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Soja

‘CRA verde’ quer impulsionar soja sem desmatar


Valor Econômico - 02 out 2023 - 09:47

Consumidores britânicos preocupados com a questão ambiental estão levando a mudanças na forma de financiamento do agronegócio brasileiro. Uma estrutura financeira inovadora viabilizou a emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) “verdes”, que vão permitir investimentos de US$ 47,24 milhões na expansão sustentável da produção de soja no Cerrado. Em troca de juros mais baixos, produtores não poderão desmatar nem mesmo a área a que teriam direito por lei.

Os recursos irão financiar 122 propriedades rurais no Mato Grosso, Goiás e região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Os “green bonds” foram adquiridos por Santander Brasil e Rabobank, responsáveis por aportes de US$ 12,62 milhões cada um, e pelo fundo europeu de investimento de impacto AGRI3 (US$ 11 milhões). Esses recursos se somam a outros US$ 11 milhões alocados pelas varejistas britânicas Tesco, Sainbury’s e Waitrose, em um fundo criado pela iniciativa Responsible Commodities Facility (RCF), em agosto de 2022. O aporte feito à época foi convertido em crédito e integralmente quitado - o que permite que agora esses recursos voltem a ser concedidos a outros produtores.

Trata-se de uma operação de “blended finance” - nome dado a estruturas financeiras híbridas, que podem aliar aportes de instituições financeiras a recursos não reembolsáveis e de filantropia. A emissão dos green bonds em dólar foi coordenada pela Sustainable Investment Management (SIM), em parceria com a plataforma de securitização Opea e a Traive, consultoria focada em crédito para o agronegócio. O Santander foi o coordenador líder da emissão no país.

A ideia é prover incentivos para a produção e eventual expansão do cultivo sem desmatar áreas de vegetação nativa, mesmo em áreas permitidas pela legislação. Desta forma, a emissão terá como lastro as 260 mil toneladas de soja estimadas para a safra 2023/2024, o que resultará na conservação de uma área de aproximadamente 43,4 mil hectares de vegetação nativa.

“Este CRA verde demonstra a nossa capacidade de unir esforços e inovar para que os nossos clientes possam atender as mais exigentes demandas do mercado internacional por commodities sustentáveis, e adotar melhores práticas produtivas que preservam os nossos ricos ecossistemas”, afirma Maitê Leite, vice-presidente executiva Institucional do Santander Brasil.

As propriedades seguirão os critérios socioambientais da iniciativa Innovative Finance for the Amazon, Cerrado and Chaco (IFACC). O cumprimento dos critérios e os impactos ambientais serão continuamente monitorados e reportados a um comitê de sustentabilidade, no qual mantêm assento ONGs internacionalmente reconhecidas. Leonardo Fleck, diretor de inovação sustentável do Santander, aponta que o banco é o único brasileiro no IFACC e que, estando na Europa, tem visto as mudanças na UE e no Reino Unido, voltadas a exigir critérios de controle do desmatamento na produção de commodities agrícolas.

“Após uma bem-sucedida primeira operação, em que a totalidade do crédito concedido foi quitada e não houve qualquer desmatamento, o programa está agora sendo escalado rapidamente para garantir que mais soja seja produzida e certificada como livre de desmatamento”, afirma Mauricio de Moura Costa, CEO da SIM Brasil. “Estamos incluindo o incentivo no dia a dia do produtor, no financiamento dele.” Futuramente, é possível que outros produtos agropecuários sejam alvo de estruturas semelhantes de financiamento.

Renato Frascino, sócio e chefe de agronegócios da Opea, diz que a iniciativa abre uma porteira para que produtores que atuam de forma sustentável acessem recursos no exterior que antes eram apenas para grandes empresas. Segundo ele, esse CRA, por meio de emissões de Cédula de Produto Rural Financeira (CPR-Fs) referenciada em dólar, amplia as fontes de recursos para fazer frente a produção e comercialização de grãos sustentáveis no Brasil, em um cenário de limitação de crédito rural.

Luís Lapo, diretor de risco na Traive, comenta que hoje em dia ainda não existe um “prêmio” por sustentabilidade em larga escala na comercialização de soja. “Então, com juros competitivos e uma operação desburocratizada - o produtor recebe o dinheiro em uma semana, sem precisar apresentar garantias - a gente consegue servir como um catalisador para que os fazendeiros sustentáveis produzam mais.” Ele aponta que o setor agrícola brasileiro precisa de quase R$ 1 trilhão em financiamentos por ano, e os bancos cobrem apenas metade disso. O resto vem da venda a prazo de insumos, com indústrias, cooperativas e tradings. “Esse ‘gap’ de financiamento só vai crescer nos próximos anos. Então precisamos cada vez mais de novas iniciativas, que usem os mercados de capitais e sejam escaláveis”, afirma.

Ken Murph, CEO do Grupo Tesco, disse que a rede varejista assumiu o compromisso de até 2025 só comprar soja de áreas verificadas como livres de desmatamento. “Para nos ajudar a atingir esse objetivo, é vital que forneçamos apoio prático e financeiro aos agricultores no Brasil comprometidos com a produção de soja com desmatamento zero e com a conservação da vegetação nativa”.

Álvaro Campos – Valor Econômico