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Dendê / Palma

Empresa investe no plantio da palma na Amazônia


Globo Rural - 10 ago 2015 - 10:02
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O dendê, mais conhecido pelo seu uso na culinária baiana, é uma palmeira que na realidade serve para a produção de vários tipos de óleo vegetais. O Globo Rural visitou uma grande fazenda de dendê na Amazônia. Com plantações que ocupam milhares de hectares, a propriedade tem viveiros, laboratórios, agroindústria e montou até uma integração com pequenos produtores da região.


Além do azeite, usado na cozinha, os frutos do dendê também rendem vários outros tipos de óleos e gorduras vegetais. O óleo de dendê está na receita de cremes, hidratantes, sabonetes; na fabricação de bolo, massa, sorvete, margarina; e é também a base pra produção biodiesel de dendê – um combustível vegetal que entra numa mistura com óleo diesel.

O ingrediente usado em tantos produtos é extraído dos frutos de uma palmeira: o dendezeiro também é conhecido como palma, ou palma-de-óleo. Uma espécie tão comum em certas partes do Brasil, que nem parece que ela não é nativa daqui.

O agrônomo Alessandro Carioca, da Embrapa Amazônia Oriental, estuda o cultivo do dendezeiro, no município de Moju, no Pará. Ele explica que a palmeira é originária da costa oeste da África e que foi trazida ao Brasil no período colonial. Como gosta de calor e umidade, logo se espalhou por sítios e fazendas – principalmente do litoral do Nordeste e da Amazônia.

“O dendê tem uma copa com, em média, cinquenta folhas. Em uma floresta densa na África ele pode atingir até 30 metros de altura. O cacho de fruto maduro vai pesar, em média, até 25 quilos”, explica o agrônomo.

No Brasil, o maior produtor de dendê é o Pará. Com 170 mil hectares plantados, o estado responde por 83% da safra nacional.

O Globo Rural visitou uma fazenda que fica na divisa dos municípios de Tailândia, Tomé-Açu, Moju e Acará. Ela está entre as pioneiras na Amazônia. A Agropalma planta dendê desde os anos 80 e hoje é a maior produtora desse óleo no Brasil.

O agrônomo Tulio Dias Brito conta que a empresa cultiva 39 mil hectares de dendê, tem quatro indústrias, escritórios, galpões e nada menos do que 1.600 quilômetros de estradas internas.

Pra cumprir a legislação ambiental, os dendezais são permeados por grandes áreas de floresta. Ao todo, a propriedade mantém 64 mil hectares de matas próprias – somando reserva legal e áreas de preservação permanente. “Temos aproximadamente 5.200 funcionários – 3.500 na área agrícola. Funcionamos como uma pequena cidade. Temos quatro vilas espalhadas pela plantação e para fornecer os serviços básicos que a população precisa, a gente tem também um ambulatório médico, uma escola e uma academia”, conta Tulio.

Com essa estrutura, a fazenda abriga todas as etapas de produção. Todo o trabalho começa com a produção das mudas de dendê. A capacidade de produção é de 180 mil mudas por ano no viveiro.

O técnico agrícola Carlos Alberto Carvalho explica que tudo funciona. Pra fazer as mudas, cada saquinho, com terra e matéria orgânica, recebe uma semente germinada. Com água e adubação na medida, as plantas crescem rapidamente. Com um ano, a palmeirinha está pronta pro plantio no campo.

O espaçamento adotado no cultivo é de oito metros entre linhas e nove metros entre plantas.

Por ser rústico, o dendezeiro não exige grandes cuidados. Mas, como em qualquer monocultura, o controle de pragas é um desafio.

“Com certeza é um desafio muito grande. Quando a praga sai de um ambiente de floresta, que é diversificado, e encontra um mar de palmeiras, ela vai se multiplicar numa facilidade maior”, explica o agrônomo Ricardo Salles Tinoco.

