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Acidentes

Vazamento de biodiesel em rios e lagos agride a natureza


O Regional - 19 dez 2011 - 07:05 - Última atualização em: 27 fev 2012 - 12:29

O biodiesel, embora seja menos poluente do que o diesel de petróleo – emite menor quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera –, também pode causar impactos significativos ao meio ambiente, dependendo da espécie que entrou em contato como biocombustível. Isso porque sua formulação possui elementos naturais que poderiam facilitar a absorção de substâncias tóxicas pelos animais.

Essa foi a constatação feita por uma pesquisa realizada pelo grupo do professor Eduardo Alves de Almeida, do Departamento de Química e Ciências Ambientais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São José do Rio Preto.

Em entrevista ao O Regional, Almeida explicou que a pesquisa teve como objetivo fazer uma analise comparativa das respostas bioquímicas entre determinadas espécies de peixes. “Nosso objetivo foi observar se, pelo hábito dos peixes, as respostas à exposição ao tipo de biodiesel testado seriam diferentes. Para isso, estudamos exposições de dois a sete dias nas duas espécies ao diesel derivado de petróleo com biodiesel”, explicou. O pesquisador, que está finalizando os estudos relacionados ao cascudo, adianta que, apesar dos hábitos diferenciados das duas espécies, as respostas dos animais são muito parecidas. “Existem somente pequenas variações nas atividades enzimáticas desses peixes”, disse. Indicador de que o biodiesel não está livre de toxidade.

O Regional: De qual pressuposto de partiu para o desenvolvimento dessa pesquisa?
Eduardo Alves de Almeida: O diesel de petróleo já é foco de estudos na minha área há um bom tempo, visto sua toxicidade para organismos aquáticos. Com o surgimento do biodiesel, e de incentivos das agências de fomento à pesquisa para estudos relacionados a biocombustíveis em diferentes abordagens, desde melhorias na produção, desenvolvimento de motores com maior rendimento e impactos ambientais, como exemplo o programa BIOEN da FAPESP, foi que surgiu o interesse em se testar até que ponto o biodiesel poderia apresentar uma menor toxicidade a animais aquáticos, quando comparados ao diesel de petróleo. Já tínhamos resultados prévios de experimentos com peixes com o diesel de petróleo, o que proporcionou um ponto de partida, um parâmetro de comparação. Quando começamos a elaborar o projeto, percebemos que não havia nenhum trabalho publicado na literatura científica sobre efeitos do biodiesel em espécies aquáticas, apenas um de um grupo do Japão, porém um estudo sobre efeito na sobrevivência de espécies expostas a diesel de petróleo e biodiesel indicando que o diesel de petróleo era bem mais tóxico, tendo efeito letal em menores concentrações quando comparados aos biodiesel.

O Regional: Porque a maioria da população tem a visão de que o biodiesel é um combustível que não causaria impacto nenhum para a natureza?
Almeida: Primeiro porque ele é de origem natural, na maioria das vezes de óleos vegetais ou gordura animal. O diesel derivado de petróleo contém uma série de compostos, em altas concentrações, que há muito já se sabe que são carcinogênicos, enquanto que até onde se sabe, não estão presentes no biodiesel. Além disso, a queima do biodiesel realmente libera gases menos nocivos à saúde quando comparados ao diesel de petróleo. Porém isso não necessariamente significa que o biodiesel é totalmente isento de efeito nocivo. E há que se considerar os impactos ambientes relacionados ao processo de produção, desde a expansão de cultivos agrícolas das fontes (no caso de fontes vegetais), que fazem diminuir os habitats naturais, o aumento do uso de defensivos agrícolas tóxicos, até a geração de resíduos nas indústrias, decorrentes dos processos de produção.

O Regional: Como foi desenvolvida a pesquisa?
Almeida: O projeto como um todo envolve basicamente experimentos onde colocamos os peixes em aquários, em condições controladas em laboratório, e adicionamos o diesel de petróleo puro, diesel de petróleo contendo 5% de biodiesel, contendo 20% de biodiesel e biodiesel puro. Os animais são expostos por 2, 7, 15 e 30 dias. A cada um desses tempos de exposição, grupos de peixes são coletados e uma série de parâmetros bioquímicos é analisada, e os resultados comparados com animais não expostos. Dependendo do grau de alteração nesses parâmetros em relação aos animais controle, podemos verificar os efeitos danosos dos compostos aos peixes.

O Regional: Porque foram escolhidos os tipos de peixes tilápia e cascudo? Quais são as características que possuem para detectar os impactos na biota marinha?
Almeida: Tanto a tilápia quanto o cascudo é peixe de água doce. Existem duas justificativas para se estudar essas duas espécies. Primeiro que a tilápia é considerada um animal modelo em estudos na nossa área de pesquisa, o que significa que já tem inúmeros trabalhos de toxicologia ambiental realizados com essa espécie na literatura científica. Isso é bom porque já temos um bom conhecimento das respostas desses animais a outros poluentes, o que serve de parâmetro comparativo para melhor interpretarmos nossos resultados. Por outro lado, o cascudo que estudamos é uma espécie que só ocorre na América latina, e que praticamente não temos estudos toxicológicos publicados. Por sermos latinoamericanos, acho importante que estudemos nossas espécies, para melhor entender como que respondem aos contaminantes dentro de nosso contexto ambiental. Assim, ao estudarmos o cascudo, estamos trazendo importantes informações sobre espécies nativas nossas, e temos como nos apoiar nas tilápias como parâmetro comparativo, ao interpretar os resultados dos cascudos, nos indicando se nossa espécie é mais ou menos resistentes – de fato os cascudos são bem mais resistentes que as tilápias-, o que de certa forma também pode ajudar a o quanto podem estar mais ou menos ameaçadas no caso da contaminação dos ambientes naturais. A segunda justificativa, é que as tilápias são peixes que nadam em toda coluna d’água, ou seja, tem livre acesso a todos os compartimentos da água, enquanto que o cascudo é um peixe que vive no fundo dos rios e lagos, estando mais associado ao sedimento. Isso permite também compararmos o grau de toxicidade dos nossos óleos (diesel e biodiesel), considerando que há uma fração que se dissolve na água, outra que precipita e vai se acumular no sedimento, outra que é insolúvel e fica boiando na superfície. Como essas duas espécies têm acessos a diferentes compartimentos do ambiente, terão contato com diferentes “frações” do contaminante, o que às vezes pode explicar respostas diferenciadas ao mesmo, quando comparados os resultados.

