existe alternativa: vai ter que ser com combustíveis avançados”, diz Camila Ramos, CEO e fundadora da butique de investimentos Clean Energy Latin America (Cela), especializada em energias limpas.
Ramos também acredita no potencial da nova geração de biocombustíveis. “Nosso potencial é o crescimento na produção de biocombustível de segunda geração. O de primeira geração, que usa a cana-de-açúcar como matéria-prima, já era sustentável, bem competitivo. Agora, com combustível de segunda geração, é muito mais”, diz. Biocombustíveis de segunda geração são produzidos a partir de qualquer biomassa, como bagaço de cana, o que eleva muito a produtividade do processo.
Para Suzana Kahn, presidente da Coppe/UFRJ e uma das coordenadoras do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o setor de transporte marítimo chinês é pouco explorado pela indústria de biocombustíveis brasileira. A demande existe, tanto que uma das maiores transportadoras de cargas do mundo, a chinesa Cosco, pretende construir, ela mesmo, uma planta para produzir biodiesel no Brasil. A cientista conta que o projeto, no Pará, se baseia em óleo de palma. “Querem passar a usar o biodiesel no transporte marítimo, que é um transporte que é difícil de abater as emissões”, explica Kahn.
A professora conhece bem a China. Há anos ela faz parte de um grupo de trabalho entre a Universidade de Tsinghua e a Coppe. Para Kahn, o empresário brasileiro precisará se arriscar mais se quiser entrar no mercado chinês de biocombustíveis. “É preciso ter um pouco de apetite pelo risco, porque a minha impressão é que a gente só quer ir no negócio certo. Tem que arriscar um pouco”, diz.