Ele fala sobre algumas das pragas que tiram o sono dos produtores. A lagarta verde, a opsiphanes, é uma devoradora de folhas. Outra, a broca da coroa, é a forma jovem de uma borboleta. “É uma lagarta difícil de controlar porque na maior parte do seu ciclo de vida ela está dentro do caule, dentro do tronco da palmeira.”

O besouro preto se chama broca do olho do dendê. As larvas dele cavam galerias e transmitem um nematóide. E como combater tantos insetos? Para enfrentar as pragas do cultivo, a fazenda não utiliza inseticida ou venenos convencionais. Todo o controle é feito com manejo, produtos biológicos e armadilhas.

A fazenda, em alguns casos, pulveriza defensivos biológicos no dendezal. O produto é feito com uma bactéria, que só ataca certos tipos de lagarta. “Os resultados são satisfatórios. A gente consegue com esse tipo de controle uma sustentabilidade dentro do plantio e mantém um equilíbrio entre praga e os insetos benéficos, como a gente chama. Qualquer química que você use vai quebrar esse equilíbrio”, fala Ricardo Tinoco.

Entre os insetos benéficos estão os inimigos naturais, que se alimentam das pragas e também os polinizadores do dendê, como o besouro miúdo. Ele pousa na flor masculina da palmeira, que contém o pólen. E depois voa até as flores femininas de outro dendezeiro. Indo e vindo, o inseto contribui pra chamada polinização cruzada, que vai gerar os frutos do dendê.

Pequenos produtores

O óleo de dendê – em todas as suas formas – é hoje o óleo vegetal mais produzido e mais consumido no mundo, seguido pelo óleo de soja e pelo de canola. E quais são os motivos dessa liderança?

Especialista em agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, o economista Ralf Levermann explica que a força do dendê, a palma, no mercado mundial se baseia em dois pontos. “O óleo de palma é extremamente versátil no uso industrial. A produção no campo é altamente rentável comparada com todos os óleos vegetais que existem no mundo, por exemplo, com a soja.”

Enquanto a soja produz, na média mundial, 0,4 toneladas de óleo por hectare por ano. O dendezeiro gera anualmente 4,2 toneladas de óleo, em um hectare. Cerca de 10 vezes mais.

Mas a história do dendê também é marcada por uma grande mancha ambiental. Nas últimas décadas, o cultivo viveu uma expansão acelerada, principalmente em dois países da Ásia: Indonésia e Malásia, que dominam 80% do mercado global. O avanço foi descontrolado e provocou o desmatamento de milhares de quilômetros de florestas. A destruição colocou espécies em risco e gerou a reação de entidades ambientais e consumidores pelo mundo afora.

O agrônomo Alfredo Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, estuda o assunto e avalia que a situação do dendê no Brasil é bem diferente. Ele lembra que aqui, por lei, todo produtor precisa conservar áreas da fazenda como floresta, coisa que não ocorre na maior parte do mundo. Na Amazônia, a reserva obrigatória varia de 50% a 80% da propriedade. Outra diferença importante, segundo Homma, é que a expansão do dendê nos últimos anos ocorreu no Brasil com base em um zoneamento agroecólogico federal, que direciona novos plantios pra áreas já desmatadas.

“Nós temos na Amazônia cerca de 76 milhões de hectares que já foram desmatados. Eu não vejo essa ameaça em cima de áreas de floresta densa. É muito mais pastagens degradas e área de vegetação secundária”, fala Homma.

Diante dos problemas na Ásia, e em outros lugares do planeta, a cadeia produtiva do dendê resolveu criar uma certificação internacional - a RSPO. O selo verde tem o respaldo de entidades ecológicas de peso como a WWF e a Conservation Internacional.

Aqui no Brasil, a Agropalma é a única fazenda que já conseguiu o certificado, em 2011. “O objetivo da certificação é garantir que o óleo de palma vem de uma origem sustentável, vem de um processo de produção que não está vinculado a desmatamento, a perda de biodiversidade, critérios sociais, tratamento adequado dos trabalhadores, redução da utilização de agrotóxicos e por aí vai. É um conjunto de 120 indicadores ao todo”, explica o agrônomo Túlio Dias Brito, da Agropalma.