O Regional: Qual estágio atual da pesquisa? Em quanto tempo ela deve ser concluída?
Almeida: Já temos finalizados todos os estudos de exposição de 2 e 7 dias, para as duas espécies, sendo que um trabalho já foi publicado recentemente – há que se dizer que é o primeiro trabalho no mundo sobre efeitos do biodiesel em um animal aquático – e outro está em vias de finalização para submetermos à publicação. Estamos agora terminando os experimentos de exposição por 15 e 30 dias. O projeto tem vigência na FAPESP até o final do ano que vem, então estamos no ritmo adequado.

O Regional: Qual a contribuição que acha que pesquisa trará para a comunidade acadêmica?
Almeida: À medida que fomos obtendo os resultados de nossas análises bioquímicas, vimos que apesar do biodiesel ser realmente menos tóxico que o diesel de petróleo, quando analisamos os dados integralmente, isso não significou que o biodiesel é isento de toxicidade. Em outras palavras, ele também apresenta efeitos tóxicos, porém menores que o do diesel de petróleo. Acredito que esses dados são importantes para a comunidade acadêmica, respondendo dentro do contexto da pergunta, principalmente pelo fato de que tenho visto, principalmente em congressos, alguns trabalhos que também têm indicado efeitos nocivos do biodiesel em diferentes modelos animais. Isso tem causado surpresa em muitos pesquisadores. Como falei antes, tínhamos a ideia de que o biodiesel, por ser de fonte natural, por alguma razão seria muito pouco tóxico, e temos visto que em alguns casos, dependendo da fonte do biodiesel, o efeito tóxico é bem significativo. Por ser uma área muito nova de pesquisa, acredito que ainda haja muita insegurança por parte de alguns pesquisadores em afirmar convictamente que sim, o biodiesel pode ser bastante tóxico. Nossa contribuição, tendo sido o primeiro trabalho publicado numa revista de bom impacto, acredito que será dar mais segurança para que essas afirmações surjam com maior segurança.

O Regional: Porque o biodiesel apresentou maior toxidade em alguns peixes em comparação ao diesel de petróleo?
Almeida: Não é que o biodiesel apresentou maior toxicidade. Veja bem, em nossos estudos costumamos analisar mais de 10 parâmetros bioquímicos, e aqueles que dão as respostas mais clássicas em relação a efeitos tóxicos, responderam mais ao diesel de petróleo. O que foi curioso, é que outros parâmetros, especialmente o nível de lesões a membranas celulares de brânquias dos peixes, foi maior nos animais expostos ao biodiesel, maior até que as lesões dos animais expostos ao diesel de petróleo. Não temos idéia de mecanismos que levaram a esse efeito. Mas nossa hipótese é de que, pelo biodiesel conter ácidos graxos em sua composição, e que ácidos graxos muito similares são encontrados na estrutura da membrana das células dos peixes, a oxidação dos ácidos graxos do biodiesel seja no ambiente ou por processos químicos e bioquímicos após sua absorção nas brânquias, de alguma forma contribuiu para aumentar a oxidação dos ácidos graxos presentes na própria membrana celular do organismo. Mais estudos precisam ainda ser feitos para esclarecer o que de fato ocorreu.

O Regional: A biota aquática é a que mais sofrerá por conta dos impactos causados pelo biocombustível caso ocorram vazamentos ou acidentes?
Almeida: Não há como predizermos que organismos vivos mais sofrerão com o aumento da produção de biocombustíveis. Porém é certo que isso traz grandes impactos ao meio ambiente, e quanto mais pesquisas na área forem apoiadas, talvez possamos trazer alternativas que minimizem os impactos.

Almeida: Quero acreditar que nossos resultados ajudem a alertar quanto a potenciais efeitos adversos que esses biocombustíveis possam trazer, e que se deve ter cuidado especial evitando vazamentos, descartes indevidos, enfim, há que se ter um certo zelo em sua manipulação de uma forma geral para evitar efeitos indesejáveis aos ecossistemas.

Além de professor da Unesp, Eduardo Alves de Almeida é guitarrista da banda de rock Lastpain, atividade que ele mantêm junto com a carreira de professor. Ele possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998) e doutorado em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é professor assistente da Universidade Estadual Paulista - Júlio de Mesquita Filho. Seu pós-doutorado foi na Universidad de Córdoba, UCO, Espanha.

Bolsista do(a): Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ,CNPq,Brasil . Entre os anos de 1999 e 2003, fez Doutorado em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil.