Boom do óleo de palma gera preocupação com preservação
A palma já foi celebrada como salvação social e ambiental – uma cultura alimentar sustentável, um biocombustível que ajudaria a cortar as emissões de gases de efeito estufa e caminho para que pequenos agricultores saiam da pobreza. Nos últimos anos, porém, um conjunto de pesquisas vem ganhando corpo e questionando essas credenciais, apresentando evidências de que o plantio de palma pode causar desmatamento predatório e reduzir a biodiversidade, e de que o uso do óleo como biocombustível só consegue mitigar as mudanças climáticas marginalmente.
Mas mesmo com o fortalecimento desses argumentos contrários à causa ambiental, o setor de palma de óleo vive um momento de expansão como nunca visto antes. “A palma é uma cultura tão lucrativa que praticamente não há jeito de detê-la”, diz William Laurance, cientista especializado em preservação florestal da James Cook University, da Austrália. A Indonésia, por exemplo, país com a maior área cultivada de palma de óleo no mundo, deve dobrar sua produção até 2030. E no último dia 28 de junho, a empresa de óleo de palma Felda Global Ventures (FGV), da Malásia, arrecadou US$ 3,2 bilhões naquela que foi a segunda maior oferta inicial de ações (IPO) deste ano, perdendo somente para a do Facebook, o que permitirá à empresa realizar plantios em milhares de hectares de novas terras.
Sabri Ahmad, presidente do grupo FGV, declarou na semana passada que a empresa planeja octuplicar suas operações num prazo de oito anos. Para isso, terá de olhar para além da Malásia, para países como o Camboja e a Indonésia. Embora seja o segundo maior produtor de óleo de palma do mundo neste momento, as terras viáveis para novos plantios de palma na Malásia estão se esgotando, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos.
Essa expansão é puxada por uma demanda de óleo de palma que vem crescendo num ritmo constante, com origem principalmente no setor de alimentos, que o utiliza numa ampla gama de produtos, incluindo margarinas e biscoitos. Mas o emergente mercado de biodiesel também está sedento pelo óleo.
A princípio, o biodiesel de óleo de palma também não traria danos ao meio ambiente, uma vez que o volume de dióxido de carbono liberado na queima do óleo praticamente equivale ao absorvido pela planta durante o seu crescimento. Mas para abrir espaço às plantações, vastas faixas de floresta são derrubadas, frequentemente áreas de pântano ricas em carbono, onde a queima de árvores e a degradação do solo liberam reservas adicionais desse gás estufa. Uma avaliação de ciclo de vida publicada recentemente sugere que pode levar até 220 anos para que uma plantação neutralize todo o carbono emitido (W. M. J. Achten and L. V. Verchot Ecol. Soc. 16, 14; 2011).
Em janeiro, após concluir que os combustíveis derivados de óleo de palma emitem apenas de 11% a 17% menos gás estufa ao longo do ciclo de vida do que o diesel convencional, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos sugeriu que o óleo não deveria ser classificado como combustível renovável. Apesar de ter concluído uma consulta pública sobre o assunto já em abril, a EPA até agora não definiu uma data para publicar sua decisão definitiva. Mas a União Europeia continua a incentivar o uso de combustíveis à base de óleo de palma. O bloco estipulou um uso de 10% de biocombustíveis no transporte rodoviário até 2020, e grande parte dessa meta deve ser cumprida mediante a mistura de biocombustíveis tais como o biodiesel de palma no combustível convencional.
Uma pesquisa publicada em abril também demonstra que os plantios de óleo de palma são responsáveis por cada vez mais desmatamentos na Indonésia (K. M. Carlson et al. Proc. Natl Acad. Sci. USA 109, 7559–7564; 2012). Em 2007 e 2008, o plantio de palma foi a causa direta de 27% dos desmatamentos realizados no país. E a expectativa é que esta proporção suba para 40% até 2020, quando cerca de 40% das áreas pantanosas da Indonésia já deverão estar ocupadas por plantações.
O óleo de palma seria muito mais sustentável se fosse manejado de forma responsável, diz Nigel Sizer, diretor da Global Forest Initiative, do World Resources Institute, think tank ambiental com sede em Washington. “É possível termos plantios neutros em carbono caso eles sejam implantados em terras já previamente desmatadas e degradadas”, diz ele.
Krystof Obidzinski, pesquisador da área de governança de florestas do Centro Internacional de Pesquisas Florestais em Bogor, Indonésia, concorda que há grandes quantidades de terras degradadas ou sem cobertura florestal que poderiam ser utilizadas, mas acredita que os países e empresas precisam de incentivos para que isso aconteça. Terras cobertas por floresta são mais atraentes porque as empresas podem conseguir ganhos extras com a madeira e há menos chances de que elas sejam habitadas por populações locais que depois venham a reivindicar direitos de posse sobre a terra e compensações financeiras, diz Obidzinski.
Pressões por parte de consumidores podem encorajar empresas a mudar suas práticas. A Mesa Redonda sobre Óleo de Palma Sustentável (RSPO), associação internacional sem fins lucrativos com sede em Zurique, Suíça, que reúne grupos preservacionistas e firmas de óleo de palma, entre as quais a própria FGV, afirmou que não certificará nenhum óleo produzido em terras que tenham sido desmatadas para dar lugar a plantações. Mas há um ceticismo generalizado quanto à capacidade efetiva da RSPO, fundada em 2004, em policiar o rápido crescimento do setor.
Em declaração à Nature, a RSPO disse estar preparada para agir em casos graves de negligência ambiental, situação na qual “poderá requerer, em último caso, que o associado tome medidas específicas ou então tenha seu registro cancelado”.
Em face do que Laurance chamou de “maré verde” de expansão do óleo de palma, há quem tema que essas sanções não sejam o suficiente.
Natasha Gilbert
Fonte: Nature
Tradução: BiodieselBR