Além de englobar todas as atividades da propriedade, os critérios da certificação também se aplicam aos fornecedores da fazenda. Afinal, a empresa compra a produção de 237 agricultores. A maior parte é de pequenos sitiantes, que trabalham num esquema de integração.

As famílias entram com a terra e mão de obra e a fazenda fornece mudas, insumos e assistência técnica. Iracema Pinto e Antônio dos Santos plantaram dez hectares de dendê, na comunidade de Arauaí, em Moju. A nova atividade contou com financiamento do Pronaf e apoio do governo do Estado. “Antes de começar a trabalhar com dendê, eu era empregado. Eu trabalhava numa serraria, era serrador. Eu me sinto feliz trabalhando com dendê”, diz Antônio dos Santos. Pra aprender a lidar com o cultivo, desde o início do projeto a família recebeu orientação de agrônomos e técnicos agrícolas.

Os novos produtores de dendê foram estimulados a manter culturas tradicionais do sítio, pro gasto ou pra venda. Antônio e Iracema continuam com uma rocinha variada do lado da casa e seguem firme na produção de farinha de mandioca.

Na colheita do dendê, muita gente precisa contratar mão de obra. O problema é que até a alguns anos tudo era feito de maneira informal - o que é contra as leis trabalhistas e contra as regras da certificação do dendê.

Pra mudar essa realidade, os sitiantes foram orientados a criar um consórcio. Nele, os colhedores são contratados com carteira assinada por um grupo de agricultores e trabalham a cada dia num sítio diferente. Entretanto, alguns agricultores se queixam que a colheita ficou mais lenta com consórcio, porque os trabalhadores contratados faltam mais no serviço.

Pra ajudar nessa nova fase de adaptações, a comunidade também contou com orientação de uma entidade não governamental. A fundação Solidaridad promove desenvolvimento sustentável e apóia a certificação do dendê em vários países. “O produtor precisa se profissionalizar para conseguir a certificação. Desde ele saber o quanto ele ganha e o quanto ele paga, o custo, toda a parte do manejo produtivo, se ele ta cumprindo a legislação ambiental, social, trabalhista. É uma visão integrada do lote, da propriedade”, explica a engenheira florestal Joyce Brandão.

A fazenda garante a compra de toda a produção dos integrados. O preço da tonelada do cacho varia segundo o mercado, mas como o dendê é certificado, os agricultores recebem aumento no preço, que vai de 5% a 7%.

Nas contas da Embrapa, que fez um estudo na comunidade, cada lote de dez hectares de dendê deixa na média um lucro líquido, livre, de R$ 2.600 reais por mês. Isso, fora outras atividades dos sítios.

Benedita do nascimento já passou muita dificuldade na região. Mas hoje, com vinte hectares de dendê, vem conseguindo um lucro mensal de cerca de R$ 5.000. “Sempre fui agricultora, nascida e criada nessa região. O dendê é a melhor atividade que encontrei na vida.”

Com mais dinheiro no sítio, Benedita e o marido, José Augusto, resolveram investir na produção e na qualidade de vida. Nos últimos anos, eles compraram algumas cabeças de gado, uma caminhonete usada, um trator, que foi financiado, uma televisão, vários eletrodomésticos e já começaram a construção de uma casa nova pra família.

Histórias desse tipo se repetem em vários outros sítios da comunidade. Segundo a Embrapa, 84% dos produtores dessa integração se dizem satisfeitos ou muito satisfeitos com o dendê. Uma prova de que é possível cultivar essa palmeira na Amazônia de maneira sustentável, garantindo fonte de renda pros agricultores e respeito à natureza da região.

Mesmo com o aumento nos últimos anos, a produção brasileira de óleo de dendê ainda é pequena e o país importa quase a metade do que consome. Ou seja, ainda tem muito espaço pro dendê crescer por aqui.

Com adaptação BiodieselBR.com